História dos Óscares | Kramer vs. Apocalypse Now vs. All That Jazz
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“Kramer Contra Kramer” ganhou o Óscar de Melhor Filme há 40 anos, mas entre cinéfilos é ainda uma vitória polémica na história dos Óscares.
“Broadway Melody” (1929), “O Grande Ziegfeld” (1936), “O Maior Espectáculo do Mundo” (1952), “A Volta ao Mundo em Oitenta Dias” (1956), “Crash – Colisão” (2004) ou “Green Book – Um Guia para a Vida” (2018) são apenas alguns dos filmes muitas vezes encontrados em listas dos piores, ou pelo menos dos mais polémicos vencedores do Óscar de Melhor Filme.
Outro filme habitualmente elencado por cinéfilos como um vencedor controverso na história dos Óscares tem sido “Kramer Contra Kramer“. Passados 40 anos desde o seu triunfo a 14 de abril de 1980, na 52ª cerimónia dos Prémios da Academia, repensamos as razões que levaram à aclamação deste melodrama doméstico e a sua batalha contra os títulos pesados de “Apocalypse Now”, épico de guerra de Francis Ford Coppola e “All That Jazz – O Espectáculo Vai Começar”, a obra mais autobiográfica da cinematografia de Bob Fosse.
Abaixo, poderás assistir à entrega do Óscar de Melhor Realizador a Robert Benton (apresentado por Goldie Hawn e Steven Spielberg), e à entrega do Óscar de Melhor Filme a Stanley R. Jaffe, o produtor de “Kramer Contra Kramer” (apresentado por Charlton Heston). Advertimos aos mais sensíveis que não existem gritos de euforia e surpresa como aconteceu na edição dos Óscares desde ano na qual “Parasitas” saiu vencedor.
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“Kramer Contra Kramer” vence o Óscar de Melhor Filme
Além dos galardões de Melhor Filme e Melhor Realizador, “Kramer Contra Kramer” arrecadou ainda o Óscar de Melhor Argumento Adaptado – escrito por Robert Benton a partir do romance de Avery Corman -, o Óscar de Melhor Ator para Dustin Hoffman (o primeiro da carreira) e o Óscar de Melhor Atriz Secundária para Meryl Streep (também o primeiro para a atriz mais nomeada de sempre). No geral, este drama familiar concorria em 9 categorias (empatado com “”All That Jazz – O Espectáculo Vai Começar”):
- Melhor Filme: produzido por Stanley R. Jaffe
- Melhor Realizador: Robert Benton
- Melhor Argumento Adaptado: Robert Benton
- Melhor Ator Principal: Dustin Hoffman
- Melhor Atriz Secundária: Meryl Streep
- Melhor Atriz Secundária: Jane Alexander
- Melhor Ator Secundário: Justin Henry (com apenas 8 anos, é até ao momento o mais jovem nomeado de sempre em qualquer categoria de interpretação)
- Melhor Fotografia: Nestor Almendros
- Melhor Montagem: Jerry Greenberg
Para quem não o viu, “Kramer Contra Kramer” conta a história de divórcio litigioso de 2 nova-iorquinos, interpretados por Dustin Hoffman e Meryl Streep que teve tanto ou mais sucesso nos seus tempos que “Marriage Story” (Noah Baumbach, 2019) com Scarlett Johansson e Adam Driver, teve nos dias modernos. “Kramer..” segue Ted Kramer (Dustin Hoffman), um homem de negócios que dedica pouco tempo à vida familiar, porém quando a sua mulher Joanna (Meryl Streep) sai de casa e deixa-o com o jovem filho de ambos Billy (Justin Henry), Ted confronta-se com um quotidiano doméstico que nunca tinha vivido. Mas, no momento em que se ajusta à nova realidade, Joanna reaparece para lutar pela custódia de Billy. Ted é um pouco reticente face à reaproximação de mãe e filho, e o combate de Kramer contra Kramer acaba por travar-se em tribunal…
Recheado de momentos de ternura, mas também de tensão familiar, será “Kramer Contra Kramer” um verdadeiro marco na história dos Óscares, tendo em conta a concorrência de “Apocalypse Now” ou “All That Jazz – O Espectáculo Vai Começar”? Analisaremos as questões em torno do box-office da época e a mudança de paradigma neste ano tão peculiar da história de Hollywood.
Segue com as setas para conheceres os principais nomeados e vencedores dos Óscares 1980.
Nomeados e Vencedores dos Óscares 1980
“Kramer Contra Kramer” era um dos grandes favoritos à vitória nos Óscares 1980, pois havia triunfado nos prémios entendidos como seus antecessores: 4 Globos de Ouro incluindo Melhor Filme de Drama, prémio de realização nos DGA e melhor argumento adaptado nos WGA. Estamos numa época na qual a Academia apostava mais pelo seguro, em vez de ser diferente das restantes associações de prémios. Mesmo assim, ninguém esperava que “All That Jazz” – que dividiu acentuadamente o público e os críticos e era visto mais como um dark-horse -, estivesse na corrida ao Óscar de Melhor Filme.
Os outros três nomeados nessa categoria foram “Apocalypse Now”, sobre a Guerra do Vietname – na corrida a 8 nomeações -, “Os Quadro da Vida Airada”, de Peter Yates sobre o amadurecimento de quatro adolescentes – contava com 5 nomeações – e “Norma Rae”, um retrato autêntico sobre uma corajosa trabalhadora têxtil no sul dos EUA – com 4 nomeações. Ausentes na corrida ao Óscar de Melhor Filme de 1980 ficaram “O Síndrome da China”, de James Bridges aclamado em Cannes ou “Manhattan” de Woody Allen, cineasta que dois anos antes tinha triunfado junto da Academia com “Annie Hall”.
Quanto ao grupo de nomeados na categoria de interpretações, vale a pena contextualizarmos. Na corrida ao Óscar de Melhor Ator para além de Dustin Hoffman, tínhamos Roy Scheider, que interpretava o alter-ego de Bob Fosse em “All That Jazz”; Jack Lemmon, como um técnico de uma central nuclear em “O Síndrome da China” (vencedor da Palma de Ouro de Melhor Ator em 1979) ; Al Pacino como advogado destemido em “…E Justiça Para Todos”; e Peter Sellers, um homem marginalizado que desconhece o mundo em seu redor no drama “Bem-Vindo Mr. Chance”.
Para o Óscar de Melhor Ator Secundário, Melvyn Douglas foi o vencedor pela sua interpretação em “Bem-Vindo Mr. Chance”. Contudo o ator não esteve presente na cerimónia, justificando parte da sua ausência, por concorrer contra um jovem de 8 anos, nada mais nada menos que Justin Henry, o miúdo de “Kramer Contra Kramer”. O favorito na categoria até então era Robert Duvall, que interpretava o coronel obcecado com surf em “Apocalypse Now” e também estava na corrida. Os outros dois nomeados foram Frederic Forrest, motorista e amante de Bette Midler em “A Rosa” e Mickey Rooney, o famoso treinador de cavalos do filme “O Cavalo Preto”.
Na corrida ao Óscar de Melhor Atriz além de Sally Field em “Norma Rae” (vencedora da Palma de Ouro de Melhor Atriz em 1979), num filme inspirado na história real de Crystal Lee Sutton, tínhamos Jane Fonda, que já havia ganho duas estatuetas douradas, por “O Síndrome da China”; Jill Clayburgh em “Amar de Novo”; Marsha Mason em “Capítulo Segundo” e Bette Midler, como uma estrela de rock em decadência em “A Rosa”. As candidatas ao Óscar de Melhor Atriz Secundária, entregue a Meryl Streep, foram Jane Alexander, também por “Kramer Contra Kramer”; Barbara Barrie em “Os Quatro da Vida Airada”; Candice Bergen, que interpretava a ex-mulher da personagem de Burt Reynolds em “Amar de Novo”, e Mariel Hemingway, a namorada adolescente da personagem de Woody Allen em “Manhattan”.
Por último, olhamos para o Óscar de Melhor Realizador desta 52ª edição, onde encontramos os americanos Bob Fosse por “All That Jazz”, Francis Ford Coppola por “Apocalypse Now” e Robert Benton “Kramer Contra Kramer” e ainda o britânico Peter Yates por “Os Quatro da Vida Airada” e, por último o francês Edouard Molinaro, realizador da comédia “A Gaiola das Malucas”, na época o filme de língua não inglesa mais lucrativo nos EUA, mas que infelizmente não concorria ao Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, porque não havia sido selecionado pelo seu país. Outros nomeados e os vencedores dos Óscares de 1980 poderás conhecê-los aqui!
Segue com as setas para conheceres com a nossa análise histórica sobre a corrida ao Óscar de Melhor Filme de 1980.
A mudança de paradigma nos Óscares em 1980
“Tubarão” foi o maior êxito de bilheteira de 1975, “Rocky” foi o maior êxito de 1976, “Star Wars” obteve a maior receita de 1977 e, em 1978, foi a vez de “Grease – Brilhantina”. Projetos, na sua grande maioria, com tubarões e aliens feitos a partir robôs, com naves alienígenas criadas a partir de miniaturas e com sequências de efeitos especiais das mais marcantes da sétima arte, posteriormente celebrados pela Academia. A sorte em termos de box-office (termo crescentemente empregue nesta década) e de premiações estava mesmo do lado dos artistas que dominavam as novas ferramentas e técnicas de computação – onde encontramos, por exemplo, Steven Spielberg e George Lucas – e que acabavam por destronar dramas tradicionais sobre desgostos familiares ou amorosos.
Na verdade, também isso aconteceu nos anos vindouros. “Star Wars: O Império Contra Ataca” foi campeão nas bilheteiras em 1980; “Os Salteadores da Arca Perdida” em 1981; “E.T. – O Extraterrestre” em 1982; e “Star Wars: O Regresso do Jedi” em 1983, todos nomeados aos Óscares. Mas sabem qual foi o filme com maior receita de bilheteira em 1979 nos EUA? Terá sido o épico de guerra “Apocalypse Now”, o musical “All That Jazz” ou o filme de terror “Alien: O Oitavo Passageiro”? Inesperadamente, em 1979, o maior êxito foi “Kramer Contra Kramer”,com 106 milhões de dólares ganhos só no seu país de origem. E foi precisamente pelo seu sucesso nas bilheteiras que tudo se transformaria em Hollywood – algo, que como sabemos, acontece de tempos a tempos.
A partir de um orçamento relativamente baixo de 8 milhões de dólares, hoje mais habitual num filme independente, “Kramer…” foi distribuído pela Columbia Pictures (e da sua subsidiária Stanley Jaffe Productions) que, por um lado, aproveitava-se do contexto social e, por outro, das estrelas emergentes da Nova Hollywood para triunfar junto do público e piscar o olho à Academia. Vejamos ao detalhe cada um destes pontos que tornam a vitória de “Kramer Contra Kramer” transformadora na história dos Óscares.
O potencial de “Kramer Contra Kramer” era enorme e permitiu aos espectadores norte-americanos identificarem-se com uma história de redefinição dos papéis familiares.
De facto, há muito que os valores da família nuclear estavam em colapso – uma consequência esperável face ao movimento hippie dos anos 60, mobilizador dos ideais do livre amor -, e que resultaria num aumento da taxa de divórcio norte-americana no decurso da década seguinte. Em 1970, esta era de 3,5 divórcios por cada 1000 americanos, mas em 1979, a taxa ascendia os 5 divórcios por 1000 habitantes num total de 1 193 062 separações nesse ano (os valores mais altos da década!). Acresce que o lançamento de “Kramer Contra Kramer”, obra sobre o divórcio e sobre os novos papéis do homem e da mulher na esfera familiar e no espaço público, acontecia apenas 10 anos desde que o estado californiano havia promulgado a lei para dissolução do casamento que não requereria irregularidades de nenhuma das partes. Nova Iorque, onde a acção do filme se desenrola, foi o último dos estados americanos a permitir o divórcio sem culpa dos cônjuges, através de uma lei só promulgada em 2010.
A guerra dos sexos provocada pela Segunda Onda Feminista estava instaurada e os estúdios de Hollywood, sempre atentos e empenhados em transpor as angústias sociais (e feministas), perceberem que o género do melodrama doméstico poderia voltar à ribalta, agora assente na mudança de normas.
O potencial de “Kramer…” era enorme e permitiu aos espectadores norte-americanos identificarem-se com uma história de redefinição dos papéis familiares, acelerando o debate em torno da quebra do sacramento religioso do matrimónio. Para explicar ainda mais o sucesso de “Kramer Contra Kramer” junto do box-office, poderíamos observar a forma como a Columbia Pictures vendeu o filme aos diferentes grupos de audiências. Por um lado, às famílias nucleares e convencionais e, por outro, aos casais separados com filhos, através dos seus distintos cartazes, dois deles apresentados abaixo:
Por sua vez, os rostos de Hollywood mais atentos a essas mudanças integravam o grupo de artistas que pretendiam maior aclamação. Precisamente 12 anos antes de escrever e realizar “Kramer Contra Kramer” Robert Benton, havia sido um dos argumentistas de “Bonnie & Clyde”, – obra de 1967 tida por muitos como inauguração a nouvelle vague hollywoodesca. Em conjunto com o produtor Stanley R. Jaffe – vice-presidente de produção mundial da Columbia Pictures desde 1977 – apostaram num rosto jovem da cinematografia americana como Meryl Streep e numa vedeta do cinema independente como Dustin Hoffman – célebre pelas participações em filmes anteriormente oscarizados como “A Primeira Noite” (Mike Nichols, 1967), “O Cowboy da Meia-Noite” (John Schlesinger, 1969) ou “Os Homens do Presidente” (Alan J. Pakula, 1976) para interpretarem respetivamente a “nova esposa” – que busca algo além monótonas tarefas domésticas – e um “novo marido” – mais dedicado aos filhos.
A reentrada dos melodramas familiares no cinema de Hollywood foi mesmo gradual, onde encontramos a título de exemplo “A Grande Decisão” (Herbert Ross, 1977) – 11 poderosas nomeações aos Óscares -, ou “Uma Mulher Só (Paul Mazursky, 1978) – 3 nomeações aos Óscares. Mas foi o “Kramer…”, que deu legitimidade e permitiu a eclosão de um novo conjunto de filmes sobre a família (ou a quebra dela), do mesmo modo consagrados pela Academia. Entre o leque, temos dois vencedores do Óscar de Melhor Filme “Gente Vulgar” (Robert Redford, 1980) e “Laços de Ternura” (James L. Brooks, 1983) e alguns nomeados como “A Filha do Mineiro” (Michael Apted, 1980), “A Casa do Lago” (Mark Rydell, 1981), “Amor e Compaixão” (Bruce Beresford, 1983) ou ” Um Lugar no Coração” (1984), este último com o mesmo realizador de “Kramer…” Robert Benton.
Até no presente, a Academia de Hollywood continua a privilegiar esta tradição mais clássica do melodrama. Sempre que há um drama realista com atores e atrizes que a Academia adora – muito deles à la Kramer -, é logo posicionado como possível candidato às estatuetas douradas. O mesmo não acontece com filmes de autor, mais arrojados e reflexivos, que marcam presença nos diferentes festivais ao longo de um ano cinematográfico e que, na maioria dos casos, acabam esquecidos pelas grandes massas de espectadores.
Portanto, “Kramer Contra Kramer” expõe bem um tempo em que se deixava morrer o sonho da Nova Hollywood – que é também o sonho da Nova América – pelo peso da própria ambição de alguns dos seus intervenientes. Dá-se a morte do cinema de autor – que se tornou popular e respeitável junto da Academia nos anos 70 – para o um regresso a um cinema mais convencional, preso à uma simplicidade estética e aos dogmas do sistema de estúdios. Mesmo que hoje, as chances de um drama independente, ou um filme inovador ou um blockbuster ganharem o Óscar de Melhor Filme sejam equiparadas, lá de vez em quando a Academia entrega o principal Óscar à longa-metragem mais vista do ano. A própria ideia fracassada de criar a categoria do Óscar de Melhor Filme Popular, era uma forma da Academia manter-se firme junto de alguns dos seus membros – os magnatas dos grandes estúdios -, e que tomam os pequenos filmes americanos e estrangeiros como ameaça.
Depois de “Kramer…” haveriam que passar quase 20 anos para que o maior êxito de bilheteira do ano (e o maior de todos os tempos até à época) voltasse a ganhar o Óscar de Melhor Filme. Falamos logicamente de “Titanic” (James Cameron, 1997), filme que reúne as proezas técnicas à história de amor proibido entre dois jovens de classes sociais distintas, comum a um certo classicismo melodramático. Coincidência? Talvez sim, talvez não, mas James Cameron aproveitou-se dos efeitos digitais contemporâneos para potencial o seu drama e assim ser aclamado como rei do mundo… mas isso é debate para outro artigo.
Segue com as setas para conheceres com a nossa análise histórica sobre a corrida ao Óscar de Melhor Filme de 1980 e o “azar” de Apocalypse Now e All That Jazz.
Os estranhos casos de Apocalypse Now e All That Jazz
Vários têm sido os grandes filmes e cineastas que se tornam em grandes perdedores da História dos Óscares. No ano passado “Roma” perdeu para o racista “Green Book”, e em 2005 “O Segredo de Brokeback Mountain” perdeu para “Crash – Colisão” (já ninguém se lembra deste). Outros têm sido os casos, como acontece com os dois filmes que vamos refletir agora.
Para terminarmos mais um dos nossos artigos especiais sobre a História dos Óscares, vale a pena entendermos as derrotas de “Apocalypse Now” e “All That Jazz” não só como o fim de uma era em Hollywood de aclamação dos artistas independentes, mas também como algo mais complexo relacionado com todas as questões em torno das obras na altura das suas estreias.
Mesmo que com 8 nomeações e 2 vitórias – nas categorias de Melhor Fotografia e Melhor Som -, a derrota de “Apocalypse Now” estará certamente associada à história do seu making-off. O próprio Francis Ford Coppola, não desmentia que a rodagem fora um pesadelo e o filme era apenas uma bomba à espera de explodir, levando todos os envolvidos aos seus limites físicos, psicológicos, emocionais… Desde logo, conseguir que um estúdio americano financiasse um filme sobre a Guerra do Vietname não foi tarefa fácil. O que filmar? Como filmar? Quem filmar? Até quando? Estas foram as principais perguntas na cabeça de um cineasta que esteve obrigado a hipotecar a sua mansão e os seus bens pessoais para financiar o projeto. Mesmo que muito rico na altura, Francis Coppola tinha inicialmente previsto um orçamento de 12 milhões de dólares, e acabou por ir além dos 31,5 milhões.
Qual a razão para um realizador aclamado e endinheirado como Coppola fazer “Apocalypse Now” o seu próximo projeto? A própria história de “Apocalypse Now” era inspirada numa obra inadaptável, “O Coração das Trevas”, escrita por Joseph Conrad – antes tinha sido ideia fracassada de Orson Welles para levar ao grande ecrã -, e conseguir obter um grande final tardou vários meses. Foram-se acumulando outros problemas e ânsias em efeito “bola de neve”. Filmar no Vietname em plena guerra, embora estivesse nas ideias de Coppola, revelou-se difícil. O projeto acabaria nas Filipinas em que a produção recebeu apoio do presidente local Ferdinando Marcos e a sorte de utilizar os helicópteros do exército para as sequências mais intensas, que lá de vez em quando abandonavam o set para combater os rebeldes.
A par disso, temos a situação caricata com elenco, a começar com Harvey Keitel. Já com três semanas de rodagens, Coppola decidiu substituir Keitel por Martin Sheen para o papel de protagonista. Sheen era um ator em crise consigo mesmo, tal como Dennis Hooper e Sam Bottoms, e atravessava problemas com álcool e drogas (cocaína, anfetaminas, etc.). Já Marlon Brando em vez de aparecer magro e atlético como era pedido para a sua personagem, surgiu no set com mais de 130 quilos, além de ter mentido ao cineasta e nunca ter lido “O Coração das Trevas” como lhe fora pedido. Como estrela que era (ou havia sido), Brando criticou o filme em tudo e mais alguma coisa, mesmo com um salário exorbitante de 3,5 milhões de dólares para 15 minutos no ecrã. Seguiu-se a história com Olga… o furacão. Em maio de 1976, as fortes chuvas torrenciais destruiriam grande parte dos cenário, e as gravações foram paralisadas dois meses. No início de 1977, Martin Sheen teve um ataque cardíaco, estando entre a vida e a morte. Ainda mais, as associações de defesas dos animais criticaram, entre tantas sequências, a do sacrifício do búfalo.
Enfim, estas e outras situações – posteriormente retratadas no documentário “Hearts of Darkness” (1991) realizado pela própria esposa de Coppola, Eleanor – permitiram aos meios de comunicação norte-americanos expor Francis Ford Coppola como um verdadeiro lunático. Muitas foram as piadas e críticas depreciativas nos jornais e televisões dos EUA, de alguma maneira, silenciadas quando “Apocalypse Now” triunfou no Festival de Cannes. Apresentado a 19 de maio de 1979 como “Apocalypse Now (A Work in Progress)”, foi o primeiro filme incompleto a ser apresentado no festival francês. Com uma duração de 139 minutos, a obra foi exibida sem quaisquer créditos, prova do seu estado inacabado. Quase todos se renderam à projeção, o que levaria Coppola a vencer a sua segunda Palma de Ouro – após “O Vigilante” em 1974. Numa vitória em que alguns dos membros dos júris foram persuadidos a votar no filme que acabaria empatado com “O Tambor” ( Volker Schlöndorff, 1979).
Verdade seja dita, por muito que custe aos admiradores da apoteose cinematográfica de Francis Ford Coppola, “Kramer Contra Kramer” beneficiou bastante do facto de, no ano anterior, a Academia ter galardoado outro filme sobre a Guerra do Vietname “O Caçador”, de Michael Cimino. Curiosamente, tanto “Kramer…” como “O Caçador” partilhavam uma estrela, Meryl Streep, nomeada à estatueta dourada de Melhor Atriz Secundária por ambos os filmes. Além disso, Coppola já havia ganho vários Óscares (todos os 5 da sua carreira) ao longo da década de 70 – Melhor Argumento Adaptado por “Patton” em 1971, Melhor Argumento Adaptado por “O Padrinho” em 1973 e Melhor Filme, Melhor Realizador e Melhor Argumento Adaptado por “O Padrinho: Parte II” em 1976. Com “Apocalypse Now” saiu da cerimónia dos Óscares de mãos a abanar, mas pelo menos as nomeações tiraram-lhe grande parte das dores de cabeça… De qualquer forma, como Coppola previu, o filme fez Hollywood tornar-se mais digital, a reinventar-se e a limitar as extravagâncias de muitos autores – relembremos como Martin Scorsese, ainda há pouco tempo, ouviu muitos não’s com a tentativa de produzir “O Irlandês”.
Outro campeão nos Óscares dos anos 70 foi Bob Fosse. Em 1973, no mesmo ano em que Coppola triunfou com “O Padrinho”, Fosse foi eleito o Melhor Realizador por “Cabaret”, um dos filmes mais galardoados de sempre pela Academia. Dois anos depois, novamente a competir com Ford Coppola, foi nomeado a Melhor Realizador por “Lenny”, obra que passou por vários processos de montagem. Contudo, com “All That Jazz” o cineasta daria-nos a conhecer os seus pensamentos mais pessoais e imaculados, numa obra autobiográfica na qual prevê a sua própria morte – aconteceria apenas 8 anos depois, aos seus 60 anos. Vejamos o que nos diz Bob Fosse sobre o filme:
Apesar da sua excelência, “All That Jazz” dividiu as críticas e, ao contrário do que muitos esperavam, este é um musical obscuro em que o protagonista Joe Gideon (Roy Scheider, alter-ego de Fosse) é representado como mulherengo, alcoólico, dependente de drogas e fumador compulsivo à beira de um ataque de nervos. Qualquer outro cineasta preferiria representar um artista mais simpático, mas Bob Fosse preferiu levar-se ao extremo e realizar uma obra a partir das suas imperfeições.
Este é um dos expoente do género musical dos anos 70, um género que naquele momento não estava apenas associado ao seu sentido lisonjeiro e animador como nos anos 30 a 50 e, poderia também ser utilizado para transpor as memórias e sentimentos mais dolorosos das suas personagens. Talvez isso tenha influenciado os membros mais conservadores da Academia, habituados a assistir a musicais mais bem-dispostos. Mesmo como antítese do musical, “All That Jazz” conseguiu ser ainda mais bem sucedido que “Apocalypse Now”, ao vencer 4 Óscares: Melhor Montagem, Melhor Banda-Sonora Adaptada, Melhor Decoração de Arte e Melhor Guarda-Roupa. Poucos meses depois, estrearia na Europa e conquistaria também a Palma de Ouro em Cannes na edição do festival desse ano.
O que “Kramer Contra Kramer” fez graças ao seu êxito junto do público, foi provar que haviam mais histórias que o público queria conhecer, muito além do tema da guerra mais controversa dos EUA, retratada em “Apocalypse Now”, ou dos vícios de um cineasta perturbado, como em “All That Jazz”. A mudança de paradigma aconteceria porque os Óscares deixavam o novo pelo velho, mantendo-se fiéis as suas modas e manias, como em tantas outras vezes sucederia.
O certo é que “Kramer Contra Kramer”, “Apocalypse Now” e “All That Jazz” mudariam o destino de Hollywood, cada um à sua maneira, e nenhum deles jamais seria esquecido.
“Kramer Contra Kramer” e “Apocalypse Now – The Final Cut” estão disponíveis em DVD na FNAC Online. “All That Jazz – O Espectáculo Vai Começar” passa frequentemente na televisão portuguesa, procura o título no motor de busca da tua box.
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