"Roma" / "Moonlight" / "Parasitas" © NOS Audiovisuais

Óscares da Academia | O que significam as novas regras de inclusão?

Os Óscares da Academia revelaram novas regras e padrões de representatividade para os nomeados ao Óscar de Melhor Filme. 

Hollywood acordou diferente. A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas apresentou novas regras que começarão a ser respeitadas “à letra” a partir de 2024 e que dizem respeito a uma maior representatividade dos seus nomeados. Esta deverá refletir, sobretudo, nos filmes na corrida à estatueta dourada de Melhor Filme, quer seja à frente como atrás das câmaras.

Mas que regras são essas? Porque foram adoptadas? Serão símbolo da necessária mudança da indústria para um mundo profissionalmente mais diversificado ou poderão ser uma forma de reprimir os artistas e a qualidade do seu trabalho? Conhece tudo ao longo deste artigo tão especial que a Magazine.HD criou para ti.

Parasitas
Parasitas, o mais recente vencedor do Óscar de Melhor Filme teve um elenco completamente asiático © Alambique

Comecemos com as afirmações de David Rubin, presidente da Academia, e da respetiva CEO da instituição Dawn Hudson:

A abertura deve ser ampliada para refletir a nossa população global diversificada, tanto na criação de filmes quanto no público que se conecta com eles. A Academia está empenhada em desempenhar um papel vital de forma a ajudar a tornar isso uma realidade. Acreditamos que estes padrões de inclusão serão catalisadores para uma mudança essencial e duradoura no nosso setor.

As novas regras apresentadas ficaram a cargo dos artistas DeVon Franklin e Jim Gianopulos, pertencentes à administração da Academia de Hollywood, e que as desenvolveram com base nos padrões de diversidade da British Film Institute (BFI), que são utilizados para qualificar os projetos de financiamento no Reino Unido e até em algumas categorias dos prémios BAFTA, entregues pela Academia Britânica de Cinema e Televisão. Além disso, o intenso desenvolvimento destas regras foi especificamente consultado junto da administração dos Producers Guild of America (PGA), o sindicato de produtores, cuja grande maioria são igualmente votantes na categoria de Melhor Filme dos Óscares.

Enquanto que a 94ª e a 95ª edições dos Óscares, agendadas para os anos de 2022 e 2023, não serão alvo de análise minuciosa, o mesmo não acontecerá a partir da edição 96ª, a de 2024, que deverá seguir um duas a quatro das regras elencadas abaixo para que seja elegível.

Segue agora as setas para conheceres os novos critérios de representatividade da Academia e o nosso comentário. 




Quais são as novas regras de inclusão da Academia de Hollywood?

São vários os novos critérios de inclusão da Academia. Curiosamente são estabelecidos num ano em que provavelmente que mais celebrou a diversidade em todas as categorias, com óbvio destaque para o vencedor do Óscar de Melhor Filme, entregue pela primeira vez a uma produção de língua não inglesa: “Parasitas“. Se estiveste atento ao nosso Post-Mortem deste ano, saberás muito bem todas as barreiras derrubadas no decurso de cerimónia dos Óscares de 2020.

Óscares 2020
Óscares 2020 | “Parasitas” foi o grande vencedor e garantiu a aceitação da Academia face aos projetos estrangeiros.

Critério A: Representação no Ecrã, Temas e Narrativas

Para que este primeiro critério seja respeitado deverão ser obedecidos os seguintes pontos:

A1. Interpretações principais ou secundárias significativas

Pelo menos um dos atores principais ou secundários deverá fazer parte de um grupo racial ou étnico pouco representado:

  • Asiático;
  • Hispânico/Latino;
  • Negro/Afro-americano;
  • Indígena/Nativo Americano/Nativos do Alaska;
  • Oriental/Norte Africano;
  • Nativo Havaiano ou de outras ilhas do Pacífico;
  • Qualquer outra raça ou grupo técnico sub-representado.

A2. Elenco

Pelo menos 30% de todos os atores em papéis secundários e extra são de pelo menos dois dos seguintes grupos sub-representados:

  • Mulheres;
  • Grupos Étnicos ou Raciais;
  • LGBTQ+;
  • Pessoas com deficiências cognitivas ou físicas, ou surdas ou com deficiência auditiva.

A3. Enredo Principal ou Temáticas

O(s) enredo(s) principal(is), tema(s) ou narrativa(s) do filme deverão estar centrados num ou mais grupo sub-representados.

  • Mulheres;
  • Grupos Étnicos ou Raciais;
  • LGBTQ+;
  • Pessoas com deficiências cognitivas ou físicas, ou surdas ou com deficiência auditiva.

Critério B: Liderança Criativa

Para que este critério possa ser atingido dever ser respeitado um dos pontos abaixo:

B1: Chefes de Departamentos criativos

Pelo menos dois dos seguintes cargos de liderança criativa e chefes de departamento – Diretor de Elenco, Diretor de Fotografia, Compositor, Figurinista, Realizador, Editor, Cabeleireiro, Maquilhador, Produtor, Designer de Produção, Decorador de Set, Responsável de Som, Som, Supervisor de Efeitos Visuais, Argumentista – deverão ser dos seguintes grupos:

  • Mulheres;
  • Grupos Étnicos ou Raciais;
  • LGBTQ+;
  • Pessoas com deficiências cognitivas ou físicas, ou surdas ou com deficiência auditiva.

Pelo menos um desses grupos deverão pertencer ao seguinte grupo racial ou étnico sub-representado:

  • Asiático;
  • Hispânico/Latino;
  • Negro/Afro-americano;
  • Indígena/Nativo Americano/Nativos do Alaska;
  • Oriental/Norte Africano;
  • Nativo Havaiano ou de outras ilhas do Pacífico;
  • Qualquer outra raça ou grupo técnico sub-representado.

B2. Outros cargos importantes

Pelo menos seis de outros cargos técnicos (excluindo Assistentes de Produção) deverão ser de um grupo racial ou étnico sub-representado.

B3. Restante equipa técnica

Pelo menos 30% da restante equipa do filme deverá ser de um dos seguintes grupos sub-representados:

  • Mulheres;
  • Grupos Étnicos ou Raciais;
  • LGBTQ+;
  • Pessoas com deficiências cognitivas ou físicas, ou surdas ou com deficiência auditiva.

Critério C: Acesso e oportunidades na indústria

Para alcançar este critério 3 os filmes deverão respeitar ambos os pontos:

C1. Aprendizagem remunerada e oportunidades de estágio

A distribuidora ou financiadora do filme deverá pagar aprendizagens ou estágios que são dos seguintes grupos sub-representados e atendem aos critérios abaixo:

  • Mulheres;
  • Grupos Étnicos ou Raciais;
  • LGBTQ+;
  • Pessoas com deficiências cognitivas ou físicas, ou surdas ou com deficiência auditiva.

Os principais estúdios / distribuidoras são obrigados a ter aprendizes / estágios pagos contínuos e substantivos, incluindo a grupos sub-representados (assim como grupos raciais ou étnicos) na maioria dos seguintes departamentos: produção / desenvolvimento, produção, pós-produção, música, efeitos visuais, compras e negócios, distribuição, marketing e publicidade.

Os estúdios mais pequenos / distribuidores independentes devem ter um mínimo de dois aprendizes / estagiários dos grupos sub-representados acima indicados (assim como grupo racial ou étnico sub-representado) em pelo menos um dos seguintes departamentos: produção / desenvolvimento, produção, pós-produção, música, efeitos visuais, compras e negócios, distribuição, marketing e publicidade.

C2. Oportunidades de emprego ao nível da equipa técnica

A empresa de produção, distribuição e / ou financiamento do filme deverá oferecer oportunidades de trabalho para o desenvolvimento de habilidades para pessoas dos seguintes grupos sub-representados:

  • Mulheres;
  • Grupos Étnicos ou Raciais;
  • LGBTQ+;
  • Pessoas com deficiências cognitivas ou físicas, ou surdas ou com deficiência auditiva.

Critério D: Desenvolvimento da Audiência

Para atingir este critério D, o filme deve atender aos critérios abaixo:

D1. Representação em marketing, publicidade e distribuição

O estúdio e / ou empresa de cinema tem vários executivos dentro dos seguintes grupos sub-representados (deve incluir indivíduos de grupos raciais ou sub-representados) nas suas equipas de marketing, publicidade e / ou distribuição.

  • Mulheres;
  • Grupos Étnicos ou Raciais: Asiáticos, Hispânicos, Latinos, Negros, Afro-Americanos, Indígenas, Nativos Americanos e Nativos do Alaska, Orientais e Norte Africanos, Nativos Havaianos ou de outras ilhas do Pacífico.
  • LGBTQ+;
  • Pessoas com deficiências cognitivas ou físicas, ou surdas ou com deficiência auditiva.

Todas as categorias, exceto Melhor Filme, serão mantidas de acordo com os requisitos de elegibilidade atuais. Os filmes nas categorias de Melhor Filme de Animação, Melhor Longa-Metragem de Documentário, Melhor Filme Internacional, Melhor Curta-Metragem de Animação e Melhor Curta-Metragem de Imagem Real submetidos a Melhor Filme serão tratados separadamente.

Estiveram estas regras a ser cumpridas pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas nas edições passadas? Conhece o nosso comentário. 




A questão da representatividade nos Óscares

Os novos critérios da Academia anunciados a 9 de setembro de 2020 geraram vários comentários agressivos e um pouco inconvenientes pelas redes sociais, entre as quais, Facebook e Instagram. Muitos afirmaram que estas “novas regras” limitarão a visão artística dos cineastas e autores e serão regras forçadas, já criticadas publicamente por algumas personalidades a começar pela atriz Kirstie Alley, vencedora de Golden Globes, Emmys e nomeada ao prémio SAG.

Outros seguidores da Academia viram com muito bons olhos a adopção destes critérios, que podem finalmente autenticar a instituição como uma entidade mais universal e rigorosa. Estamos obviamente a favor desta segunda ideia. Aliás, estes novos critérios não são muito difíceis de serem seguidos e todos os nomeados para Melhor Filme nas últimas décadas têm seguido estes pontos. Em 2020, foi “Parasitas” que triunfou, em 2019 “Green Book” esteve na corrida com “Roma“, “A Favorita“, “Bohemian Rhapsody” que já seguiam estes critérios, desde logo pelas suas histórias e pelos membros da sua equipa. Quanto a 2018, por exemplo, entre os nomeados contam-se “Chama-me Pelo Teu Nome“, “Lady Bird“, “Três Cartazes à Beira da Estrada” ou “The Post“.

A diversidade esteve tanto à frente como atrás das câmaras e é assim que deve ser. Mesmo nomes entendidos como pesos pesados da indústria como Steven Spielberg, Christopher Nolan, Alfonso Cuarón ou Martin Scorsese, estiveram sempre acompanhados por mulheres nas suas mais recentes nomeações a Melhor Filme. Amy Pascal, Kristie Macosko Krieger, Emma Thomas, Gabriela Rodriguez, Jane Rosenthal e Emma Tillinger Koskoff têm assumido um papel marcante.

Óscares 2019
Rami Malek em “Bohemian Rhapsody” e Mahershala Ali em “Green Book”, o primeiro ator de origem egípcio e o segundo de origem afro-americano ambos vencedores de Óscares em 2019

Curiosamente, na edição dos Óscares de 2015, que teve o carimbo de “Oscars So White” (“Óscares Tão Brancos”) sobretudo pela ausência de afro-americanos ou de indivíduos de grupos étnicos nas nomeações interpretativas, a maioria destes critérios foram respeitados. Desde esse ano que a Academia comprometeu-se em intensificar o número de mulheres e de não brancos presentes entre os seus membros, o que foi atingido até ao ano corrente de 2020, e que promete seguir em desenvolvimento nos anos vindouros. Atualmente, cerca de 45% dos novos membros da Academia são mulheres e 36% são provenientes de minorias étnico-raciais.

Não há como negar o quanto a adopção destes critérios foi bastante influenciada pelos protestos generalizados contra o racismo que surgiram em todo o mundo em resposta à morte de George Floyd, um homem negro brutalmente assassinado por um polícia em Minneapolis.

Seja como for, a Academia é apenas uma entidade representativa da indústria e dos filmes que, por sua vez, deveriam fazer uma leitura dos distintos rostos do mundo e das experiências realistas ou imaginárias que nos aproximam e nos tornam mais humanos. Representatividade, diversidade ou inclusão, independentemente de como lhe queiram chamar, devem ser obrigatórios sim, quer na Academia, quer nos filmes eleitos como em qualquer outro setor profissional. Criaremos mais espaço para as vozes menos escutadas e ambientes profissionais mais saudáveis quando estes valores forem amplamente difundidos.

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