© Paulo Carneiro

“A Savana e a Montanha”: Era uma vez o faroeste do Barroso… em Cannes

Em “A Savana e a Montanha” de Paulo Carneiro, o filme português apresentado na Quinzena dos Cineastas, os habitantes de uma aldeia transmontana de Portugal unem-se para deter uma empresa britânica que obteve a exploração do lítio na região. Um mosaico ecológico sobre a luta das populações para salvar o seu mundo rural. 

“A Savana e a Montanha”, de Paulo Carneiro é um filme com um registo poético, político, lúdico e ou tudo isto ao mesmo tempo, que coloca em cena, os processos de luta da pequena aldeia de Covas do Barroso, do norte de Portugal, contra uma grande empresa britânica que obteve do governo português a concessão para a exploração do lítio, segundo dizem as vozes políticas essencial para a transição energética e riqueza do país.

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Uma das questões centrais para a política energética portuguesa actual são obviamente também o outro lado do problema, se por um lado é um recurso, há que ter em conta os problemas ambientais que esta exploração gera. E esse ângulo, não é em “A Savana e a Montanha” tido é levado muito em consideração, nem discutido, já que coloca apenas os habitantes locais em pé de guerra com os “empresários do setor” e os políticos que os favorecem.

a savana e a montanha cannes
© Paulo Carneiro

A Savana e a Montanha: Uma história portuguesa no Festival de Cannes

Este curioso processo de luta aconteceu mesmo na comunidade de Covas de Barroso, onde a empresa britânica Savannah Resources planeou construir uma das maiores minas de lítio a céu aberto da Europa. Diante deste facto, os moradores daquela zona rural — Património da Rural e Agrícola da ONU — decidiram organizar-se de uma forma muito peculiar, para lutar, na esfera jurídica e também no território, para estabelecer limites ambientais ou mesmo cancelar diretamente esta exploração.

Na sua terceira longa-metragem, e a segunda transmontana depois de “Bostofrio, où le ciel rejoint la terre”, o jovem realizador português Paulo Carneiro (34 anos) reconstruiu o que aconteceu com os próprios moradores da aldeia, interpretando a si mesmos.

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Mas não se trata de uma reconstituição simples e direta como se fosse um documentário verité de denúncia mas antes usando os habitantes para brincarem com essa luta, transformando algumas partes da história num verdadeiro filme do faroeste: os locais lutam ‘armados’ (às vezes a cavalo ou em caravana), contra os trabalhadores da empresa, ao mesmo tempo que as festas e tradições populares vão-se misturam com suas próprias canções militantes (de Carlos Libo, que é um cantor e compositor de protesto local) ou das reuniões e assembleias populares.

Não existe um desenvolvimento clássico das personagens de vilões e índios, mas antes uma versão lúdica que fica entre as representações teatrais tradicionais e populares da região e um teatro agitprop dos anos 60 e 70. Sendo que o realizador, dá aos habitantes da aldeia a tarefa de inventar uma história um pouco maior que a vida, para contar a sua própria experiência. .

Assim, misturam-se encontros e discussões — com os atores não-profissionais a actuarem num estilo recitativo — com cartazes e textos típicos de um filme militante clássico, onde os humildes  (e muitos deles já idosos) moradores de tentam a todo o custo, mas sem violência diga-se, impedir os avanços de uma empresa que destrói recursos naturais da sua terra.

Mas esta forma de expressão é efectivamente básica e simplista Paulo Carneiro tem a inteligência de criar além de alguns textos, imagens com forte ressonância poética e ao mesmo tempo brincar com a história, como se tudo fosse uma encenação de expressão e de consumo comunitário do quotidiano dos habitantes locais.

De facto, “A Savana e a Montanha” é um filme muito simples aliás como todo o conflito diga-se até demasiado pacífico, pelo menos para os padrões europeus se compararmos, com outras regiões onde as empresas não só destroem o meio ambiente, mas também tiram os recursos gerados sem pagar quase impostos e devolvendo pouco ou nada às comunidades e estas agem muitas vezes de uma forma muito violenta.

Mas à imagem de um país de brandos costumes como é Portugal — e se calhar ainda bem —  a luta dos habitantes pela defesa da sua qualidade de vida e da sua terra, aparece-nos aqui quase como uma brincadeira de crianças e uma diversão.

Porém, não deixa de abrir oportunas perspectivas para a analisar a situação da crescente exploração do lítio, para as baterias dos carros eléctricos,  que apesar de fazerem a tal transição energética não deixam de conduzir a toda uma nova série de problemas ambientais, tanto ao nível da exploração, como depois da sua substituição e descarte.

Paulo Carneiro destaca talvez pouco as reviravoltas do conflito: os moradores conseguirão algumas das suas reivindicações, mas não o caminho para resolver ou encontrar uma solução, que ainda agora está pendente. De qualquer modo, vemos que cultura popular não consegue de forma nenhuma substituir, a acção política, porém proporciona novas perspectivas para compreender, lutar e tentar resolver as questões mais fracturantes, sem radicalismo e excessos.

Festival de Cannes em direto:

Um filme português sobre um tema atual no Festival de Cannes.

A Savana e a Montanha, em análise

Movie title: A Savana e a Montanha

Movie description: Depois da sua curta-metragem “Water to Tabato”, em 2014, e do seu primeiro documentário de longa-metragem, em 2018, “Bostofrio où le ciel rejoint la Terre”, o realizador português Paulo Carneiro está de volta com um documentário novamente sobre as suas raízes transmontanas, mas que desta vez segue a luta dos aldeões de Cova do Barroso contra o governo e a empresa britânica, concessionada, para o extrair lítio das suas terras.

Country: Portugal

Director(s): Paulo Carneiro

Genre: Drama, Documentário

  • José Vieira Mendes - 50
50

Prós e Contras

O melhor: É vez de uma documentário directo, o realizador inteligentemente põe os habitantes da aldeia a encenarem o processo de luta contra a empresa e a fazer de eles mesmos.

O pior: A tradição popular pode ser uma forma de combate contra o poder e para a defesa de certas causas, o que não quer dizer que possa substituir a acção política.

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