MOTELx’23 | Superposition, a Crítica
“Superposition”, o filme mais cerebral da competição europeia de longas-metragens do MOTELX’23, levou o prémio desta categoria para casa e pode ser hoje visto, pelas 21h10, na Sala Manoel de Oliveira, em conjunto com “Gangrene”, a curta vencedora. Vimos a obra e deixamos as nossas impressões.
Apresentado como o “talvez” sucessor de “Speak no Evil” por João Monteiro, diretor do MOTELx, na sua única sessão no festival, a 16 de setembro, pelas 19h10, na Sala Manoel de Oliveira, é caso para dizer “dito e feito” no que diz respeito ao triunfo de “Superposition” na Competição Méliès d’argent – Melhor Longa Europeia.
Uma vez mais, somos remetidos para os universos particulares do terror nórdico – que nos coloca em zonas de floresta isoladas, onde se escondem horrores inesperados. E se comparar demasiado o dinamarquês “Speak no Evil” com o dinamarquês “Superposition” pode levar a spoilers involuntários, é mesmo caso para dizer “Dinamarca para que te quero” no que a vencedores do MOTELx diz respeito nos últimos dois anos.
“Superposition”, obra que passou pelo Cannes Frontières Plataform em 2021 e integrou a seleção oficial do Festival Internacional de Cinema de Roterdão em 2023, é mais thriller psicológico galopante e drama fraturante do que terror. Apesar de ser vagaroso no seu desenvolvimento narrativo ao longo de apenas 100 minutos, é capaz de colocar perguntas tenebrosas e providenciar respostas ainda mais desconcertantes.
Tudo começa com Stine e Teit, um casal de intelectuais que decide abandonar Copenhaga, por um ano, juntamente com o seu pequeno filho Nemo, para um ano de idílica reflexão nos bosques. Stine e o seu marido Teit tiveram problemas no passado, de infidelidade e outras inseguranças, mas é durante o seu ano sabático da civilização que procuram remendar a relação.
A sua solução é uma bem contemporânea. Começar um podcast de casal, onde irão escrutinar e reparar a sua relação e dinâmica pessoal. As cassetes serão enviadas por correio e o contacto com tecnologia ou telemóveis será limitado ao mínimo imprescindível. Stine e Teit, sempre pouco empáticos para o público (como a realizadora Karoline Lyngbye revelou ser intencional ao agradecer o prémio durante a cerimónia de encerramento), dão palmadinhas nas suas costas por tomarem iniciativa e partirem à descoberta.
SUPERPOSITION E O PRINCÍPIO DA SUPERPOSIÇÃO
Todavia, não demora muito até o seu refúgio florestal começar a ser perturbado. Stine e Teit têm pouca paciência e atenção ao seu filho, e eis que tudo muda quando, depois de um passeio, Stine perde Nemo na floresta. Ao encontrá-lo, a criança não pára de insistir que Stine não é a sua mãe. Em busca de respostas do outro lado do lago, onde viram de relance outros forasteiros, Stine e Teit vêem-se confrontados com o princípio da “superposição“, oriundo da Física Quântica e que nos aponta para dois fenómenos distintos (mas muito idênticos), que podem coexistir como parte do mesmo evento.
Esta narrativa, uma vez mais, bastante cerebral, aplica um princípio de Física Quântica à vida real e, pelo caminho, provoca uma crise existencial profunda, questiona a moralidade dos sujeitos protagonistas até ao limite e deixa-nos na dúvida em relação a vários dos seus elementos.
É difícil falar deste “Superposition”, co-escrito e realizado por Karoline Lyngbye, sem entrar por spoilers que possam revelar em demasia algumas das mais pertinentes reviravoltas narrativas. Aqui, a criação de tensão é hábil e a revelação do seu enredo extremo é muito importante para manter o interesse de quem vê.
Todavia, podemos dizer que esta história, algo pervertida, algo freudiana e algo difícil de ver, provoca a reflexão como provavelmente nenhuma outra na competição europeia deste ano, sendo assim evidente o porquê de ter saído premiada. A obra divide-nos, fratura-nos, tal qual as personagens. O próprio facto dos protagonistas serem tão pouco amistosos aumenta o nosso desconforto e a nossa incapacidade de empatia. Tal não é um problema, nada no ecrã nos exige essa empatia.
O interessante em “Superposition” é que podemos utilizar esta longa como rampa de lançamento para as nossas próprias reflexões pessoais, sem necessidade de julgar ou apoiar as acções das personagens centrais. Algo é certo: esta história tem o potencial de não ser esquecida tão depressa.
E se tivéssemos algo a criticar, seria talvez o tom melodramático que as discussões entre o nossos casal central chegam a atingir. Essas não levaremos connosco.
Um filme corajoso e ancorado em paisagens empolgantes, “Superposition” é (quase) tão negro como o vencedor do ano passado e convida-nos a explorar zonas limite das nossas mentes.
“Superposition” exibe hoje, 18 de setembro, à noite, pelas 21h10, no Cinema São Jorge, por ocasião da sessão especial de vencedores!
TRAILER | SUPERPOSITION NO FESTIVAL DE SEATTLE
Superposition, em análise
Movie title: Superposition
Movie description: O casal de intelectuais, Stine e Teit, trocam Copenhaga e os confortos da vida urbana com o seu filho, Nemo, por um refúgio sustentável numa floresta Sueca. A sua esperança é reacenderem a chama no seu casamento e redescobrirem-se como indivíduos, enquanto documentam o seu novo lifestyle num podcast. Mas, um dia, Nemo desaparece na floresta e quando Stine o reencontra, a criança, assustada, insiste que ela não é a sua mãe.
Date published: 18 de September de 2023
Country: Dinamarca
Duration: 100'
Author: Karoline Lyngbye, Mikkel Bak Sørensen
Director(s): Karoline Lyngbye
Actor(s): Marie Bach Hansen, Mikkel Boe Følsgaard
Genre: Drama, Thriller, Ficção Científica
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Maggie Silva - 80
CONCLUSÃO
“Superposition” não é um filme que queiramos ver uma e outra vez (e isso não é, neste caso, algo mau). Hábil na exploração da fealdade humana, da não admissão de culpa aos instintos egoístas que gostaríamos de suprimir, é sempre desconfortável ver esta longa-metragem. Por norma, é também estimulante.