MOTELx’23 | Smother, a Crítica
“Heimsuchung”, ou “Smother”, na versão inglesa, é uma obra austríaca da autoria de Achmed Abdel-Salam e que no MOTElx competiu pela distinção de Melhor Longa Europeia. Pôde ser visto em sessão único, no dia 13 de setembro e na nobre Sala Manoel de Oliveira do Cinema São Jorge.
Com um ritmo lento mas sempre em crescendo, “Smother” é uma obra de terror nitidamente produto dos seus tempos, ancorada num terror psicológico doloroso. Aqui, qualquer aparição manifesta-se como uma manifestação de trauma, como tem sido bastante frequente no terror de qualidade da última década, de “The Babadook ” a “O Homem Invisível“.
Outro tema relevante no terror é a figura da mãe (ainda este ano foi explorada com grande perversão deliciosa no mainstream “Evil Dead Rise”) – os seus limites ou o laço que mantém com a criança (seja este para o bem ou para o mal). Em “Smother”, o trauma é uma força que se estende ao longo das gerações, originando um perigoso jogo de imitação, o qual faz com que a história insista em repetir-se.
Uma reflexão acerca de saúde mental e supressão de memórias, “Smother” tem várias forças locomotivas. Uma delas é uma montagem muito audaz, que cria algumas cenas menos sequenciais, o que, desta forma, as torna mais imprevisíveis e tensas.
Para além de uma montagem de mestre, “Smother”, o retrato de uma turbulenta relação entre mãe e filha, pauta-se também por uma banda-sonora inquietante e pela justaposição de imagens díspares que conseguem igualmente criar tensão. De um campo de belos girassóis durante o dia, ao mesmo campo, tenebrosamente repleto de neblina ao cair da noite, as localizações, tanto as exteriores como as interiores, conseguem manter o desconforto ao longo de grande parte da obra.
“Smother” é também enternecedor, à medida que acompanhamos uma mãe que faz de tudo para conseguir reaproximar-se da sua filha, isto depois do seu alcoolismo afetar de forma irremediável a relação entre as duas. A protagonista, Michi, procura que a sua filha, Hanna, e o seu marido, Alex, voltem a confiar em si. É numa visita à sua casa de infância, por ocasião da morte do pai, que Michi decide ficar durante alguns tempos neste local, só com a sua filha Hanna. E se Alex está reticente de início, depressa se sente confortável com a estadia de mãe e filha na casa de campo.
Mas quando Alex regressa à cidade, as memórias difíceis da infância de Michi, aquelas que tanto se esforçou para reprimir, começam a regressar. Além disso, regressam tremendos terrores noturnos que contribuem para uma atmosfera de terror bem palpável, a qual não precisa necessariamente da intromissão do sobrenatural para se fazer valer (a realidade, essa, é aqui aterradora por si só).
Não obstante, o elemento sobrenatural está sempre lá, aberto para interpretação. Nunca nos são dadas respostas categóricas em relação à natureza das figuras tenebrosas que vemos na tela. Esta dúvida razoável, tão típica nas obras de terror focadas no trauma, espicaça o interesse no enredo e transporta-o para a nossa memória, mesmo depois de abandonada a sala de cinema.
Para primeira longa-metragem (tal é o caso aqui), “Smother” é uma obra segura e interessante, que sabe conciliar a escuridão e a luz, o amor e o medo, o conflito e a resolução, com boas doses de emoções que se debatem entre si. O enredo do filme pode não ser o mais original do mundo, tendo estes temas sido já bastante abordados no terror, mas não deixa de se apresentar como uma proposta honesta e, para lá do terror, com os pés assentes nas maleitas do real.
Além disso, deixa-nos com um final dúbio e capaz de estimular a imaginação…
MOTELX 2023 | WARM-UP EM RETROSPECTIVA
Smother, em análise
Movie title: Smother
Movie description: Michi é uma jovem mãe em processo de reabilitação depois do seu alcoolismo ter posto a confiança do seu marido, Alex, e a segurança da sua filha, Hanna, em perigo. Depois da morte súbita do seu pai, Michi insiste em passar alguns dias na casa de verão que herdou, com Hanna, a fim de reconquistar o vínculo maternal que perderam. Mas, assim que Alex retorna para Vienna para trabalhar, as memórias que Michi reprimiu da sua infância vêm à tona, provocando um comportamento paranóico em si e terrores nocturnos na criança. Michi terá que confrontar os seus próprios fantasmas, se quiser proteger Hanna do mesmo ciclo de tormento…
Date published: 18 de September de 2023
Country: Áustria
Duration: 90'
Author: Achmed Abdel-Salam
Director(s): Achmed Abdel-Salam
Actor(s): Cornelia Ivancan, Lola Herbst, Lukas Turtur
Genre: Drama, Terror
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Maggie Silva - 78
CONCLUSÃO
“Smother” é um filme cuidado e ternurento, capaz de trabalhar com cuidado uma relação entre mãe e filha. Um exemplo nobre da exploração do trauma geracional, onde o terror parte de elementos bem sustentados.
Pros
- Uma relação entre mãe e filha bem explorada e onde o terror provém de elementos bem realistas;
- Uma abordagem da saúde mental um pouco melhor que o esperado por parte de obras de terror, os quais não têm o melhor historial com a temática;
- Bela fotografia, campos de girassóis e uma montagem que eleva toda a progressão narrativa.
Cons
- Personagens secundárias, como o marido e os dois vizinhos, que carecem de algum desenvolvimento adicional;
- Alguma recorrência destas temáticas no terror dos anos recentes.
