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Óscares 2022 | O post-mortem que tanto esperavas

Terminou a temporada de prémios. Fechamos mais um capítulo com o nosso comentário post-mortem sobre os vencedores e derrotados dos Óscares 2022.

Foram finalmente entregues os Óscares 2022 que dão por terminada a temporada de prémios 2021/2022. Depois da edição do ano passado com algumas restrições devido à pandemia COVID-19, a edição no Dolby Theatre regressou em grande, para fazer jus à tradição. Neste post-mortem original reuniremos os melhores momentos da 94ª edição dos prémios mais dourados do mundo e vamos ainda comentar que possível futuro poderão ter as estatuetas mais relevantes do universo cinematográfico.

Tal como tem sido o papel da Academia de Hollywood, os Óscares focaram-se muito na inclusão e diversidade. A começar pelas suas anfitriãs, três mulheres: Regina Hall, Wanda Sykes e Amy Schumer. Depois Ariana DeBose, a primeira galardoada da noite, tornou-se na primeira mulher afro-americana queer a arrecadar um prémio de interpretação. Além disso, celebrou-se “CODA”, de Siân Heder que se tornou o primeiro filme de uma plataforma de streaming a vencer o Óscar de Melhor Filme, tratando-se ainda da primeira produção com pessoas surdas no seu elenco a conseguir tal feito. Os Óscares 2022 abriram as portas a novos autores, mas continuam a abraçar a tradição, como veremos ao longo deste texto.

CODA
A talentosa Ruby Rossi (Emilia Jones), a única falante. ©AppleTV+
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O mais curioso é que 8 das categorias dos Óscares não foram exibidas em direto, mas foram gravadas uma hora antes do início da cerimónia. Isso fez com que a transmissão conseguisse ser um pouco mais dinâmica – nem sempre aconteceu da melhor maneira -, mas infelizmente acabámos por conhecer alguns dos vencedores no Twitter. Afinal, a Academia não soube guardar tanto segredo como dizia ser capaz. Quanto ao filme mais premiado desta noite foi “Dune – Duna“, de Denis Villeneuve, com 6 vitórias. Curiosamente, o filme nem sequer estava nomeado a Melhor Realizador, apesar de ser uma mestria em termos de técnica.

Ainda não conheces todos os vencedores da 94ª edição dos Óscares da Academia? Consulta a lista completa de vencedores e prepara-te para o post-mortem mais honesto destes prémios. A análise final à cerimónia dos Óscares e à temporada de prémios pela MHD são da autoria do nosso Coordenador de Cinema Virgílio Jesus. Uma vez que havia de fazer esta análise garantimos-te que foram vistos todos os filmes nomeados e vencedores aos Óscares 2022, assim como acompanhada a cerimónia em direto.

A transmissão dos Óscares 2022 em Portugal foi garantida uma vez mais pela RTP1, numa emissão especial feita pelo crítico de cinema Mário Augusto e pela apresentadora Catarina Furtado desde o Centro Comercial Amoreiras.




O que aconteceu com Will Smith nos Óscares 2022?

King Richard Destaque
King Richard © Cinemundo

Infelizmente começamos com o mais triste, chocante e lamentável episódio visto nesta edição e alguma vez visto nos Óscares da Academia. Na hora em que Chris Rock foi chamado ao palco para entregar o Óscar de Melhor Documentário começou com uma série de piadas a vários dos nomeados em distintas categorias. Chegou o momento de falar de Jada Pinkett Smith e comparou o cabelo da atriz ao de Demi Moore em “G.I. Jane” a dizer que estava pronta para protagonizar uma sequela por ter o cabelo rapado. Jada rapidamente revirou os olhos, mas ninguém conseguia prever o que aí estava por vir.

Will Smith não gostou, subiu ao palco e deu um bofetada na cara de Chris Rock. Sim! Em direto e para todo o mundo – apesar de censurado em alguns países. Seguiu-se um minuto constrangedor e Will Smith ainda gritou para Rock, “Mantém a ***** do nome da minha mulher longe da tua boca” . Chris Rock tentou defender-se, afirmando tratar-se de uma piada, e logo depois continuou com aquilo que estava no argumento da cerimónia.

A piada de Chris Rock foi absolutamente desnecessária e se estava escrita no argumento foi algo de total mau gosto por parte da ABC. Todos sabemos que o casal Pinkett-Smith são mestres de mexericos e gostam lá de vez em quando de comentar a sua vida privada, mas Jada Pinkett Smith sofre de alopecia, uma doença que provoca uma repentina perda de cabelo e isto sendo uma questão séria deve ser tratada com sensibilidade. Poderia ter Will Smith interrompido Chris Rock e utilizado o microfone para impor respeito? Podia e seria mais elegante. Poderia ter Will Smith calado a boca, ter ficado no seu lugar e não ter dito nada? Podia. Mas reagiu. Correu o risco de defender a sua mulher. Afinal, uma mulher careca como Jada Pinkett Smith continua a provar que afinal existem muitos estigmas na sociedade do século XXI, e na sociedade hollywoodesca que tanto diz ser capaz de abraçar a diferença. Chris Rock e Jada Pinkett Smith – que já estiveram juntos na trilogia de animação “Madagáscar” têm uma daquelas velhas brigas de Hollywood, não tendo sido esta a primeira vez que o comediante se mete com a atriz. Bastaria recordar por exemplo o seu discurso de abertura nos Óscares 2016.

Obviamente não vamos prezar o comportamento de Will Smith. A sua violência desproporcional deve ser condenada e esperamos não voltar a ver situações como esta em antena e sobretudo a acontecerem numa cerimónia que diz abraçar e respeitar todos os seus nomeados. A violência não deve ser legitimada, seja a forma que for. Hollywood tem que respeitar a privacidade e não há que gozar com ninguém. Somos contra a atitude de Will e a atitude de Rock, num momento que já entrou para a história do Óscares marcaria toda a noite. Will Smith não pediu desculpa pelo comportamento abusivo a Chris Rock e isso é lamentável. Uma soma de erros sem precedentes.

Percebeu-se uma certa tensão no ar e as anfitriãs mostraram-no no final algo perturbadoras pelo sucedido. Como seria de prever, Will Smith voltou a subir ao palco para receber o Óscar de Melhor Ator. Apesar de mostrar-se arrependido – pediu desculpas à Academia de Artes e Ciências Cinematográficas e pediu desculpas aos seus colegas nomeados – o seu discurso foi ligeiramente repetitivo, afinal ele, tal como todos nós, continuava em choque senão mesmo em pânico por um possível fim de carreira. As palavras de Denzel Washington deram-lhe força para continuar e percebeu-se que queria combater o incidente com amor e com paz. “Um homem tem que defender a sua família”, foi algo que disse no seu discurso.

Quanto aos recordes, Will Smith torna-se apenas o quinto ator afro-americano a ganhar o Óscar de Melhor Ator depois de Sidney Poiter, Denzel Washington, Jamie Foxx e Forest Whitaker. Precisamente desde 2007 com Whitaker que mais nenhum ator negro havia ganho a estatueta dourada de Melhor Ator. Uma celebração da diversidade que (não) será abafada pelo episódio caricato que o ator se viu envolvido.

Will Smith vence o Óscar de Melhor Ator




#PresentAll23: o movimento que não mudou a Academia

A Academia anunciou num comunicado que oito dos prémios não seriam entregues em direto nos Óscares 2022 e a decisão provocou uma indignação alargadas nas redes sociais, por parte dos espectadores, especialistas na cerimónia e ainda por parte dos próprios membros da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Esta não é a primeira vez que a ABC e a AMPAS decidem tomar a decisão, mas foi a primeira vez em que ela seguiu em frente e revelou-se uma catástrofe. Os Óscares 2022 chegaram a ser mais longos que os do ano passado, em que nenhuma categoria passou por esta inferiorização.

dune duna Óscares 2022 filmes nomeados
“Dune – Duna” | © NOS Audiovisuais

As entregas dos Óscares de Melhor Curta-Metragem Documental, Melhor Som, Melhor Montagem, Melhor Maquilhagem e Cabelos, Melhor Curta Metragem de Imagem Real, Melhor Banda-Sonora Original, Melhor Design de Produção e Melhor Curta Metragem de Animação foram todos gravadas uma hora antes do início da transmissão dentro do Dolby Theatre e foram editadas depois para a cerimónia, onde apenas foram cortadas as chegadas aos palcos – dizem eles! Em alguns discursos percebeu-se um certo mau estar e vontade em não ficar muito tempo no palco e o certo é que não houve qualquer momento empolgante ou de tensão durante o anúncio destes vencedores. Seria fundamental a Academia respeitar os trabalhos de todos os cineastas e membros de equipas técnicas e isso levou à campanha #PresenteAll23. Um efeito bola de neve que a Academia ignorou.  completamente.

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Nos últimos dias, alguns membros da Academia apresentaram mesmo a sua carta de demissão, como não poderia deixar de ser. O designer de som Tom Fleischman, frequente colaborador de Martin Scorsese e de Spike Lee, com mais de 200 trabalhos cinematográficos, vencedor de um Óscar da Academia e cinco vezes nomeado foi uma dessas pessoas. Fleischman também faz parte do conselho da administração da Cinema Audio Society – o sindicato dos designers e misturadores de som – e a associação apoiou igualmente a sua decisão.

A decisão da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de celebrar algumas categorias de maneira diferente de outras, em última análise, comunica uma insensibilidade séria às artes criativas afetadas e é potencialmente divisiva para a comunidade. Esta ação subestima as contribuições indispensáveis que esses ofícios dão às obras que estão sendo celebradas na noite dos Óscares. É o nosso desejo sincero que a Academia reverta a sua decisão e opte por não diminuir o prestígio de sua estimada honra à comunidade cinematográfica “.

os olhos de tammy faye critica
© Fox Searchlight Pictures

Além de Tom Fleischman, o realizador vencedor do Óscar da Academia Guillermo del Toro, expressou a sua desaprovação, pedindo que outras figuras importantes da indústria se manifestassem contra estes cortes. Mais de 80 designers, engenheiros e mixturadores de som assinaram uma carta onde se oponham à controversa decisão da Academia. A carta foi escrita por Carlos Solis e enviada ao presidente da Academia David Rubin. Tim Cavagin (“Bohemian Rhapsody”), Dane Davis (“Matrix”), Robert Mackenzie (“O Herói de Hacksaw Ridge”), Niv Adiri e Skip Lievsay (“Gravidade”), Michele Couttolenc, Carlos Cortes e Jamie Baksht (“Sound of Metal”), Ian Tapp e Resul Pookutty (“Quem Quer Ser um Bilionário?”) foram apenas algumas dos nomes que assinaram esta carta, cujo excerto pode ser lido abaixo.

Como uma comunidade de artistas sonoros, discordamos respeitosamente e opomos-nos às mudanças que estão sendo feitas para a transmissão do 94ª cerimónia dos Óscares. Todo filme é maior do que a soma de todas as partes e só é feito pelo esforço conjunto e contribuição de todas as pessoas envolvidas na criação dos filmes. Todos nós fazemos filmes juntos e precisamos-nos focar no que contribuímos em comum, não no que nos divide.

A Academia não ouviu e virou a cara para o lado. As anfitriãs Wanda Sykes, Regina Hall e Amy Schumer ainda fizeram piada a gozar com o facto da Academia não ter cedido à vontade dos seus membros, quando na realidade só existe porque estas pessoas trabalham, porque desenvolveram a sua arte. Todos estes artistas tornam possível a existência de um filme, tornam possível a existência da categoria do Óscar de Melhor Filme. A hashtag #PresentAll23 não teve o mesmo impacto que #OscarsSoWhite ou #BlackLivesMatter e isso é realmente de ir às lágrimas, algo que parece provar que as reivindicações nos Óscares só levam a melhor quando são feitas por quem está à frente das câmaras.

Não seria de estranhar se, daqui a uns anos, nenhum dos vencedores for anunciado em direto, não só para cortar os segundos em que os artistas demoram a subir ao palco, como para evitar bofetadas em direto e outros episódios caricatos.

A Academia não soube guardar segredo e não sentimos o mesmo entusiasmo de outros Óscares e daquilo que deveriam significar. Neste sentido, “Dune” foi o grande injustiçado desta decisão e não se sentiu aquela tensão e acumular de vitórias como noutros anos. Por exemplo, desde “La La Land: Melodia de Amor” que nenhum filme ganhava tantos Óscares – foram 6 das suas 10 nomeações. Neste caso a Academia fez de conta que o Twitter e as redes sociais não existiam, e até parece-nos lamentável, que à excepção de algumas figuras como Guillermo del Toro ou Jessica Chastain, este movimento não se tenta tornado maior e mais polémico. Veremos o que será feito no próximo ano e esperamos, mesmo muito, que isto não volte a acontecer!




Não à Netflix. O Óscar de Melhor Filme vai para a Apple TV+

A corrida ao Óscar de Melhor Filme teve uma reviravolta de última hora. Não é a primeira que uma reviravolta acontece, mas esta foi a mais inesperada desde a aclamação de “Parasitas”. Depois de todos pensarem que a vitória de “O Poder do Cão” produzido e distribuído pela Netflix era certa, a Apple TV+ levou a melhor e conseguiu destronar a gigante do streaming que há longos anos cobiça o Óscar principal.

Como é que a Apple TV+ acabou de ganhar o seu primeiro Óscar de Melhor Filme, precisamente pela sua primeira longa metragem a corrida? Tudo resume-se a boas estratégias de marketing, porque a Apple melhor do que qualquer marca domina esse campo.

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Escrito e realizado por Siân Heder – que venceu igualmente o Óscar de Melhor Argumento Adaptado, “CODA” conquistou os corações de muitos votantes da indústria e de muitos aficcionados da sétima arte. A sua escalada começou no Festival Internacional de Cinema de Sundance em janeiro de 2020, onde foi comprado pela Apple TV+ por um recorde de 25 milhões de dólares. Contudo, o seu sucesso na temporada de prémios foi mínimo e só teve vitórias significativas nos SAG – Screen Actors Guild Awards – e nos BAFTA 2021. Ou seja, vitórias todas elas em menos de um mês, que criaram um balanço importante para a 94ª edição das estatuetas douradas.

Nos últimos dias de votação para os Óscares, “CODA” venceu ainda o PGA – o prémio entregue pelo Sindicato de Produtores norte-americanos – e foi apresentado e homenageado na Casa Branca, com o elenco e realizadora a receberem aplausos por parte do Presidente dos EUA Joe Biden e da Primeira Dama Jill Biden. Graças a estes episódios, e sobretudo à sua temática, em que celebra a comunidade surda e piscatória dos EUA, “CODA” estava condenado a ser o grande vencedor dos galardões da Academia.

Emilia Jones Hollywood 2021
Emilia Jones, “CODA” | © Apple TV

O filme nem sequer estava nomeado a Melhor Realizador, ou sequer a qualquer outra categoria técnica. Venceu o Óscar de Melhor Filme e torna-se assim o primeiro filme de uma plataforma de streaming a vencer esta categoria.

O mais marcante e arrepiante é que “CODA” conseguiu superar um precedente histórico, como apenas o segundo filme a ganhar o Óscar de Melhor Filme sem uma nomeação aos Directors Guild Awards, depois de “Miss Daisy” (1989). “CODA” também não foi nomeado a mais nenhuma categoria, além de Melhor Ator Secundário e Melhor Argumento Adaptado! Nem realizador, nem qualquer Óscar técnico – curioso ter sido deixado fora, por exemplo, do Óscar de Melhor Som, quando esta é uma das suas maiores proezas. Será preciso recuar a “Grand Hotel” (1931/1932), para percebemos como é que um filme sem qualquer nomeação de peso conseguiu ser o maior vencedor da noite.

“CODA” deu cabo das estatísticas e prova que estas não valem para nada. Como não valem muitos os vencedores de Melhor Filme nos Globos de Ouro ou nos BAFTA. O organismo que faz as previsões mais acertadas, devido ao mesmo sistema de voto preferencial e membros idênticos, são os Producers Guild Awards e esse continuará a ser o único indicador para esta categoria. Eis a lista de recordes de CODA quebrou esta noite:

  • Primeiro filme a ganhar o Óscar de Melhor Filme com três ou menos nomeações para os Óscares desde “Grand Hotel”, de 1932.
  • Primeiro filme a ganhar o Óscar de Melhor Filme sem nomeações para Melhor Realizador e Melhor Montagem desde “Grand Hotel”, de 1932.
  • Primeiro filme a ganhar o Óscar de Melhor Filme sem ter estreado durante um dos festivais de outono (Toronto, Telluride, Veneza) desde “The Departed: Entre Inimigos” em 2006.
  • Segundo filme a ganhar o Óscar de Melhor Filme como um remake de um filme de língua não inglesa, depois de “The Departed: Entre Inimigos” de 2006.
  • Primeiro filme a ganhar o Óscar de Melhor Filme sem uma nomeação ao BAFTA de Melhor Filme desde “Million Dollar Baby” de 2004.
  • Primeiro filme a ganhar o Óscar de Melhor Filme sem uma nomeação ao Globo de Ouro de Melhor Argumento desde “Million Dollar Baby”, de 2004.
  • Primeiro filme a ganhar o Óscar de Melhor Filme sem nomeação ao DGA desde “Miss Daisy”, de 1989.
  • Primeiro filme a ganhar o Óscar de Melhor Filme como estreia no Festival de Cinema de Sundance.
  • Primeiro filme de uma plataforma de streaming a ganhar o Óscar Melhor Filme;
  • Primeiro filme da Apple TV+ a levar o Óscar de Melhor Filme;
  • Venceu as mesmas três categorias que “Green Book” nos Óscares 2019 e “Moonlight” nos Óscares 2017;
  • Primeiro filme a vencer em todas as categorias em que estava nomeado depois de “Asas” (1928),”Grand Hotel” (1932), “Aconteceu Uma Noite” (1954), “Gigi” (1958), “O Último Imperador” (1987) e “O Senhor dos Anéis: O Regresso do Rei” (2003);
  • Primeiro filme de menor bilheteria de todos os tempos a ganhar o Óscar de Melhor Filme com uma receita bruta de apenas 1 milhão de dólares. “Nomadland: Sobreviver na América” exibido durante a pandemia teve 39,4 milhões de dólares globalmente.

É bom saber que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas celebra 1º o cinema independente (“CODA” foi feito com apenas 10 milhões de dólares), 2º a diferença (é uma vitória histórica para um filme dominado por um elenco maioritariamente surdo) e 3º as novas formas de distribuição, responsáveis pelas maiores audiências nos confortos dos seus lares. Mesmo assim, “CODA” – que nos deixou completamente agarrados aos nossos ecrãs – é um filme tradicional, do mais tradicional que alguma vez vimos na Academia. Temos que admiti-lo. O produtor francês Philippe Rousselet, que esteve por detrás do filme original recebeu o Óscar com Patrick Wachsberger e Fabrice Gianfermi.

Qualquer pessoa que goste do filme entenderá que a sua celebração é muito prova da americanização das histórias internacionais. É um abraçar de algo já feito. Trata-se de um remake que, retirando a grandiosidade do seu elenco, não acrescenta nada a uma história contada em “A Família Béliér”. Já não bastam as sequelas, prequelas, spin-off ainda temos que lidar com o romance de Hollywood ‘o que torna um filme de língua estrangeira de sucesso é o seu remake americano’. Aliás, o filme “Parasitas” de Bong Joon-ho tem uma série protagonizada por Mark Ruffalo a caminho da HBO Max. Muitos americanos nem sequer sabiam que “CODA” se tratava de um remake e certamente não terão perdido tempo para ver “A Família Bélier“, que nunca teve distribuição nos EUA. Para quem não o sabia, deixamos o trailer abaixo.

A vitória de “CODA” é uma prova que o mais convencional pode ser feito também em plataformas de streaming. A Netflix tem sido muito mais atrevida, capaz de pegar nos maiores nomes do cinema de autor e ter-lhes conferido a liberdade de realizar os seus projetos como quiseram. O que a Apple TV+ fez foi apenas comprar um filme por milhões de dólares e distribui-lo como melhor conseguiu – dando um enfoque ao seu elenco. Não vamos menosprezar os seus atores. Este é um filme com coração, sobretudo pelo trabalho de três atores – Troy Kotsur (tornou-se o primeiro ator surdo a vencer um Óscar de interpretação), Daniel Durant e a vencedora do Óscar Marlee Matlin.

À excepção de Matlin, o restante elenco é desconhecido, e foram capazes de emocionar a cada entrevista, souberam tocar as nossas emoções mais profundas à medida que iam participando em eventos, em apresentações em universidades e escolas para surdos por todos os estados norte-americanos. A forma como falavam do filme deixou milhares de espectadores e muitos votantes da Academia com as lágrimas nos olhos e é isso que, em Hollywood, se quer lá de vez em quando. Foi celebrado um filme popular, um filme que foi feito para o grande público e que pode ajudar a Academia a recuperar o interesse dos mais novos.

CODA | Troy Kotsur vence o Óscar de Melhor Ator Secundário

Troy Kotsur junta-se a um grupo limitado de artistas que venceram um Óscar por uma interpretação em lingua gestual norte-americana (ASL) depois de Jane Wyman (1948), Patty Duke (1962) e Marlee Matlin (1986), sendo esta última a única atriz surda. Um homem também já venceu o Óscar por um filme em que comunica em língua gestual britânicas: John Mills por “A Filha de Ryan” (1970).

Há quem compare a vitória de “CODA” a “Parasitas“, que marcou os Óscares 2020, mas isso é estar a comparar um grão de areia a um deserto. Alguns dos artistas surdos que estão a tentar lutar por um caminho profissional em Hollywood revelaram ser totalmente contra o filme, alguns críticos surdos no Twitter revelaram que este filme é feito por pessoas sem incapacidade e para ser visto por pessoas sem incapacidade. Há quem tenha ido mais longe e considerado estas vitórias ofensivas para a comunidade surda, por muito que abra as portas a estes profissionais. Aparentemente é preciso um filme para prestarmos mais atenção. Será que se inicia agora um movimento e os atores e realizadores surdos serão mais valorizados? Só o tempo dirá.

Por acaso, ficamos reduzidos a esta espécie de golpe de marketing da Apple. Para ver “CODA” há que ter Apple TV+ e a plataforma de streaming confere uma utilização mais intuitiva para usuários de sistemas MacOS, iPadOS e iOS. Na última apresentação de produtos Tim Cook, CEO da marca, começou por celebrar “CODA” e os restantes nomeados da plataforma aos Óscares, por isso não nos surpreendamos se houver uma corrida às compras para o novo iPhone ou do novo Macbook. Just sayin’.




Billie Eilish, a primeira pessoa nascida no século XXI a vencer um Óscar

Com apenas 20 anos, Billie Eilish tornou-se a primeira pessoa nascida no século XXI a vencer um Óscar, o que merece uma salva de palmas. Eilish ganhou no domingo o Óscar de Melhor Canção Original por “No Time to Die”, a sua canção do filme de James Bond “Sem Tempo para Morrer”. Isto faz dela a segunda vencedora mais jovem nesta categoria depois de Marketa Irglova, que venceu pelo drama musical “Once” aos 19 anos.

no time to die james bond
James Bond em “No Time To Die” | © NOS Audiovisuais

Desde que estreou o seu primeiro álbum em 2019, Billie Eilish continua a fazer história onde pude e onde lhe é dada oportunidade. A cantora de “Bad Guy”, que nasceu em dezembro de 2001, tornou-se na primeira pessoa nascida no século XXI a atingir o número 1 no top da Billboard 200 e, em 2020, tornou-se apenas a segunda pessoa a levar para casa as quatro principais categorias dos Grammy Awards. No início de 2020, foi anunciado que Eilish interpretaria o tema de James Bond para “Sem Tempo para Morrer”, o último filme com Daniel Craig no papel de agente secreto mais querido da história do cinema. Tinha 18 anos na época, tornando-a a pessoa mais jovem a interpretar um tema de Bond. O lançamento do filme foi repetidamente adiado pela pandemia do COVID-19, o que significa que sua vitória nos Óscares 2022 tardou dois anos! É um feito realmente marcante perceber como uma canção deixou uma marca na Academia durante tanto tempo. E Billie Eilish e Finneas são apenas os primeiros irmão e irmã a ganhar um Óscar juntos.

“No Time to Die”, de Billie Eilish, também ganhou o Critics’ Choice Awards, o Globo de Ouro e o Grammy. Torna-se a 3ª canção da série James Bond, e a 3ª e última canção de 007 em tempos de Daniel Craig a vencer o Óscar. A Academia parece não dar hipóteses a mais nenhum artista nesta categoria. Agora, com um Óscar e vários Grammys na estante do seu quarto, Eilish poderia consagrar-se um dia vencedora de um Emmy e de um Tony, alcançando o tão prestigioso EGOT? Se o fizer até completar 39 anos, ela seria a pessoa mais jovem a fazê-lo! Temos que nos preparar para um musical com as suas canções.




Óscar de Melhor Atriz continua pouco previsível?

Não. Nem o Óscar de Melhor Atriz nem nenhuma outra categoria. Os Óscares 2022 foram as estatuetas douradas mais previsíveis de sempre, ou pelo menos desde que vemos a cerimónia. Todos os filmes que eram supostos vencer levaram para casa o galardão e apenas houve uma surpresa, quando “The Windshield Wiper“, curta metragem de animação arrecadou o Óscar nessa categoria. Queríamos ter ficado de boca aberta com os vencedores como aconteceu no ano passado, mas a única coisa inesperada que tivemos foi um murro na barriga, devido à tumultuosa bofetada que Will Smith deu a Chris Rock.

SAG Awards 2022
Os Olhos de Tammy Faye © 20th Century Studios

O desempenho de Jessica Chastain como a infame evangelista Tammy Faye Bakker valeu à atriz norte-americana o Óscar de Melhor Atriz. Não havia qualquer favorita nesta categoria, mas a atriz ganhou um impulso importante depois de receber um prémio SAG. À terceira é de vez e, depois de três nomeações, finalmente chegou o momento de Chastain levar a estatueta dourada para casa. Se inicialmente estávamos confiantes que pelo segundo ano consecutivo, a corrida para melhor atriz estava em aberto, com os resultados dos SAG e Critics, estava dada a vitória a Jessica Chastain. A atriz é apenas a segunda pessoa a vencer o Óscar por interpretar uma evangelista, depois de Burt Lancaster ter vencido o Óscar de Melhor Ator por “O Falso Profeta” (1960).

O seu filme é de longe um dos mais fracos desta temporada e apesar de ser importante prestar homenagem a Tammy Faye Bakker, temos um modelo de interpretação que está muito gasto. Interpretar pessoas reais é quase como venerado pela Academia e quando isso é feito com muita maquilhagem então o resultado pode ser uma estatueta dourada. Jessica Chastain, atualmente com 45 anos, revelou inúmeras vezes que o trabalho como Tammy Faye Baker provocou-lhe danos permanentes no rosto. A Academia ouvi-a.

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Jessica Chastain concorria contra Olivia Colman por “A Filha Perdida” (Netflix), Penélope Cruz por “Mães Paralelas” (Sony Pictures Classics), Nicole Kidman por “Being the Ricardos” (Amazon Studios) e Kristen Stewart por “Spencer” (Neon/Topic Studios). Nenhum dessas atrizes teve os seus filmes na corrida a Melhor Filme, algo que não acontecia desde os Óscares 2005. Não queremos perder muito tempo neste prémio, mas apesar do talento de Chastain este parece aqueles momentos em que um Óscar é entregue mais pela carreira do que por um filme, por muito transformativa que seja a interpretação. De longe, Penélope Cruz por “Mães Paralelas” teria sido a melhor escolha desta lista e não nos cansaremos de afirmá-lo, por muito que isso magoe e aborreça muita gente.

A atriz espanhola ofereceu um dos trabalhos mais marcantes, para qualquer ator, e tudo resume-se às emoções maternais. Só que “Mães Paralelas” é um filme falado numa língua estrangeira e a Academia tem vindo a mostrar que essas interpretações devem limitar-se à nomeação – vejamos as nomeações precedentes e históricas de Emmanuelle Riva por “Amor” nos Óscares 2013 ou Isabelle Huppert por “Ela” nos Óscares 2017. Desde Marion Cotillard por “La Vie en Rose” nos Óscares 2008 que não vemos mais nenhuma atriz internacional aclamada e isso é tão infeliz quanto a falha da Academia para as atrizes afroamericanas e de cor. Mais curioso é que Penélope Cruz não tinha recebido assim tantos prémios como as outras estrelas – apenas a Colpa Volpi no Festival de Veneza de 2021 – e o seu filme tinha sido talvez dos menos vistos da temporada pelos americanos. A atriz também não foi celebrada com qualquer prémio importante no seu país Espanha, que em todas as cerimónias de prémios preferiu celebrar Blanca Portillo por “Maixabel”, ironicamente outro biopic. Se Penélope Cruz fizer um biopic nos próximos tempos, como está previsto acontecer, talvez venha a ser aplaudida pela Academia.

Mães Paralelas
©PRIS Audiovisuais

Voltemos então a Jessica Chastain e aos Óscares 2022 que demorou 10 anos a trazer o filme “Os Olhos de Tammy Faye” para o grande ecrã – em Portugal está disponível na Disney Plus. No seu discurso fez alusão ao ativismo de Tammy Faye Bakker pelos direitos LGBTQ+ ao abordar o tema do suicídio de jovens LGBTQ+ e à legislação discriminatória e preconceituosa que domina os EUA nos últimos dias.

Por mera curiosidade, Jessica Chastain é agora a 7ª atriz do filme “As Serviçais” a ganhar um Óscar depois de Viola Davis, Octavia Spencer, Emma Stone, Allison Janney, Mary Steenburgen e Sissy Spacek. Coincidentemente, este ano, Aunjanue Ellis tornou-se a nona atriz de “As Serviçais” nomeada ao Óscar, na categoria de Melhor Atriz Secundária pelo filme “King Richard”.




Twitter e os votos populares nos Óscares

Porque razão a Academia celebrou os filmes com maior público? Nas últimas edições, os Óscares têm vindo a perder telespectadores, portanto era mais do que provável a ABC tentasse encontrar uma forma para este ano manter as pessoas agarradas às suas televisões. O desespero da ABC em ganhar audiências juvenis e mais mainstream, fez com que a exclusividade e tradicionalismo da Academia caíssem por terra.

O tema desta 94ª edição foi ‘Movie Lovers Unite‘ (Cinéfilos Uam-se) e o produtor da cerimónia Will Packer, disse ao The Times que era seria uma oportunidade de dar voz ao público e a vários filmes não só deste ano, mas de sempre. O prémio, que na verdade não consistiu em nenhuma estatueta dourada, resultou de uma votação encerrada a 3 de março, e durante alguns minutos foram exibidos excertos de alguns filmes icónicos. Um momento que não terá sido marcante para os presentes no Dolby Theatre, e muito menos para os verdadeiros cinéfilos e amantes dos Óscares 2022. Tudo pareceu ser uma jogada realmente baixa à procura de audiências, como se a Academia continua à procura de um oásis no meio do deserto que talvez não exista. Tempo perdido no fim de contas.

Justice League Snyder Cut
© HBO Portugal

Os espectadores estão a perder o interesse nos Óscares, porque a Academia está a perder a sua autenticidade – os filmes vencedores foram os mesmos da temporada e são muito convencionais- está a perder o seu interesse e parece que o abrir de portas ao cinema internacional não é assim tão fundamental. Talvez a única coisa que tenha feito sentido nesta procura de público tenha sido a celebração de vários filmes do passado, como a ovação incrível a Francis Ford Coppola, Al Pacino e Robert DeNiro pelo 50º aniversário de “O Padrinho” ou a ovação a Liza Minnelli, que subiu ao palco para entregar o Óscar de Melhor Filme e celebrar o 50º aniversário de “Cabaret”, com o qual venceu o Óscar de Melhor Atriz.

Esta não foi, infelizmente, a primeira vez que esse tipo de prémio popular foi proposto pela Academia e ABC, embora tenha sido a primeira vez que a ideia maluca e seguiu em frente. Em 2018, a Academia anunciou a criação de uma nova categoria para “Melhor Filme Popular“, que foi descartada menos de um mês depois, após uma reação dos críticos que argumentaram que um Óscar especial reconhecendo sucessos de bilheteria diminuiria o significado dos prémios como um todo. Afinal, não é preciso uma categoria dessas quando êxitos como “Dune”, podem varrer praticamente todos os prémios – foi o filme mais homenageado e com as vitórias mais merecidas desta noite dos Óscares 2022.

Óscares
© Allied Artists Pictures

A noite dos Óscares 2022 foi preenchida com vários grupos de apresentadores a celebrar aniversários de outros filmes, incluindo Jennifer Garner, Elliot Page e J.K. Simmons de “Juno”, Samuel L. Jackson, Uma Thurman e John Travolta de “Pulp Fiction”, Wesley Snipes Rosie Perez e Woody Harrelson de “White Men Can’t Jump”.




O Poder de Jane Campion ou nem por isso

Óscares 2022
© 2021 Cross City Films Limited/Courtesy of Netflix

“Os atores são tão grandes como as oportunidades que lhes são dadas”, disse a nomeada ao Óscar de Melhor Atriz Nicole Kidman na passadeira vermelha dos Óscares 2022 quando falou sobre “Being the Ricardos!”. Não nos esqueçamos que essas oportunidades muitas vezes são dadas por quem ocupa a cadeira de realização, que sabe tirar o melhor proveito do seu elenco.

Foi assim com Jane Campion em “O Poder do Cão” que merecidamente foi honrada com o Óscar de Melhor Realizador. “O Poder do Cão” é uma lição de cinema, que muitos dos espectadores não conseguissem ver a longa até ao final pelo seu ritmo pausado, e que se revela uma perícia cinematográfica em todas as suas imagens, capazes de abrir caminho a variadas leituras. “O Poder do Cão” era o filme mais puro, mais completo e psicologicamente perturbante da lista de nomeados a Melhor Filme, mas além da celebração de Jane Campion, Hollywood não quis saber. É curioso como um filme feito por esta mulher só tenha recebido este Óscar. Parece-nos tão absurdo quanto fascinante.

Sentiu-se durante muito tempo desta temporada de prémios 2021/2022 que um filme de Jane Campion poderia ser finalmente ser vencedor do Óscar de Melhor Filme, numa vitória muito emotiva e histórica, quase a nos fazer recuar ao ano de “O Piano” – drama de Campion nomeado nessa categoria há trinta anos. As barreiras felizmente continuam a ser quebradas e merecidamente Campion coloca-se na lista de somente 3 mulheres vencedoras do Óscar de Melhor Realização, depois de Kathryn Bigelow por “Estado de Guerra” nos Óscares 2010 e Chloé Zhao por “Nomadland: Sobreviver na América” nos Óscares 2021. O êxito de Jane Campion é ainda mais importante, porque torna-se a primeira cineasta neozeolandesa a arrecadar tal prémio, além de ter sido apenas a primeira mulher na história da Academia a receber duas nomeações a Melhor Realizador.

Jane Campion aos 67 anos e 333 dias de idade é ainda a 3ª pessoa mais velha de sempre a arrecadar este prémio, depois de Clint Eastwood por “Million Dollar Baby” (venceu o Óscar com 74 anos, 272 dias) e de Roman Polanski por “O Pianista” (venceu o Óscar com 69 anos, 217 dias).

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Tristemente, Jane Campion não subiu mais nenhuma vez ao palco. “O Poder do Cão” era o filme mais nomeado deste ano em 12 categorias, mas a Academia ignorou-o quase por completo. Hoje em dia parece que ser recordista é sinónimo de maiores perdas, sobretudo se essas nomeações forem por um filme da Netflix – vimo-lo por exemplo com “O Irlandês” de Martin Scorsese nos Óscares 2020. Campion no seu discurso pareceu aceitar bem as derrotas do seu filme, mas esta é uma das maiores falhas da Academia nos últimos tempos. Queremos terminar com a vitória de Jane Campion porque foi ela que mostrou maior classe ao longo da noite e é a ela que muitas mulheres devem os seus trabalhos. Não estamos a exagerar. Por exemplo, a atriz, realizadora e argumentista Maggie Gyllenhaal repetiu-o inúmeras vezes em entrevistas, em talk-shows a influência de Campion no seu trabalho em “A Filha Perdida”. Também ela saiu dos Óscares 2022 com as mãos vazias, sendo o seu filme igualmente uma produção da Netflix. “O Poder do Cão” é única e simplesmente sobre o poder de Jane Campion que conseguiu outro recorde: iguala Mike Nichols, vencedor do Óscar de Melhor Realizador por “A Última Noite” em 1968. Esse foi o último filme a ganhar apenas esta categoria.

Óscares 2022
The Power of the Dog (O Poder do Cão) © KIRSTY GRIFFIN/NETFLIX

“O Poder do Cão” não terá agradado a muitos votantes, sobretudo pela profundidade narrativa. Numa época de COVID-19 e guerra da Ucrânia, a não-celebração deste filme é uma prova que Hollywood não quer aceitar histórias que seja uma provocação, humilhação e degradação das suas personagens. Diríamos até de outra forma. A Academia não gosta de cowboys gays – quem não se lembra quando “Colisão” derrotou “O Segredo de Brokeback Mountain” nos Óscares 2006? – e é muito provável que a masculinidade tóxica da personagem principal deste filme não tenha impressionado aqueles que procuravam em plataformas de streaming uma história leve e emocionante como “CODA” para fugir aos seus dias horríveis de pandemia. “O Poder do Cão” é uma obra prima que vai prevalecer com o passar do tempo, porque afinal são as histórias mais desconcertantes que ficam impressas nas nossas memórias.

Estamos curiosos por saber se a Academia vai continuar a celebrar o talentoso esforço e êxito das melhores cineastas no próximo ano. Foi a única coisa dos Óscares 2022 que nos deixou interessados nas possibilidades de um futuro melhor numa cerimónia onde ficou provado que o ódio continua a existir.

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