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Umberto Eco, a Biblioteca do Mundo | Crítica

Numa lista cada vez mais maior de biografias filmadas, o documentário ‘Umberto Eco, a Biblioteca do Mundo’, de Davide Ferrario destaca-se pelo seu propósito de dar a conhecer com clareza, uma faceta menos convencional, de um dos maiores pensadores do século XX. Estreia a 7 de Setembro.

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Semiótico, filósofo, pensador, escritor, activista, um gigante numa época de gigantes do pensamento, Umberto Eco (1932-2016) iluminou de uma forma bastante expressiva e única, o conhecimento na segunda metade do século XX. Acima de tudo, era um heterodoxo que gostava de viajar por espaços sombrios e menos convencionais, do meio académico. Em ‘Umberto Eco, a Biblioteca do Mundo’, (apresentado na última Festa do Cinema Italiano), o realizador Davide Ferrario [‘Materiali partigiani’ (1995) a ‘Piazza Garibaldi’ (2011)], confrontou-o de uma forma bastante particular: diga-me o que lê, dir-lhe-ei quem é? No caso de Eco leva-o (e leva-nos) a mergulhar na sua faraónica e exuberante biblioteca, que era o seu mundo privado. A biblioteca que Eco guardou ao longo da sua vida, está repleta de volumes antigos e obras contemporâneas, de todos os géneros literários, de todos os temas do conhecimento mas, sobretudo, este filme mostra a sua enorme vontade e curiosidade de abordar todos os temas da banda desenhada à alquimia, aliás temas que resultaram em alguns dos seus ensaios publicados em vários livros.

Umberto Eco
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Concebido em três capítulos mais um epílogo, neste documentário vamos descobrir alguns aspectos menos conhecidos das paixões de Eco, por exemplo pela ‘memória vegetal’: os livros desde os papiros à actualidade digital. Vale a pena investigar este aspecto! Mas no filme, partimos do fim, do seu desaparecimento em 2016, da afirmação do seu reconhecimento e da sua reputação, feita de respeito e estima, em todos os quadrantes da vida pública. É então, que acompanhados pelas palavras da esposa, dos filhos e dos seus colaboradores mais próximos, entramos nas salas (que não por acaso, que a principio parecem um labirinto) da vasta ‘biblioteca’, de um inesgotável enciclopedista e de um obsessivo curioso por todos os temas, feita de ‘1.200 textos antigos e 30.000 modernos’. 

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Nesta vertiginosa, mas confortável viagem, descobrimos as suas paixões mais especiais, as da imagem (desde os livros de alquimia até à banda desenhada, segundo uma abordagem que ia da mais oculta e misteriosa às ultra-especializadas de livros aos quadradinhos como por exemplo as séries de aventuras de ‘Fantasma’ ou de Peanuts’), aos textos de outro incrível mundo paralelo, construído pelo falso conhecimento, pela erudição que se veio a confirmar que afinal estava errada. Ou seja, uma biblioteca que é fruto de uma vida bem vivida, iluminando igualmente as trevas do erro com a luz da razão, não sem um sentimento de sincera simpatia e admiração, pelos mais temerários exploradores do absurdo, do extravagante e do excêntrico. Também, seis trechos de seus escritos — obviamente quase todos retirados de seus ensaios mais direcionados mais à bibliofilia e aos problemas da criação literária — são recitados por atores italianos; digamos que são recitados e não declamados porque foram construídos na forma de ações cénicas encenadas, com piadas e piscadelas de olho ao espectador, como quase numa conversa informal.

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Umberto Eco
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A elegância do olhar de Ferrario e inserções específicas de entrevistas de televisão e conferências, dão igualmente bastante cor à narrativa, tornando o ensaio solto e acessível a todos, aliás como as conversas do Professor Eco, sempre pronto para conjugar o seu terrível e sarcástico humor, com uma inquietante perspectiva racionalista do mundo. Por fim, planos feitos de suaves e encenados planos de rastreamento descrevem algumas das bibliotecas públicas, mais famosas do mundo, muitas vezes com arquitetura contemporânea arrojada, tanto ao estilo setecentista, como ultramoderno, enquanto uma adequada, clássica e suave banda sonora (Carl Orff e Barovero) vai acompanhado aleitamento o ritmo das ilustrativas imagens de uma vida e obra.

Umberto Eco
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Umberto Eco na sua biblioteca privada. São mais de 30.000 livros contemporâneos e mais de 1500 livros raros antigos. Davide Ferrario, que tinha colaborado com Umberto Eco em 2017, numa instalação sobre o tema da memória para o pavilhão italiano da Bienal de Veneza, reconstrói aqui a relação do escritor e filósofo com os livros. Através de entrevistas inéditas, material raramente visto e com a colaboração da família e amigos, num filme lúdico e sofisticado que procura capturar o significado da ideia de biblioteca como memória colectiva do mundo.

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‘Umberto Eco, a Biblioteca do Mundo’ é um precioso retrato documental e um pretexto para um precioso ensaio de considerações mais gerais, sobre a vida (‘entramos quando terminam os jogos e saímos sem saber como vão acabar’), a palavra, os sinais (‘como é que tudo isso pode ser usado para mentir’) ou contra o novo conhecimento digital, indiscriminado e sem filtros: ‘muita coisa faz ruído e o ruído, não é de todo um instrumento de conhecimento’. Porém, Ferrario pesquisa e sublinha, um dos aspectos mais surpreendentes, significativos e até espetaculares da vida de Umberto Eco, nomeadamente a sua bibliofilia (não a sua bibliomania) e, consequentemente, a sua devoção aos livros: ‘o todo das bibliotecas é o todo da memória da humanidade’ e ‘nós somos a nossa memória, a memória é a alma’.

JVM

Umberto Eco, a Biblioteca do Mundo | Crítica
Umberto Eco

Movie title: Umberto Eco la Biblioteca del Mondo

Movie description: Umberto Eco na sua biblioteca privada. São mais de 30.000 livros contemporâneos e mais de 1500 livros raros antigos. Davide Ferrario, que tinha colaborado com Umberto Eco em 2017, numa instalação sobre o tema da memória para o pavilhão italiano da Bienal de Veneza, reconstrói aqui a relação do escritor e filósofo com os livros. Através de entrevistas inéditas, material raramente visto e com a colaboração da família e amigos, num filme lúdico e sofisticado que procura capturar o significado da ideia de biblioteca como memória colectiva do mundo.

Date published: 28 de August de 2023

Country: Itália

Duration: 80 min

Director(s): Davide Ferrario

Genre: Documentário, 2022,

  • José Vieira Mendes - 80
80

CONCLUSÃO:

Neste documentário intitulado, ‘Umberto Eco, a Biblioteca do Mundo’, o realizador Davide Ferrario, consegue harmonizar muito bem todos os elementos de uma obra documental, sem nos sobrecarregar de material inútil, construído-a aliás quase com a astúcia de uma ficção. Além disso, o ‘sujeito’ do documentário, Umberto Eco, é por si só, um pilar da cultura mundial, — e não só italiana — da segunda metade do século XX, um daqueles estudiosos que se tornou uma referência incontornável para o conhecimento racionalista em diversas formas e em várias áreas. Eco tinha verdadeiramente um espírito de enciclopedista educado e apaixonado, nunca faltando nos seus discursos e ensaios, uma leveza verdadeiramente rara nos meios académicos.

JVM

Pros

O escasso tempo de 80 minutos, parece pouco, para dissecar uma figura tão iminente e rara com o foi Umberto Eco.

Cons

Muito mais tempo também seria também maçador e assim abre a porta para mostrar novas perspectivas, sobre a imensidade do ‘mundo’ de Umberto Eco e não só sua biblioteca.

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