MONSTRA EM CASA | Competição de Curtas 4, em análise
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A MONSTRA EM CASA é uma ambiciosa proposta da MONSTRA – Festival de Animação de Lisboa para conseguir garantir a concretização do Festival durante a crise da Pandemia do COVID-19. O festival regressou através do online a dia 25 de maio e termina hoje, dia 31.
A edição de 2020 da MONSTRA assinalava os 20 anos do evento e deveria ter acontecido entre 18 e 29 de março. A inédita situação de confinamento e isolamento social levou a uma reorganização e assim nasceu a MONSTRA EM CASA, uma selecção online composta por quatro sessões de curtas: internacionais, estudantes, portuguesas e curtíssimas, apresentadas ao longo de 12 sessões, num total de 169 filmes disponibilizados na plataforma Kinow. Em setembro serão exibidas em sala as longas-metragens e o que ficou a faltar da restante programação do certame. Por agora, são já conhecidos os vencedores destas quatro competições iniciais.
Depois de analisadas três sessões de competição de curtas internacionais partimos agora para a quarta. Este novo programa inclui trabalhos de Regina Pessoa, Ami Lindholm, Cesar Díaz Meléndez, Dahee Jeong, Florian Grolig, Delia Hess, Maria Steinmetz & Andrea Martignoni e Michaela Mihalyi & David Štumpf num total de 8 curtas e 1h19 de duração.
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1- “MÃE E LEITE” DE AMI LINDLHOLM (FINLÂNDIA, 2019, 11′)
Mãe e Leite descreve as grandes mudanças psicológicas que surgem com a maternidade. Quando o bebé nasce, a mãe tem que abandonar a vida que conhecia. Uma onda de leite materno inunda tudo à sua volta – a sua casa, trabalho, amigos, relações e até uma noite bem dormida. Uma comédia absurda sobre amamentar e a montanha russa emocional por que passa uma nova mãe.
Esta curta de comédia fantasiosa serve-se de um poderoso símbolo visual para exemplificar as atribulações da amamentação, exacerbando e recorrendo à hipérbole para retratar o pânico das novas mães – não deixando de tornar este conteúdo relacionável para qualquer um que o veja: seja mulher, homem, mãe ou não.
Aqui se apresenta um orgulhoso e imaginativo esforço que pretende eclipsar um taboo instaurado por uma sociedade patriarcal. “Mãe e Leite” é hilariante e pertinente, e há que deixar os parabéns a quem o fez e também a quem o selecionou para esta competição.
Vale ainda a pena recordar que esta curta não deixa esquecida a perspetiva masculina, tornando esta uma experiência partilhada, como não deve deixar de ser.
Classificação: 80/100
2- “TIO TOMÁS, A CONTABIBILIDADE DOS DIAS” DE REGINA PESSOA (PORTUGAL, CANADÁ, FRANÇA, 2019, 13′)
A partir das memórias afectivas e visuais da minha infância.
“Tio Tomás, a Contabilidade dos Dias” é um dos maiores destaques desta MONSTRA EM CASA. Ao fim de contas, Regina Pessoa (“Kali, O Pequeno Vampiro”) é um gigante nome da animação nacional e uma dos poucos cineastas portugueses que vota na Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. Um talento reconhecido internacionalmente, este “Tio Tomás” é uma colaboração entre três países e animado por diversas mãos.
A realizadora encena uma conversa do seu passado, e estabelece um diálogo aberto entre o seu “eu” da infância e o seu peculiar tio Tomás, que tanto amava. O seu tio apaixonado por números, figuras, traços, sem mulher ou filhos e que tinha “todo o tempo do mundo” para pensar sobre o significado da vida. Mais um belíssimo esforço da parte de uma cineasta que não desilude e que aqui regressa ao seu estilo de animação tradicional dominado pelas sombras evocativas do carvão e pelo contraste entre o preto e vermelho.
Sabe-se já que esta obra é uma das grandes vencedoras da MONSTRA EM CASA, tendo vencido em ex-aquo a Competição Nacional de Curtas (Prémio SPA ). Ao ver esta curta é difícil não pensar: quem dera que todos nós tivéssemos a capacidade de Regina para animar as memórias dos nossos ente queridos que já cá não estão.
Classificação: 98/100
3 – “MUEDRA” DE CESAR DÍAZ MELENDEZ (ESPANHA, 2019, 9′)
O ciclo da vida visto de uma perspetiva diferente.
Do animador espanhol Cesar Díaz Melendez, apaixonado pela animação stop motion com areia, marionetas objetos e desenhos 2D, chega-nos “Muedra”. Aqui há uma justaposição entre a imagem real e a animação, com uma bela paisagem árida do deserto como pano de fundo. Esta imagem real animada vai combinar-se com uma curiosa figura criada a partir de plasticina. Trata-se de um pequeno ser vivo que se funde com o eco sistema que integra.
“Muedra” é extremamente conceptual e exemplifica um mundo onde a única constante é a permanente mudança mas também onde, por outro lado, perpetua uma lógica cíclica. Esta interessante e multifacetada abordagem não é para todos, mas porque não dar-lhe uma oportunidade?
Classificação: 80/100
4 – “MOVIMENTOS” DE DAHEE JEONG (COREIA DO SUL, 2019, 10′)
Uma curta animada de 10 minutos, em que o realizador desenhou todos os dias, 2 segundos do filme. Andamos, vemos, trabalhamos, corremos e paramos juntos.
Da realizadora sul-coreana Dahee Jeong chega-nos esta obra exibida na Semana da Crítica de Cannes em 2019. “Movimentos” é uma bela animação maioritariamente criada no registo tradicional, que brinca com a profundidade de campo e com diversas ilusões óticas para manipular a rapidez das imagens que vemos – dividindo os seus 10 minutos em três etapas; standard, aceleração e percepção.
Neste mundo as casas movem-se como se de comboios se tratassem, as árvores têm características antropomórficas e os movimentos corporais recusam seguir uma norma. O riso ganha o poder necessário para inquietar. É ainda irónico e destemido – “Movimentos” concentra em si temáticas sem fim e consegue chegar fazê-lo sem nunca perder a sua identidade própria.
Classificação: 88/100
5 – “AMIGOS” DE FLORIAN GROLIG (ALEMANHA, 2019, 8′)
O ‘pequeno’ é pequeno e o ‘grande’ é definitivamente muito muito grande. São amigos.
“Amigos” é uma pequena peça sobre contrastes e complementaridade. A animação aqui utilizada deixa algo a desejar, o que se torna mais notório ao considerarmos uma seleção de diversas curtas tão ricas em tonalidades e variedade de materiais utilizados.
Já o conceito da curta, esse é claro e nobre e a verdade é que o estilo de animação melhora ligeiramente com a inversão de cores que vê o preto – a certa altura – passar a dominar sobre o branco. Mas será suficiente?
Classificação: 65/100
6 – “CIRCUITO” DE DELIA HESS (SUÍÇA, 2019, 9′)
Os habitantes de um pequeno planeta executam as suas tarefas de forma quase poética, presos num loop interminável. Ignorantes ao facto de que o ecossistema complexo em que vivem requer que todos cumpram os seus deveres.
Esta curta visualmente estimulante assemelha-se a uma bela aguarela e encontra na sua narrativa brevíssimos laivos de ficção científica. Dá vida a um mundo estranho e cativante, mas não será este mundo, onde tudo tem propósito, melhor que o nosso? Ou são estes dois mundos – o nosso e o do filme – afinal marcados pela verosimilhança? Como todas as obras merecedoras da nossa atenção, esta fita presente na MONSTRA EM CASA oferece mais perguntas que respostas.
Classificação: 78/100
7 – “AS MEMÓRIAS DE ALBA” DE MARIA STEINMETZ E ANDREA MARTIGNONI (ITÁLIA, ALEMANHA, 2019, 6′)
Alba relembra como se apaixonou por Pierino, um amigo do seu irmão, no início da década de 1950 em Itália.
Em nome da diversidade, aqui encontramos na MONSTRA EM CASA este pequeno documentário biográfico. A animação surge, em “As Memórias de Alba”, como uma arma poderosa capaz de aceder aos recantos da memória – e que nobre aplicação!
“Memorie Di Alba”, exibido em relevantes festivais como Annecy ou Krakow, entre múltiplos outros, mostra uma vez mais como o cinema evoca a memória como nenhuma outra arte. Esta narrativa documental honra as memórias factuais de um grande amor vivido nos anos 50. Algumas imagens reais estão presentes e a animação preenche tudo o resto.
Classificação: 82/100
8 – “SH_T HAPPENS” DE MICHAELA MIHALYI E DAVID STUMPF (REPÚBLICA CHECA, 2019, 13′)
O desespero coletivo de um zelador exausto com tudo, a sua mulher frustrada e um veado completamente deprimido.
Este “Sh_t Happens”, estreado no Festival de Veneza e exibido em Sundance, é um sonho em tons neon e a primeira coisa a dizer sobre si é que prende pela estética desde os primeiros segundos. A sua acção prende-se com o quotidiano, um invulgar quotidiano, regido pela convivência de inúmeras espécies animais antropomorfizadas e por uma elevada emancipação sexual. Os eventos, esses, são dominados por uma abordagem humorística que em muito contribuiu para a graça desta curta vinda da República Checa.
Classificação: 79/100
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