O Último Sonho, de Pedro Almodóvar está em livro
Coincidindo com a estreia nos cinemas do filme ‘Estranha Forma de Vida’, o realizador espanhol Pedro Almodóvar, lançou também recentemente o livro ‘O Último Sonho’, um conjunto de histórias que (diz), nunca passou ao ecrã, mas que nos proporcionam um retrato íntimo e pessoal, de cerca de cinco décadas da sua vida, desde a sua adolescência à actualidade: do que viveu, escreveu e filmou.
Se perguntarmos a um espectador português quem é o realizador espanhol mais conhecido e do qual já viram filmes, dificilmente a resposta não será outra senão Pedro Almodóvar, o autor também deste pequeno livro de contos intitulado, ‘O Último Sonho’. De certo modo é uma certa injustiça, para outros grandes cineastas espanhóis, como Erice, Berlanga, Bardem, Saura, Buñuel. Porém Almodóvar é Almodóvar e não há nada a fazer! Com 74 anos feitos há dias, esta figura icónica da cultura contemporânea ocidental, realizador de cinema, argumentista e produtor espanhol, com mais alcance mundial nas últimas décadas, assinou mais de vinte filmes na sua carreira e portanto largou por instantes a câmara de filmar, para escrever este livro antológico e de certo modo-autobiográfico: ’O Último Sonho’, título aliás, de um dos contos, que na verdade são doze sonhos, que mais parecem realidade.
![O Último Sonho](https://www.magazine-hd.com/apps/wp/wp-content/uploads/2023/10/oultimosonholivro.jpg)
O livro transporta-nos à primeira vista, para a necessidade de se libertar de algumas das suas inquietações da idade e de uma certa ‘melancolia’, aliás demonstradas, nos últimos tempos, também nos seus filmes. A maioria das histórias dos seus filmes mais recentes, falam de descoberta, do despertar criativo, da função do cinema, da memória, da família, do tédio e sobretudo da solidão. ‘Em 1979 criei a Patty Diphusa. Não poderia ter escrito sobre essa personagem antes ou depois do turbilhão dos finais dos anos 1970. Vi-me sentado com a máquina de escrever à frente, fazendo tudo, vivendo e escrevendo a uma velocidade vertiginosa. (…) Neste novo século tornei-me mais sombrio, mais austero e mais melancólico, com menos certezas, mais inseguro e com mais medo, e é aí que acabo por encontrar a minha inspiração. Prova disso, são os filmes que fiz, principalmente nos últimos seis anos’, resume Almodóvar na Introdução ao livro recém-lançado há dias, pela Alfaguara Portugal, com tradução de Helena Pitta.
VÊ APRESENTAÇÃO DA EDIÇÃO ESPAÑOLA DE ‘O ÚLTIMO SONHO’
Este ‘O Último Sonho’, é sem dúvida o seu livro mais pessoal e intimo, pois reúne um conjunto de doze histórias ou contos, que abrangem cerca de cinco décadas da sua vida: desde a sua adolescência, no final dos anos sessenta até aos dias de hoje, histórias que viveu ou observou. Essas histórias refletem as suas obsessões mais íntimas e a sua evolução como artista, os seus anos escolares, a influência da ficção e do cinema na sua vida, o acaso, a sofisticação do seu humor, os inconvenientes da fama, o fascínio pela leitura e a experimentação de vários géneros narrativos. ‘Uma das histórias de ‘O Último Sonho’ [que tem aliás o mesmo titulo do livro] é sobre o meu primeiro dia como órfão. Quis incluir esta breve crónica no livro, porque reconheço que as cinco páginas que a compõem, estão entre as melhores que escrevi. Isto não prova que eu seja um grande escritor. Seria se tivesse conseguido escrever pelo menos duzentas páginas do mesmo calibre. Mas para escrevê-lo foi necessário que a minha mãe morresse’, confessou de novo o realizador, na nota de cinco páginas, que introduz o livro. ‘O Último Sonho’ no fundo, aproximamo-nos do imaginário deste criador único, que fala também da sua solidão como artista, da morte, das alegrias e desilusões que a sua vocação lhe proporcionou. Trata-se de uma biografia sentimental que mistura, a sua transbordante imaginação, com o que viveu, escreveu e filmou.
![O Último Sonho](https://www.magazine-hd.com/apps/wp/wp-content/uploads/2019/09/dor-gloria-almodovar.jpg)
Aliás como quase sempre, nos seus filmes: ’Nunca tive propriamente um diário e, quando tentei escrevê-lo, não passei da segunda página. No entanto, este livro como que implica logo a minha primeira contradição. Na verdade, é o que existe de mais parecido com uma autobiografia fragmentada, incompleta e um pouco críptica. Contudo, creio que o leitor acabará por obter muita informação, sobre mim enquanto cineasta e efabulador (ou escritor), e sobre o modo como a minha vida leva, uma coisa a misturar-se com outras. […] Esta coleção de histórias […] demonstra a relação estreita entre o que escrevo, o que filmo e o que vivo.’ Pedro Almodóvar define desta forma o seu primeiro livro de contos, reunidos em doze narrativas, escritas ao longo de décadas, desde os anos de 1960 até à actualidade. Em todas, encontramos as suas mais íntimas obsessões: os obscuros anos de escola, a celebração do humor, o seu crescimento enquanto artista, as agruras da fama, a influência da ficção na sua própria vida. ‘A prosa de Almodóvar é tão hábil e engenhosa quanto os seus filmes. […] Digamos que é como um Warhol com brilho e, logo, com mais vigor’, numa referência crítica publicada no The Times.
![O Último Sonho](https://www.magazine-hd.com/apps/wp/wp-content/uploads/2023/10/maeducacao-1.jpg)
As histórias de Almodóvar, decorrem nos pátios manchegos da Estremadura espanhola, em colégios dirigidos por padres salesianos (‘A Visita’), lembrando ‘Má Educação’ (2004), nos bares festivos das loucuras da movida madrilena [como por exemplo em ‘Pepi, Luci, Bom e Outras Tipas do Grupo’ (1980)], dando conta de uma ligação profunda, entre a sua vida e obra. Assente em múltiplas camadas possíveis de leitura, ‘O Último Sonho’ é também um excelente compêndio sobre os modos de contar histórias — seja na literatura, seja na escrita de argumentos para cinema — revelando-nos um realizador de cinema, que foi secretamente reunindo, uma excepcional obra literária. Este pode ser ‘O Último Sonho’ de Almodóvar, mas decerto ele e nós vamos continuar a sonhar com o seu cinema.
![Pedro Almodóvar](https://www.magazine-hd.com/apps/wp/wp-content/uploads/2023/10/almodovar.jpg)
Pedro Almodóvar nasceu em Calzada de Calatrava, na Estremadura espanhola, em 1949. Estudou no liceu em Cáceres e aos dezoito anos mudou-se para Madrid. Começou a trabalhar na Telefónica, como administrativo, cargo que ocupou durante doze anos enquanto mergulhava de cabeça na famosa Movida madrilena da altura, nos finais dos anos 70 e depois 80: no cenário musical (as bandas Goliardos, McNamara), no jornalismo (no jornais El País, Diario 16, La Luna), nas histórias de banda desenhada (nas revistas Star, El Víbora, Vibraciones) e na literatura, com a criação da já referida personagem de Patty Diphusa. O seu primeiro filme, ‘Pepi, Luci, Bom e Outras Tipas do Grupo’ (1980), arrecadou 500 mil pesetas, uma fortuna na altura, para um filme feito com poucos meios e quase entre amigos.
![Pedro Almodóvar](https://www.magazine-hd.com/apps/wp/wp-content/uploads/2023/10/patty.jpg)
O reconhecimento para o público em geral vem com ‘O Que Fiz Para Merecer Isto?’ (1984), ‘Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos’ (1988), ‘Ata-me’ (1989), ‘Tudo Sobre a Minha Mãe’ (1999) ou ‘Voltar’ (2006). Estes dois últimos ganharam um Óscar e são dois dos seus filmes de maior sucesso. Almodóvar, na verdade recebeu todos os principais prémios cinematográficos internacionais – dois Óscares, dois Globos de Ouro, um Leão de Ouro, dois prémios no Festival de Cannes e seis Goya. Foi distinguido, em Espanha, com o Prémio Nacional de Cinematografia (1990), a Medalha de Ouro de Mérito em Belas Artes (1998) e o Prémio Príncipe das Astúrias das Artes (2006). Foi ainda agraciado com o doutoramento honoris causa pelas Universidades de Castilla la Mancha (1999), Harvard (2009) e Oxford (2016). Em 1981, publicou a novela ‘Fuego en las entrañas’ e, dez anos mais tarde, o tal volume de crónicas ou memórias de uma estrela internacional (afirma ela) de fotonovelas para adultos, intitulado ‘Patty Diphusa e Outros Textos’ (editado em Portugal pela Quasi Edições, 2017, com tradução de Pedro Tamen).
JVM