Homecoming

Homecoming, primeira temporada em análise

“Homecoming”, da Amazon, é um thriller carregado de influências da cinematografia dos anos 70, com Julia Roberts a estrear-se na televisão e Sam Esmail a provar que “Mr. Robot” não foi um acaso perfeito.

Quando pensam em Julia Roberts, em que é que pensam? “Notting Hill”? “Pretty Woman: Um Sonho de Mulher”? “Erin Brockovich”? Nos anúncios da Lancôme? Para mim é imediato: o sorriso. Não o de Mona Lisa, mesmo o da atriz… Com os seus anos de glória cinematográfica vividos nos anos 90, Julia Roberts tornou-se, fruto dos papéis que abraçou e da empatia natural e genuína que sempre gerou junto do grande público, um símbolo de conforto. De sorriso rasgado e reluzente, Roberts estabeleceu-se como a princesa (hoje rainha) das comédias românticas, sendo para a audiência intuitivo, involuntário e jamais custoso confiar nas suas personagens, com muitas similaridades partilhadas entre si.

Por tudo isto, a escolha de Julia Roberts para Heidi Bergman em “Homecoming” foi o primeiro passo para subverter habitués, aproveitando o typecasting da atriz ao longo de décadas para servir a personagem e propósitos narrativos, ludibriando as expectativas dos espectadores. “Homecoming” usa a aura criada pela atriz, fundindo-a com uma personagem fora da caixa que é em muitos momentos uma página em branco para, sem querermos, percecionarmos Heidi através de tudo aquilo que Roberts nos faz pensar e sentir à primeira vista.

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A série da Amazon é em muitas coisas um regresso ao passado. Um thriller psicológico que nos atira para os anos 70, recuando mais ainda ao evidenciar traços hitchcokianos e até de De Palma no modo como trabalha o suspense e na gestão que faz dos momentos em que a protagonista tem tanta ou menos informação que a audiência.

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Na origem da série, um podcast da Gimlet. Micah Bloomberg e Eli Horowitz contaram entre 2016 e 2017 a história pela primeira vez, servindo-se das vozes de Catherine Keener, Oscar Isaac e David Schwimmer. A Amazon deu aos autores, Bloomberg e Horowitz, a oportunidade de escreverem e produzirem a série, convidando Sam Esmail (criador de “Mr. Robot”) para realizar toda a temporada. Feita a transição, as personagens de Keener, Isaac e Schwimmer passaram a estar entregues a Julia Roberts, Stephan James e Bobby Cannavale.

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“Homecoming” tem no centro da ação Heidi Bergman, uma antiga colaboradora do centro de ajuda Homecoming, espaço com o propósito de dar suporte, reabilitando e suavizando a reintegração de soldados no dia-a-dia civil. A série alterna entre dois períodos: o tempo passado por Heidi no instituto e a sua relação com o soldado Walter Cruz (Stephan James), e quatro anos mais tarde, quando Heidi é empregada de mesa, revelando uma apatia e uma brutal dificuldade em recordar a época em que trabalhou na Homecoming.

Com o mistério e a paranóia (Sam Esmail começa a tornar-se mestre nesse âmbito) sempre presentes, um dos méritos inequívocos de “Homecoming” é a forma condensada como trabalha o suspense com poucas personagens e exercendo permanentemente duas forças contrárias. Colin (Bobby Cannavale), o supervisor de Heidi comanda tudo à distância até se aperceber, no presente, que o passado está a ser remexido pelo insistente e burocrático funcionário do Departamento da Defesa, Thomas Carrasco (Shea Whigham), intrigado por uma queixa que nunca teve um desfecho conclusivo.

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Todas as ferramentas em “Homecoming” funcionam em prol da conspiração e da estrutura mental da personagem principal, com Sam Esmail a dar continuidade ao seu extraordinário trabalho em “Mr. Robot” ao promover várias inovações visuais e ao utilizar a câmara para distinguir os dois períodos através de resoluções diferentes (1:1 e 16:9). Nasce dessa diferença o shot do ano, num momento de clarividência de Heidi, “acordada” num efeito Vertigo.

Além de Sam Esmail, “Homecoming” importa de “Mr. Robot” por exemplo o diretor de fotografia Tod Campbell e a set designer Anastasia White, e experimenta com ousadia, num drama de 30 minutos (nova tendência?), mecanismos para manter os espectadores agarrados e contemplativos durante os créditos finais, com uma fotografia de topo. Nesse aspeto, apesar de “Atlanta”, “The Handmaid’s Tale”, “Maniac” e “Westworld” nos terem dado planos incríveis, não será desajustado afirmar que “Homecoming” se bate com “Better Call Saul” e com a portuguesa “Sara” na valorização que dá a cada segundo no ecrã, com o cuidado de quem sabe a razão de ser e o que deve comunicar cada imagem planeada.

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Em dez episódios, entre 2018 e 2022, são dadas ao espectador, desconfiado, as respostas ou revelações nos momentos certos. Com o investigador Carrasco a ser o espelho do que a audiência vai descobrindo, Colin a apresentar-se como um antagonista declarado e manipulador, e Heidi a amarelar o seu sorriso à medida que percebe aquilo que fez e em que participou.

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Num elenco que conta ainda com a experiência de Sissy Spacek e Dermot Mulroney, e elementos como Jeremy Allen White, Hong Chau e Rafi Gavron, que têm sabido potenciar os desempenhos secundários que colecionam, quem mais brilha – além de Roberts – é Stephan James. Num ano marcante para a sua carreira, tendo entrado também em “If Beale Street Could Talk” de Barry Jenkins, o seu Walter Cruz é a personagem mais empática, a cobaia inocente que, descontraído e positivo, nos dá alguns dos melhores momentos da série nas consultas com Heidi.

Homecoming
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Uma das novidades mais intrigantes do ano, “Homecoming” foi a série de longos planos que nos fez duvidar do ananás que temos à mesa, teorizar sobre o posicionamento de um garfo ou deslumbrar perante a desorganização da meticulosa Heidi, abraçada e apoiada sobre os seus pertences no escritório.

É a prova de que Sam Esmail se pode vincar enquanto referência criativa nos próximos anos, reforçando que Julia Roberts deve procurar sair da sua zona de conforto e que a Amazon (a casa de “The Marvelous Mrs. Maisel” que prepara novas adaptações de “Utopia” e “O Senhor dos Anéis”) está no caminho certo.

TRAILER | “HOMECOMING”

Já experimentaste a trip psicológica de “Homecoming”? Será este o melhor drama que a Amazon já produziu até à data?

Homecoming - Temporada 1
Homecoming

Name: Homecoming

Description: Heidi Bergman, uma antiga colaboradora do centro de ajuda Homecoming, espaço com o propósito de reabilitar e suavizar a integração de soldados no dia-a-dia civil, procura compreender que papel teve durante um período que não consegue recordar.

  • Miguel Pontares - 84
84

CONCLUSÃO

O MELHOR – “Homecoming” é um saudoso regresso à cinematografia de outras épocas, e um thriller psicológico carregado de mistério, suspense e paranóia. Julia Roberts e Stephan James brilham sintonizados, a série promove inovações visuais (resoluções de 1:1 e 16:9, e uma hipnotizante utilização dos créditos finais), com Sam Esmail – acompanhado por outros membros da produção de “Mr. Robot” – a oferecer mais um pedacinho de boa televisão.

O PIOR – Embora sempre portentosa do ponto de vista visual, a série demora alguns episódios a agarrar verdadeiramente o espectador. Intrigante e contagiante, premeia quem lhe dá esse voto de confiança.

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