Pedro Almodóvar com o seu Leão de Ouro Honorário © RTVE ES

O Último Sonho, de Pedro Almodóvar está em livro

Coincidindo com a estreia nos cinemas do filme ‘Estranha Forma de Vida’, o realizador espanhol Pedro Almodóvar, lançou também recentemente o livro ‘O Último Sonho’, um conjunto de histórias que (diz), nunca passou ao ecrã, mas que nos proporcionam um retrato íntimo e pessoal, de cerca de cinco décadas da sua vida, desde a sua adolescência à actualidade: do que viveu, escreveu e filmou.

Se perguntarmos a um espectador português quem é o realizador espanhol mais conhecido e do qual já viram filmes, dificilmente a resposta não será outra senão Pedro Almodóvar, o autor também deste pequeno livro de contos intitulado, ‘O Último Sonho’. De certo modo é uma certa injustiça, para outros grandes cineastas espanhóis, como Erice, Berlanga, Bardem, Saura, Buñuel. Porém Almodóvar é Almodóvar e não há nada a fazer! Com 74 anos feitos há dias, esta figura icónica da cultura contemporânea ocidental, realizador de cinema, argumentista e produtor espanhol, com mais alcance mundial nas últimas décadas, assinou mais de vinte filmes na sua carreira e portanto largou por instantes a câmara de filmar, para escrever este livro antológico e de certo modo-autobiográfico: ’O Último Sonho’, título aliás, de um dos contos, que na verdade são doze sonhos, que mais parecem realidade.

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O Último Sonho
‘O Último Sonho’, edição Alfaguara Portugal, com tradução de Helena Pitta. © Alfaguara Portugal.

O livro transporta-nos à primeira vista, para a necessidade de se libertar de algumas das suas inquietações da idade e de uma certa ‘melancolia’, aliás demonstradas, nos últimos tempos, também nos seus filmes. A maioria das histórias dos seus filmes mais recentes, falam de descoberta, do despertar criativo, da função do cinema, da memória, da família, do tédio e sobretudo da solidão. ‘Em 1979 criei a Patty Diphusa. Não poderia ter escrito sobre essa personagem antes ou depois do turbilhão dos finais dos anos 1970. Vi-me sentado com a máquina de escrever à frente, fazendo tudo, vivendo e escrevendo a uma velocidade vertiginosa. (…) Neste novo século tornei-me mais sombrio, mais austero e mais melancólico, com menos certezas, mais inseguro e com mais medo, e é aí que acabo por encontrar a minha inspiração. Prova disso, são os filmes que fiz, principalmente nos últimos seis anos’, resume Almodóvar na Introdução ao livro recém-lançado há dias, pela Alfaguara Portugal, com tradução de Helena Pitta.


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VÊ APRESENTAÇÃO DA EDIÇÃO ESPAÑOLA DE ‘O ÚLTIMO SONHO’

Este ‘O Último Sonho’, é sem dúvida o seu livro mais pessoal e intimo, pois reúne um conjunto de doze histórias ou contos, que abrangem cerca de cinco décadas da sua vida: desde a sua adolescência, no final dos anos sessenta até aos dias de hoje, histórias que viveu ou observou. Essas histórias refletem as suas obsessões mais íntimas e a sua evolução como artista, os seus anos escolares, a influência da ficção e do cinema na sua vida, o acaso, a sofisticação do seu humor, os inconvenientes da fama, o fascínio pela leitura e a experimentação de vários géneros narrativos. ‘Uma das histórias de ‘O Último Sonho’ [que tem aliás o mesmo titulo do livro] é sobre o meu primeiro dia como órfão. Quis incluir esta breve crónica no livro, porque reconheço que as cinco páginas que a compõem, estão entre as melhores que escrevi. Isto não prova que eu seja um grande escritor. Seria se tivesse conseguido escrever pelo menos duzentas páginas do mesmo calibre. Mas para escrevê-lo foi necessário que a minha mãe morresse’, confessou de novo o realizador, na nota de cinco páginas, que introduz o livro. ‘O Último Sonho’ no fundo, aproximamo-nos do imaginário deste criador único, que fala também da sua solidão como artista, da morte, das alegrias e desilusões que a sua vocação lhe proporcionou. Trata-se de uma biografia sentimental que mistura, a sua transbordante imaginação, com o que viveu, escreveu e filmou.

O Último Sonho
‘Dor e Glória’, também um dos filmes mais pessoais de Almodóvar © El Deseo

Aliás como quase sempre, nos seus filmes: ’Nunca tive propriamente um diário e, quando tentei escrevê-lo, não passei da segunda página. No entanto, este livro como que implica logo a minha primeira contradição. Na verdade, é o que existe de mais parecido com uma autobiografia fragmentada, incompleta e um pouco críptica. Contudo, creio que o leitor acabará por obter muita informação, sobre mim enquanto cineasta e efabulador (ou escritor), e sobre o modo como a minha vida leva, uma coisa a misturar-se com outras. […] Esta coleção de histórias […] demonstra a relação estreita entre o que escrevo, o que filmo e o que vivo.’ Pedro Almodóvar define desta forma o seu primeiro livro de contos, reunidos em doze narrativas, escritas ao longo de décadas, desde os anos de 1960 até à actualidade. Em todas, encontramos as suas mais íntimas obsessões: os obscuros anos de escola, a celebração do humor, o seu crescimento enquanto artista, as agruras da fama, a influência da ficção na sua própria vida. ‘A prosa de Almodóvar é tão hábil e engenhosa quanto os seus filmes. […] Digamos que é como um Warhol com brilho e, logo, com mais vigor’, numa referência crítica publicada no The Times.

O Último Sonho
‘Má Educação’, uma história passada com padres salesianos é também tema de um  ‘O Último Sonho’. © Filmin

As histórias de Almodóvar, decorrem nos pátios manchegos da Estremadura espanhola, em colégios dirigidos por padres salesianos (‘A Visita’), lembrando ‘Má Educação’ (2004), nos bares festivos das loucuras da movida madrilena [como por exemplo em ‘Pepi, Luci, Bom e Outras Tipas do Grupo’ (1980)], dando conta de uma ligação profunda, entre a sua vida e obra. Assente em múltiplas camadas possíveis de leitura, ‘O Último Sonho’ é também um excelente compêndio sobre os modos de contar histórias — seja na literatura, seja na escrita de argumentos para cinema — revelando-nos um realizador de cinema, que foi secretamente reunindo, uma excepcional obra literária. Este pode ser ‘O Último Sonho’ de Almodóvar, mas decerto ele e nós vamos continuar a sonhar com o seu cinema.


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Pedro Almodóvar
O livro ‘O Último Sonho’ é quase uma retrato auto-biográfico do realizador: o que viveu, escreveu e filmou ©Wook

Pedro Almodóvar nasceu em Calzada de Calatrava, na Estremadura espanhola, em 1949. Estudou no liceu em Cáceres e aos dezoito anos mudou-se para Madrid. Começou a trabalhar na Telefónica, como administrativo, cargo que ocupou durante doze anos enquanto mergulhava de cabeça na famosa Movida madrilena da altura, nos finais dos anos 70 e depois 80: no cenário musical (as bandas Goliardos, McNamara), no jornalismo (no jornais El País, Diario 16, La Luna), nas histórias de banda desenhada (nas revistas Star, El Víbora, Vibraciones) e na literatura, com a criação da já referida personagem de Patty Diphusa. O seu primeiro filme, ‘Pepi, Luci, Bom e Outras Tipas do Grupo’ (1980), arrecadou 500 mil pesetas, uma fortuna na altura, para um filme feito com poucos meios e quase entre amigos.

Pedro Almodóvar
Antes de ‘O Último Sonho’ a Patty Diphusa,  contava em livro as suas memórias de estrela para adultos. ©Quasi Edições

O reconhecimento para o público em geral vem com ‘O Que Fiz Para Merecer Isto?’ (1984), ‘Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos’ (1988), ‘Ata-me’ (1989), ‘Tudo Sobre a Minha Mãe’ (1999) ou ‘Voltar’ (2006). Estes dois últimos ganharam um Óscar e são dois dos seus filmes de maior sucesso. Almodóvar, na verdade recebeu todos os principais prémios cinematográficos internacionais – dois Óscares, dois Globos de Ouro, um Leão de Ouro, dois prémios no Festival de Cannes e seis Goya. Foi distinguido, em Espanha, com o Prémio Nacional de Cinematografia (1990), a Medalha de Ouro de Mérito em Belas Artes (1998) e o Prémio Príncipe das Astúrias das Artes (2006). Foi ainda agraciado com o doutoramento honoris causa pelas Universidades de Castilla la Mancha (1999), Harvard (2009) e Oxford (2016). Em 1981, publicou a novela ‘Fuego en las entrañas’ e, dez anos mais tarde, o tal volume de crónicas ou memórias de uma estrela internacional (afirma ela) de fotonovelas para adultos, intitulado ‘Patty Diphusa e Outros Textos’ (editado em Portugal pela Quasi Edições, 2017, com tradução de Pedro Tamen).

JVM



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