"A Noite do Dia 12" | © Films4You

Festa do Cinema Francês ’23 | A Noite do Dia 12, a Crítica

“A Noite do Dia 12,” conhecido como “La Nuit du 12” no original, é uma das antestreias em destaque na Festa do Cinema Francês. A obra de Dominik Moll chegará às salas portuguesas no próximo dia 1 de novembro, graças à Films4You.

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Nos Prémios César deste ano, o novo policial de Dominik Moll sagrou-se campeão dos campeões, arrecadando seis galardões, incluindo para Melhor Filme. A caminho da vitória, a fita teve que destronar tantos outros títulos sonantes como “Pacifiction” e “L’Innocent,” um fado fascinante quando consideramos a mortalha de fracasso sobre a sua narrativa. Esta não é uma história inspiradora a modos tradicionais, onde os detetives triunfam contra a barbárie do homicida e o mistério é resolvido. Pelo contrário, partindo de um caso real, Moll concebe uma elegia sobre aqueles horrores que sempre ficaram além da justiça – casos nunca fechados.

De facto, o filme avisa-nos dessa conclusão negada logo no início, uma mensagem iluminando o ecrã com promessas tenebrosas de um homicídio cujo perpetrador ainda viverá livre, sem nunca ter sido descoberto. Em parelha com este ‘spoiler’ deliberado, “A Noite do Dia 12” inicia-se com o nosso único vislumbre da vítima ainda em vida. Ela é Clara, jovem de 21 anos, saindo de uma festa e a caminho de casa na cidade sonolenta de Grenoble. Sozinha na calada da noite, ela mexe no telemóvel e vislumbra um vulto na escuridão. Antes da caminhada estar completa, essa sombra aparece-lhe em confrontação, cobre-a de gasolina e pega fogo à mulher.

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A violência repentina é como um murro no estômago, a câmara aliando-nos a Clara só para romper esse elo emocional da forma mais hedionda imaginável. Daí, “A Noite do Dia 12” desenrola-se como um mistério criminal à moda antiga com um toque de “Twin Peaks” e ainda mais sabores de “Zodíaco.” Sua estrutura define-se em torno do investigador principal – o jovem Yohan, interpretado por Bastien Bouillon – e seu trabalho ao lado de um colega mais velho e cínico – Marceau, interpretado por Bouli Lanners – um homem cheio de raiva contra o mundo que produz tais horrores. Sua dinâmica de contrastes confere um prisma pelo qual vislumbramos o caso.

É também através deles que o filme constrói a sua perspetiva sobre as correntes misóginas na sociedade francesa, muitas interrogações e conversas precipitando um retrato feio, cruel, daqueles que dói ver. Mesmo depois da morte, os comportamentos sexuais das mulheres são esmiuçados, noções de culpa projetados sobre as vítimas de violência. À sua maneira, Yohan e Marceau são parte da mesma força patriarcal que ataca Clara post-mortem, mas também são eles assombrados pelo flagelo. Gradualmente, perante a passagem dos anos e as perguntas sem resposta, o mistério e suas leituras sociais são como um veneno na alma dos homens.




Mas será que esta centralidade de figuras masculinas faz jus ao texto do qual o filme se constrói? Moll e o seu coargumentista Gilles Marchand adaptaram um texto de Pauline Guéna em que a autora usa o contexto do mistério sem resolução para investigar as hierarquias insidiosas da PJ francesa, o domínio dos homens, o sexismo que não só se abate sobre a profissão, mas também sobre suas ações enquanto autoridades justiceiras. Tornar a não-ficção em narrativa é complicado, a tirania da personagem a pressionar a verdade e deturpar os factos. Nesse sentido, uma abordagem menos focada em protagonistas específicos poderia ter sido melhor.

Afinal, quando, no último ato, vemos uma polícia onde se começam a fazer tentativas de igualdade de géneros, já falta muito pouco tempo para os créditos finais. Moll não tem espaço de manobra para desenvolver os conceitos com a mesma claridade de Guéna, tirando poder a toda a obra. Há momentos fenomenais nestas passagens derradeiras, quando uma comparação maior se afirma acima de Lynch e Fincher – se “A Noite do Dia 12” tem um irmão próximo no cinema internacional, será “Memórias de Um Assassino” de Bong Joon Ho, com Yohan no centro do estudo psicológico em jeito semelhante ao Detetive a que Song Kang-ho deu vida.

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Bouillon pode não chegar aos calcanhares desse titã coreano, mas a sua prestação serve de âncora para a fita francesa, exigindo a atenção do espetador sobre os modos como o caso de Clara lhe vai consumindo o espírito, corroendo o homem de dentro para fora. No papel mais demonstrativo de Marceau, o grande Bouli Lanners é ainda mais impressionante. Ao invés de engolir a injustiça como um sapo, esse investigador deixa que o rancor venha cá para fora, deixa-se explodir e consumir nas labaredas da fúria, talvez até do ódio. Não admira que os críticos andem a aplaudir o ator desde que este filme passou em Cannes, culminando num César pelo seu trabalho.

O restante elenco segue as mesmas linhas de excelência, conferindo píncaros de humanidade complexa a todos os cantos e recantos da história. Só que, com menos de duas horas, não há tempo para todas as figuras brilharem. Nesse sentido, quase nos questionamos se “A Noite de Dia 12” não teria sido melhor servida pelo formato televisivo. Além disso, o estilo de Moll tem pouco que exige o esplendor do grande ecrã, apesar do apuro estético das filmagens noturnas e um grande trabalho musical pela parte de Olivier Marguerit. As canções originais que ele compôs para o filme são especialmente marcantes, como que materializando o assombro de Clara sobre um cosmos onde o fado jamais será vingado.

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A Noite do Dia 12, a Crítica
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Movie title: La Nuit du 12

Date published: 12 de October de 2023

Director(s): Dominik Moll

Actor(s): Bastien Bouillon, Bouli Lanners, Théo Cholbi, Johann Dionnet, Thibaut Evrard, Julien Frison, Paul Jeanson, Mouna Soualem, Pauline Serieys, Lula Cotton-Frapier, Charline Paul, Matthieu Rozé, Baptiste Perais, Jules Porier, Benjamin Blanchy, Pierre Lottin, Camille Rutherford

Genre: Crime, Drama Mistério, 2022, 115 min.

  • Cláudio Alves - 70
70

CONCLUSÃO:

Um trabalho sólido com fortes melancolias, “A Noite de Dia 12” podia funcionar melhor como minissérie. Contudo, essa nota não impede que o filme de Dominik Moll vingue enquanto assombro cinematográfico. É meio prosaico, mas com muito impacto, uma sonoridade tão bela que dói e a coragem de se manter fiel à noção de catarse negada que propõe de início.

O MELHOR: A música de Olivier Marguerit, o prólogo na vertigem do terror, o trabalho de galardoado de Bouli Lanners.

O PIOR: Uma adaptação do texto menos focada em personagens individuais poderia ter sido mais fiel ao propósito da autora original. Além disso, a coletividade destas investigações tende a ser mais interessante que o fado de só alguns heróis, monstros e vítimas, justiceiros e injustiçados.

CA

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