Retrato de May el-Toukhy © Soeren-Roenholt / Alambique

Rainha de Copas | Entrevista à cineasta May el-Toukhy

May el-Toukhy, realizadora e co-argumentista “Rainha de Copas” falou com a MHD sobre o seu filme selecionado para os Óscares 2020. 

Rainha de Copas” foi a escolha da Academia de Cinema da Dinamarca para concorrer ao Óscar de Melhor Filme Internacional na edição de 2020, mas acabou por ser não nomeado. A obra é sobre a provocante relação amorosa entre uma mulher madura e o seu enteado, um jovem menor de 17 anos. Só o contexto, justifica de alguma forma a ausência do filme nas premiações norte-americanas de cinema. Afinal, este é um filme que parece reverter os ideais dos movimentos feministas Time’s Up e #MeToo, relacionados com os escândalos dos abusos  e assédios sexuais e morais que envolveram estrelas de Hollywood.

Mesmo assim, e em muito pela sua elegância hitchcockiana, “Rainha de Copas” conseguiu arrecadar o Prémio do Público na Competição Internacional do Festival de Sundance, no início de 2019, além de ter conseguido uma nomeação para os European Film Awards para Trine Dyrholm que oferece uma das interpretações mais intensas da sua carreira.

May el-Toukhy
© Rolf Konow / Alambique

Pois bem, para celebrar a estreia portuguesa do filme – que aconteceu no âmbito da iniciativa Bold x6 – , falamos com a cineasta egipcio-dinamarquesa May el-Toukhy que não só revelou o que a levou a escrever e a realizar um filme como “Rainha de Copas”, mas também todo o processo de criação desta produção, que envolveu algumas das cenas realmente mais apimentadas que veremos ao longo deste ano cinematográfico.

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May el-Toukhy nasceu em 1977, tendo sido criada num bairro de Copenhaga com a sua mãe dinamarquesa e o seu pai egípcio. A sua longa paixão pelo cinema ganhou força em 2009, com a sua formação na Escola Dinamarquesa de Cinema. O seu primeiro filme “A Long Short Story” estreou em 2015 e tratava-se de uma comédia, também com Trine Dyrholm no elenco. Desta vez, a cineasta e a atriz voltam a reencontrar-se para um filme que nada tem de cómico ou anedótico, sobre a destruição de uma família e a forma como os seus segredos vão sendo expostos.

Trine Dyrholm interpreta uma mulher que aparentemente controla a sua vida, mas que acaba por transformar-se também ela numa vítima do seu próprio desejo sexual. E desta maneira, May el-Toukhy consegue iniciar a discussão sobre os relacionamentos entre mulheres mais velhas e homens mais novos. Não obstante, “Rainha de Copas” não é somente um filme com imagens de sexo, é também uma obra sobre estruturas de poder e sobre as mentes daqueles sujeitos que se sentem superiores aos demais.

Segue agora com a entrevista a May el-Toukhy e quando termines aproveita para ler a nossa crítica a “Rainha de Copas”!

MHD: Como surgiu a ideia para “Rainha de Copas”? De que forma poderá ser Anne semelhante à Rainha de Copas, de “Alice no País das Maravilhas”?

May el-Toukhy: Sou fascinada por segredos familiares porque a maioria das famílias têm pelo menos um. Queria criar um filme sobre o nascimento de um segredo de família e investigar que componentes são precisos para que um segredo de família perdure. Além disso, estava interessada em examinar as estruturas de poder dentro de uma família – um micro cosmos.

Queria construir um filme sobre a responsabilidade que advém de uma posição de poder e explorar os passos de intitulamento que podem resultar de se ser poderoso.

May el-Toukhy
Retrato de May el-Toukhy © Soeren-Roenholt / Alambique

MHD: O casting em filmes em que pré-adultos e adolescentes se apaixonam por pessoas mais velhas resulta ser sempre complexo e, muitas vezes, polémico. Como escolheu o Gustav Lindh, um jovem ator pouco conhecido, e a Trine Dyrholm, das mais conceituadas atrizes dinamarquesas?

May el-Toukhy: Encontrar o ator certo para interpretar o papel de Gustav foi um processo complexo. E tivemos atores muito jovens a vir e a ler o papel nesse processo. O meu objetivo era o de encontrar alguém que tivesse formação na arte da interpretação, alguém que tivesse tido aulas de interpretação ou que tivesse uma educação em interpretação, e também alguém com alguma experiência de vida – mas que tivesse uma aparência muito jovem.

Não queria encontrar-me numa situação onde acabasse a violar um jovem sem educação formal – enquanto criava um filme precisamente sobre isso. Encontrar o jovem certo não foi tarefa fácil. Mas quando o Gustav Lindh entrou, ele mostrou-nos que tinha o que era preciso e, para além disso, não ficou intimidado por ter de encarar a Trine Dyrholm, e isso fez-me ter a certeza de que ele era perfeito para interpretar o papel.

MHD:As filmagens de “Rainha de Copas” foram desafiantes para toda a equipa?

May el-Toukhy: Nós fizemos vários planos-sequência, e isso foi incrivelmente desafiante tanto para a equipa técnica quanto para os atores, porque exigem muita preparação e muita concentração durante as filmagens. Depois, trabalhar com crianças também é um desafio. As gémeas do filme tinham 10 anos na altura das filmagens e trabalhar com elas foi tanto divertido quanto exigente.

Porque tens de cuidar e de brincar com atores infantis para que eles se soltem e estejam presentes nas cenas. Enquanto realizador tens de ser uma mãe, uma professora e uma psicóloga quando trabalhas com crianças, essa é a minha experiência.

Queen of Hearts
Trine Dyrholm e Magnus Krepper em “Rainha de Copas” (2019) © Rolf Konow / Alambique

MHD: 5. A certo momento no filme Anne contempla o seu corpo ao espelho, percebendo que envelheceu… Por que motivo alguns cineastas ainda têm medo de filmar o corpo da mulher mais velha?

May el-Toukhy: Não acredito que os cineastas ainda tenham medo – mas acho que há uma hesitação em mostrar as coisas como elas são. E acho que o corpo natural se tornou antinatural de ver, porque raramente o vemos no mundo da ficção. Enquanto estava em tour com o filme, dei muitas entrevistas sobre essa cena específica. As pessoas perguntavam-me se tinha usado CGI ou VFX para fazer com que o corpo dela parecesse natural. Porque não estamos habituados a ver a progressão natural da idade no mundo do cinema.

MHD: “Rainha de Copas” poderia ter sido produzido nos Estados Unidos, onde filmes com a mulher é a acusadora seriam certamente julgadas pelos Movimentos Time’s Up e #MeToo?

May el-Toukhy: Acredito que este filme pudesse ter sido feito nos Estados Unidos da América – mas teria sido menos gráfico claro. Durante a tour do filme nos Estados Unidos, nunca senti que fosse visto como anti Times Up ou #MeToo. Porque a maioria das pessoas progressistas sabem que o movimento nada tem a ver com género, mas sim com poder. E o poder não se baseia no género, ainda que estatisticamente os homens sejam obviamente mais poderosos do que as mulheres.

May el-Toukhy
Trine Dyrholm © Alambique

MHD: O que tem a dizer sobre a própria indústria cinematográfica dinamarquesa? Esta é também dominado por homens, como a norte-americana, ou acredita há mais espaço para as mulheres enquanto realizadores, argumentistas, produtoras ou mesmo como atrizes em papéis principais?

May el-Toukhy: Sim, a indústria cinematográfica na Dinamarca é também predominantemente masculina em diversas áreas, mas existe um grande foco e um grande esforço para que isso mude. Temos algumas realizadoras fortes e de sucesso e acredito que a representação seja a chave de toda a discussão. Se uma jovem crescer num mundo onde vê que as mulheres podem ser realizadoras – e se ela sonhar com o impossível – ela pode ser o primeiro passo para mudar as estatísticas.

MHD: Que realizadoras e filmes a têm inspirado como cineasta e que encontramos, em particular, “Rainha de Copas”?

May el-Toukhy: Quando era mais nova olhava muito para a Susanne Bier e por causa dela, e de outras mulheres na indústria, sonhei tornar-me uma realizadora. Também sou grande fã da Lynne Ramsay e da Andrea Arnold. Vejo tudo o que fazem. Quanto à inspiração para “Dronningen”, fui bastante inspirada pelas Tragédias Gregas. “O Mito de Fedra” sendo uma delas.

Podes assistir a “Rainha de Copas” na plataforma de streaming da FILMIN Portugal ou no videoclube da tua TV. Clica aqui!

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