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Pedro Cabeleira e ‘By Flávio’ | Era uma Vez em…Torres Novas.

‘By Flávio’, estreou na Berlinale Shorts 2022 e é um dos filmes favoritos da Competição Nacional de Curtas Metragens do 19º IndieLisboa. No próximo domingo logo veremos. Para já fica aqui a nossa conversa com Pedro Cabeleira, o seu realizador, em fevereiro passado em plena Berlinale.

Pedro Cabeleira, nasceu no Entroncamento, no centro de Portugal, em 1992. Após a a sua licenciatura em realização pela Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa, começou a rodar a sua primeira longa-metragem, Verão Danado’, sem dinheiro, nem orçamento fixo. Após um período de pós-produção de cerca de três anos, o filme estreou e teve uma Menção do Júri do Festival de Locarno em 2017 e circulou por vários festivais internacionais. A curta-metragem ‘Filomena’ a história de uma empregada doméstica que Pedro Cabeleira acompanhou ao longo de um dia, por diferentes espaços em que se cruza com amigos, amante, patrões e desconhecidos, integrou a exposição itinerante ‘Lisbon Acts’ e foi exibida no IndieLisboa 2019. O seu último filme ‘By Flávio’, esteve na Competição Berlin Shorts da Berlinale 2022, em fevereiro passado. Depois de afirmação das curtas-metragens portuguesas nas edições anteriores da Berlinale, esperava-se mais de ‘By Flávio’. O filme até, criou alguma expectativa quanto a mais um possível prémio para Portugal. Mas tal não aconteceu. Independentemente disso, o novo filme do realizador de ‘Verão Danado’ (2019), é uma obra muito inteligente e muito divertida que conta a história de Márcia (Ana Vilaça), uma quase profissional das redes sociais, especialista em conseguir as melhores poses e ângulos para realizar as suas selfies sensuais e perfeitas. O seu filho Flávio (Rodrigo Manaia) ajuda-a também a tirar algumas das suas fotografias na praia em fato-de-banho, em poses excitantes. É assim que Márcia consegue conectar-se com o famoso rapper Da Reel Chullz (Tiago Costa), no Instagram, do qual é uma fã incondicional. Ele convida-a para sair e mesmo que Márcia, não encontre ninguém para cuidar do pequeno Flávio, eles vão encontrar-se num café de um centro comercial de Torres Novas, mas a coisa não corre como o esperado, para ambos. By Flávio é um refrescante retrato de uma mãe solteira que sabe como resolver as coisas à sua maneira e um olhar detalhado sobre um renovado espirito urbano que se vive agora nas cidades do interior de Portugal, que o realizador conhece bem, onde vive, cresceu e assistiu à sua evolução. Lugares que cresceram e que afinal de contas não ficam assim tão longe de Lisboa ou Porto, em todos os sentidos, como poderemos ver no filme. Pedro Cabeleira é  simpático, descontraído, feliz e positivo, com quem facilmente se gosta de conversar.

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Pedro Cabeleira
©José Vieira Mendes

Qual o teu ponto de de partida ou a tua fonte de inspiração para a história de ‘By Flávio’?

Estava a tentar financiamento para a minha segunda longa-metragem, e neste processo decidi fazer um curta para me manter ativo, em tempos de pandemia. O meu ponto de partida para ‘By Flávio’ foi a vontade de fazer um filme com a Ana Vilaça (Márcia) como a protagonista, num papel desafiante para ela, e onde ela fosse também a co-argumentista. Sabia que escrever era um de seus talentos e estava muito interessado em trabalhar com uma actriz, que pudesse ajudar a escrever seu próprio papel. Queria igualmente continuar a trabalhar com Diogo S. Figueira (co-argumentista), com quem já tinha trabalhado no argumento para a minha tal segunda longa-metragem. Uma noite encontramo-nos os três e pensámos no que poderia ser essa curta-metragem com Ana Vilaça, no papel principal. Como sou muito interessado em tecnologia e no mundo digital, apeguei-me a essa imagem que Diogo tinha, de uma mulher na praia cujo filho tirava fotografias repetidamente. Depois tentámos juntar os dois universos da longa-metragem que estava a escrever, com mundo do hip hop português e as gentes da minha região (Ribatejo).  Rapidamente surgiu a ideia de uma mãe solteira (Márcia), que ia ter um encontro num centro comercial do interior de Portugal (Torreshopping) com um rapper famoso (Chullz). O TorreShoping, é o centro comercial de Torres Novas, onde costumava ir muito quando era mais jovem.

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VÊ TRAILER DE ‘BY FLÁVIO’

Fala-me sobre esses dois personagens principais do filme, a Marcia e Chulluz, e onde querias chegar com deles?

Com a Márcia (Ana Vilaça) quis explorar o mundo das redes sociais, a relação que criamos com o nosso próprio corpo e imagem. Como podemos controlar a nossa própria imagem no mundo de hoje? Que tipo de ambições e auto-projeções pode ter uma jovem mãe solteira do interior de Portugal? Com Márcia quis explorar  tudo isso e esse mundo digitalizado, hiper global e os efeitos que isso tem em quem ainda vive próximo a uma realidade rural e conservadora. Com Chullz quis desconstruir um pouco, algumas convenções do rap moderno, principalmente a objetificação feminina, já que para o Chullz, usar o corpo de Márcia num de seus videoclipes seria apenas algo formal e parte da cultura do rap. Para mim sempre foi muito intrigante. Como seria a abordagem de um rapper a uma mulher? Como explicaria ele a ela essa narrativa misógina? Qual seria a reação dela?

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Qual é tua ideia sobre essa cultura dos influenciadores (as) e do impacto dos media sociais?

É a realidade presente e também a do futuro. Estamos  a caminho de alcançar cada vez mais perfeição na auto-representação. Os influenciadores são agora as novas celebridades, mesmo as celebridades nos media sociais, de alguma forma acabam por se tornarem influenciadores. Agora é um pouco mais democrático ficar famoso, já que quase toda a gente consegue esse status com o Instagram. E não importa se és um actor ou músico famoso, ou um empregado de um shopping. A parte mais divertida da cultura do influenciador é que podes tornar-te realmente popular, dependendo apenas de quão carismático as outras pessoas pensam que és. Podes, literalmente, fazer apenas as coisas básicas do mundo, do dia a dia e tornares-te tão famoso como uma estrela da pop. Tipo, mesmo coisas como comer, conduzir, estar em casa, andar na rua ou estar na praia. Podes só fazer este tipo de coisas e seres famoso. Para mim é fascinante, porque agora todos nós, que estamos conectados a esse mundo digital moderno, fazemos um pequeno esforço para retratar nossa vida quotidiana. A verdade é que alguns de nós fazem um pequeno esforço, mas há outros que fazem um grande esforço, para dar essa impressão de uma vida moderna e perfeita, com boa comida, ótimos sorrisos, emoções transparentes, passear o cão, crianças bonitas, ser feliz com dias ensolarados e desolado quando chove. Parece, que todos estamos a perseguir inconscientemente essa ideia maluca de popularidade que o Instagram dá acesso de uma forma tão imediata. Mas para mim ‘By Flávio’ fala também um pouco sobre nossa condição como humanos e sobre esse grande dilema – todos temos medo de ficar sozinhos, mas também temos medo de nos conectar uns com os outros. O mundo digital tornou isso mais fácil: podemos conectar-nos a alguém com apenas um clique e, na cultura do influenciador, isso é essencial. Clicas no botão e logo a seguir, tens acesso imediato à vida de alguém tão íntimo quanto a vida de um dos teus amigos ou familiares. Mas isto é apenas só o começo, se nos nossos dias temos influenciadores, no futuro serão avatares.

Pedro Cabeleira
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Como foram as filmagens durante a pandemia e trabalhares com esse elenco?

Filmar durante a pandemia, foi um grande desafio, mas também foi ótimo para descobrir novas ideias. Quando filmas numa realidade tão distópica estás sempre a encontrar coisas novas. E através do olho das lentes, certamente, essas coisas tornam-se ainda mais novas. Claro que havia sempre aquela tensão de alguém de repente testar positivo para Covid-19. Prefiro não filmar muitas cenas por dia e por isso tivemos que ficar duas semanas a filmar de máscara num shopping em funcionamento. Felizmente não aconteceu nada, e conseguimos filmar tudo sem interrupções. Uma das coisas que, para mim, foi estranho foi filmar com as máscaras. Atrasei as filmagens um ano, porque esperava que a pandemia terminasse em 2020 e não fossem precisas as máscaras. Mas 2020 estava a terminar e percebi que seria impossível adiar novamente: a pandemia tinha vindo para ficar, e não podia adiar o filme indefinidamente. Então tive que adaptar o filme ao contexto real, e quando comecei a filmar com máscaras, pronto, habituei-me. Talvez porque fosse algo novo. É incrível quando filmas alguém com máscara a tua atenção vai imediatamente para os seus olhos. E isso foi até uma questão importante no casting. A Ana (Márcia) e Tiago Costa (Chullz) já estavam escolhidos desde o início do projeto. Mas Rodrigo Manaia (Flávio) não estava. Quando ele entrou na sala de casting com a máscara, senti de imediato que ele seria o Flávio. Os olhos dele diziam tanto e o olhar era tão poderoso que tive logo a certeza que aguentaria um filme inteiro com o Rodrigo usando máscara. Trabalhar com este elenco foi ótimo, trabalhei com muita improvisação, e todos eles estão muito bem. Há muito deles nos personagens e isso tornou tudo muito mais fácil.

Ana Vilaça
Ana Vilaça é Marcia a protagonista do filme. | ©José Vieira Mendes

Qual é o teu momento favorito no filme? 

O meu momento favorito do filme é quando a Márcia se olha no espelho, na casa de banho do TorreShopping e o Flávio está à espera do lado de fora, no corredor. Por que me sinto tão particularmente conectado com esse momento? Confesso que não sei. Não é um momento muito importante, em termos de argumento (ou assim pensei quando o estávamos a escrever), mas quando comecei a filmar, não sei porquê, desenvolvi uma afinidade especial, com essas imagens. Descobri, que havia algum tipo de verdade profunda nos personagens, durante aquele momento, que é bastante difícil de  expressar em palavras.

Que reacção esperas dos espectadores ao verem o ‘By Flávio’?

Acima de tudo, quero que as pessoas que assistem ao meu filme e tenham uma nova sensação ao ver o mundo imaterial representado. Para mim, é muito importante que as pessoas possam desligar-se das suas percepções comuns, sobre o mundo digital, e ao vê-lo retratado no filme, poderão achá-lo estranho, quase como algo da ficção científica. Uma das coisas mais óbvias, que também quero,  é  verem quanto é absurda e não uma coisa boa essa ‘objetificação da mulher’ na indústria do rap (e também em outras indústrias, da música à publicidade). Acredito que realmente precisamos mudar a forma como o corpo da mulher é retratado ou representado, e espero que o filme faça as pessoas pensarem sobre isso. Finalmente quero que as pessoas gostem da história, se relacionem com os personagens, sintam as suas emoções, ou novas emoções, e estejam imersas no universo do filme.

Pedro Cabeleira
©José Vieira Mendes

E que tal foi voltares ao formato das curtas-metragens?

Realmente gosto dessa ideia de ver as curtas-metragens, como uma espécie de conto, onde podes ter um certo vislumbre desses pequenos momentos na vida das pessoas. Não sabes muito sobre eles, de onde vieram ou para onde vão, mas tens o privilégio de testemunhar esse momento tão especial das suas vidas. Além disso,  o formato curta dá-nos a liberdade de assumir mais riscos, desafiar os limites da narrativa e da linguagem cinematográfica.

JVM

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