"The Crown" | © Netflix

The Crown, primeiras impressões da temporada final

“The Crown” chega à reta final, com os primeiros quatro episódios da sexta temporada já na Netflix. Contudo, a glória do passado é de difícil reprodução.

Nas suas temporadas iniciais, aquelas protagonizadas por Claire Foy e Matt Smith, “The Crown” parecia perdida em busca da tonalidade certa. A primeira fase da série parecia embalsamada em prestígio, apresentando os factos históricos em jeito passivo, como que limando a natureza política do tema. Dito isso, com o desenrolar da segunda temporada, uma nova realidade surgiu com o arco de Isabel I a terminar num jeito de desumanização deliberada. A personalidade sublima-se perante a Coroa, o dever acima do espírito, do indivíduo, da própria alma da soberana. Também se via uma maior tentativa de subverter a hagiografia do programa.

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Tais qualidades chegaram ao rubro nas temporadas com Olivia Colman no papel principal, onde as rachas na fachada real se aprofundaram até que tudo veio abaixo na quarta temporada. Com os anos 80, veio Diana e Thatcher, uma renegação da mitologia conservadora em volta da Coroa e seus poderios políticos, exultando o melodrama até ao ponto do assombro. De repente, mais do que uma mera celebração da dinastia Windsor com uma pátina de prestígio televisivo por cima, “The Crown” afirmou-se enquanto tragédia. No ato de arriscar a ofensa monárquica, a série desvendou os seus melhores episódios.

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Mas então veio a quinta temporada e tudo começou a dar para o torto. De novo a ambivalência emergia e estragava a pintura, com uma tentativa de mostrar o definhar matrimonial entre Carlos e Diana sem, no entanto, denegrir aquele que é agora rei. Chegados os quatro capítulos que abrem a sexta e última temporada, esses problemas complicaram-se ainda mais e todo o poder dramático do projeto parece ter-se perdido pelo caminho. Para começar, há que apontar a estrutura bizarra. Depois de várias temporadas que saltavam anos entre episódios, estas quatro horas incidem quase exclusivamente no último Verão antes da morte de Diana.

Em momentos mais desesperantes, parece que se passam inteiros episódios às voltas do iate do clã Al-Fayed, revirando os mesmos temas já explorados, as manipulações do patriarca egípcio e seu desejo de se assimilar à aristocracia inglesa. Só que entre as tensões de Dodi e Mohamed, a figura da Princesa de Gales perde-se. Ela é mais miragem que pessoa de carne e osso, com a série a cair no paradoxo de uma obsessão que jamais vai além da superfície. Pouco entendemos da interioridade da personagem quando todas as outras figuras parecem presas na sua órbita. É como se, no lugar de um coração pulsante, estes episódios tivessem um abismo.




A Rainha também nunca foi tão periférica, perdendo-se entre cenas repetitivas e dramas entediantes. Só Carlos sai bem na fotografia, quiçá até demais, pois o criador da série parece ter decidido nunca ofender o seu presente soberano. Peter Morgan está a fazer uma História política sem interesse nas complexidades históricas ou nas vicissitudes dos jogos de poder, recaindo naquela hagiografia oca que se julgava já superada. Pior ainda é o modo como o fausto estético partilha o mesmo fado da narrativa, perdendo impacto a não ser quando a série se digna a recriar alguma imagem icónica. Mas mesmo aí, há problemas.

Veja-se o quarto episódio, praticamente um remake de “A Rainha” que valeu um Óscar a Helen Mirren. Na cena em que Isabel I finalmente fala aos súbditos num comunicado em direto sem precedentes, o gosto pela escuridão e luz fosca até consegue destruir a iconografia bem-lembrada. Tantos ainda conseguem ver na memória essa cena real, todos os que viveram o transtorno e a perda de Diana, os dias do seu funeral e toda a incompetência pública da Coroa. Parece uma oportunidade perdida. Contudo, sempre se prefere a desinspiração ao erro vulgar, no precipício do mau gosto. Referimo-nos, pois claro, às aparições fantasmagóricas de Diana.

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© Netflix

Aí sim, sentimos todo o edifício do “The Crown” colapsar, uma necromancia que nem sequer paga os seus dividendos em termos de sensacionalismo salaz. O diálogo entre vivos e mortos é sensabor, mais anódino que transgressor. A única salvação é mesmo o trabalho dos atores, com Imelda Staunton reservada e quase rancorosa para com o espírito e Dominic West em jeitos de charme melancólico. Reescreve-se a História e fazem-se parvoíces assombradas, mas os atores estão sempre prontos para resgatar “The Crown” dos seus piores pecados. Sempre assim foi e sempre assim será e isso vai muito além destas cenas metafísicas.

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Apesar de ter pouco com que trabalhar, Elizabeth Debicki sempre consegue encontrar humanidade no seu retrato Diana. A passagem parisiense antes do acidente é especialmente soberba para a atriz, culminando numa interação especulativa com Dodi, uma rejeição amigável que nos diz mais sobre a Princesa do Povo do que todas as horas anteriores. Imelda Staunton continua a surpreender pela sua recusa em interpretar Isabel com psicologia exteriorizada, enquanto Salim Daw volta a deleitar com o seu Mohamed Al-Fayed. West está preso a um papel de contradição extrema e os restantes colegas têm pouco que fazer. A Princesa Margarida de Lesley Manville é completamente desperdiçada, mais figurante que estrela. Enfim, Peter Morgan tem a sorte de ter um grande elenco, mas isso não é suficiente para fazer a série vingar. Oxalá o fim que aí vem seja melhor que este prelúdio.

Os últimos episódios de “The Crown,” focados na família real em pleno século XXI, chegam à Netflix dia 14 de dezembro.

The Crown, primeiras impressões da temporada final
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Movie title: The Crown

Date published: 23 de November de 2023

Actor(s): Imelda Staunton, Elizabeth Debicki, Dominic West, Jonathan Pryce, Lesley Manville, Marcia Warren, Olivia Williams, Salim Daw, Khalid Abdalla

Genre: Drama, História, Biografia, 2023

  • Cláudio Alves - 45
45

CONCLUSÃO:

Um elenco hábil faz o que pode, mas não há maneira de se elevar “The Crown” acima da sua presente mediocridade. Os primeiros quatro episódios da sexta e última temporada estão obcecados com Diana sem, no entanto, explorarem a interioridade da figura antes da morte. Só mesmo Carlos tem algum desenvolvimento, mas tudo parece demasiado polido e amistoso, mais elogio lambe-botas que dramaturgia eficaz.

O MELHOR: A cena de hotel entre Dodi e Diana antes do acidente, a prestação de Salim Daw e a recriação dessas imagens icónicas da Princesa de férias nas águas do Mediterrâneo.

O PIOR: O recurso à assombração, o desprestigiar de elementos técnicos, toda a estrutura do último episódio em torno do funeral.

CA

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