ALL OF US STRANGERS | © 2023 Searchlight Pictures All Rights Reserved.

Desconhecidos, a Crítica: Andrew Scott e Paul Mescal irrepreensíveis no novo filme de Andrew Haigh

A 20 de março de 2024, “Desconhecidos” ou “All of Us Strangers”, chegou finalmente ao território nacional com estreia direta no streaming. Disponível na Disney+, a nova narrativa de Andrew Haigh é um drama intimista capaz de personificar o trauma e dor como muito poucos. 

“All of Us Strangers” coloca perguntas difíceis e oferece respostas devastadoras. O que diríamos aos nossos pais se pudéssemos dialogar , já em adultos, com o seu “eu” do passado? Se pudéssemos falar com os nossos progenitores e dizer-lhes, de adulto para adulto, de que forma nos marcaram, pela positiva e pela negativa. De que forma poderíamos manusear o trauma e reconfigurá-lo?

Desconhecidos
Paul Mescal e Andrew Scott em DESCONHECIDOS © 2023 Searchlight Pictures All Rights Reserved.

Embora desejássemos ardentemente ter visto “Desconhecidos” nas salas de cinema, saudamos o facto desta bela e trágica história ter finalmente chegado ao streaming. O drama protagonizado por Andrew Scott (eterno Padre de “Fleabag”) e Paul Mescal (nomeado ao Óscar no último ano pelo seu avassalador papel em “Aftersun”) inclui-se na subscrição da Disney+ e também pode se encontra disponível nas plataformas de VOD (Rakuten, etc) .

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Um filme sobre família, luto e abertura emocional, “Desconhecidos” explora habilmente os confins da mente do seu protagonista. Passível de ser descrita como uma fantasia de pendor queer (e que explora o que é ser queer ao longo das décadas – dos anos 80 até aos dias de hoje), a obra promete reviravoltas sucessivas e conversas francas e inesperadas. Andrew Scott lidera como Adam, um argumentista com uma existência solitária que um dia recebe a visita inesperada de um belo vizinho misterioso, Harry (Paul Mescal).

All of Us Strangers
Andrew Scott e Paul Mescal em “Desconhecidos”. Photo Courtesy of Searchlight Pictures. © 2023 Searchlight Pictures All Rights Reserved.

Narrado mantendo uma enorme fidelidade à perspectiva de Adam (Scott), “All of Us Strangers” explora o trauma profundo, amor, solidão e paixão como emoções indissociáveis. Ao mesmo tempo que conhece Harry e o acolhe na sua rotina quotidiana, dando uma hipótese ao amor, Adam procura conciliar uma perda nunca ultrapassada: na casa dos 40, a morte dos pais durante a época natalícia, durante a sua infância, continua a não lhe dar tréguas e a mergulhá-lo numa profunda solidão imutável.




Decidido a honrar a memória dos seus pais através da escrita e procurar respostas no passado, o nosso protagonista visita a casa onde cresceu e é aqui que descobre que neste espaço é capaz de voltar a falar com a sua mãe (Claire Foy) e com o seu pai (Jamie Bell). De carne osso, palpáveis e presentes, estas duas personagens vivem congeladas na casa de família. Pararam no tempo, inalteradas e com consciência do mundo reduzida desde a sua morte. Fantasmagóricas, se apenas levemente.

Andrew Heigh
Jamie Bell, Andrew Scott e Claire Foy em ALL OF US STRANGERS © 2023 Searchlight Pictures All Rights Reserved.

É com alegria que o nosso protagonista acolhe esta intromissão surreal do passado no presente e com ingenuidade assumimos (ou corremos o risco de assumir) que o reencontro é a mais relevante matéria de que se ocupa este “Desconhecidos“.

Mas no seu âmago, “Desconhecidos” é tanto um filme sobre ausências como presenças, uma obra que sabe colocar o dedo na ferida e examinar a solidão profunda que se origina nos contextos onde a pertença social fica aquém (e porquê). A longa-metragem de Andrew Haigh explora o trauma de uma forma quase visceral: de lágrimas a sentimento de mau estar, as pessoas mais sensíveis não conseguirão terminar esta obra sem sentir tanto profunda empatia quando sofrimento palpável.

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E se qualquer um de nós, todos estes estranhos que percorrem o planeta à procura de elos fortes, se pode emocionar com o filme, esta é uma história que irá marcar particularmente a comunidade LGBTQIA+. Com habilidade notável, e através do retrato da relação de Adam e Harry, Haigh preenche os vazios e processos de auto-censura originados pela rejeição sucessiva de pessoas queer – por parte dos seus pares e familiares. Enquanto Adam, a pessoa mais velha nesta relação, se isola com medo do julgamento e da ameaça real do HIV que pendeu sobre a sua juventude; Adam, mais jovem, é liberto e corajoso. Todavia, há uma mesma melancolia em si, um mesmo processo de negociação perante um núcleo familiar que o aceitou, mas nunca de forma plena.




Os diálogos íntimos entre estas duas personagens são belíssimos, francos e relacionáveis. Na privacidade do apartamento de Adam, vêmo-los a entregarem-se ao tão importante contacto humano que se torna escasso. Observamos tonalidades de cores belas, azuis e roxos que se tornam hipnóticos e dois protagonistas filmados como Adonis. Em particular o Harry de Mescal, claro está, aqui o símbolo do desejo.

Desconhecidos 2023
Paul Mescal e Andrew Scott em DESCONHECIDOS | © 2023 Searchlight Pictures All Rights Reserved.

Uma obra que nunca deixa de se afirmar como pessoal, “Desconhecidos” chegou ao ponto de ter sido filmado na casa de infância de Andrew Haigh. O elenco, mínimo, é composto por apenas quatro intérpretes – todos eles nomes irrepreensíveis se pensarmos em talento britânico e irlandês. Ninguém aqui desilude, mas Andrew Scott, Paul Mescal e Claire Foy são particularmente memoráveis. A escala é tudo e “All of Us Strangers” desenha intimidade como poucas obras no cinema são capazes.

Também nos arrasa como poucos filmes seriam capazes. A cena que fecha a narrativa é quase perfeita e, não fosse o filme tão devastador, mereceria ser revista e dissecada. Convidamos-vos também a ouvir a música “The Power of Love” sem daqui para a frente a associar às sequências mais intensas de “Desconhecidos”.

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Por mais surreal que este drama fantástico se torne à medida que a história progride, a intenção de “All of Us Strangers” é evidente e sincera: já dizia o magnífico episódio de “BoJack Horseman”, “Fish Out of Water”, ““In this terrifying world, all we have are the connections that we make”. Tudo o que temos são as nossas ligações. E se encontrar amor e pertença pode parecer difícil, quase dantesco, arriscar e estar presente vale sempre a pena. Abraçar a incerteza da vida, enfrentar o trauma sem deixar que nos imobilize. Tudo isto vale a pena para Adam, que pelo final deste martírio filmado nos parece uma personagem mais robusta e preparada para progredir.

Paul Mescal Desconhecidos
© Paul Mescal em ALL OF US STRANGERS | © 2023 Searchlight Pictures All Rights Reserved.

Que belo drama, que invulgar e corajoso drama nos é aqui apresentado. Que jornada introspectiva e poderosa, onde amor, perda e reconquista identitária se edificam!

“Desconhecidos”, com Andrew Scott e Paul Mescal, chegou ao streaming (finalmente). Prevemos que este venha a ser um dos filmes mais marcantes a descobrir em 2024!

Desconhecidos, a Crítica
Andrew Scott All of us strangers

Movie title: Desconhecidos

Movie description: O romance entre um escritor solitário e o seu vizinho misterioso colide com recordações de infância.

Date published: 26 de March de 2024

Country: Reino Unido

Duration: 105'

Author: Taichi Yamada, Andrew Haigh

Director(s): Andrew Haigh

Actor(s): Andrew Scott, Paul Mescal, Claire Foy, Jamie Bell

Genre: Drama, Romance, Fantasia

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  • Maggie Silva - 85
85

CONCLUSÃO

A memória é um dos nossos mais valiosos redutos, mas não se pode sobrepor ao aqui e agora. O trauma, essa presença fantasmagórica que nos impede de agir, deve ser enfrentado mas nunca menosprezado.  Quando perdemos alguém muito importante, parte de nós fica também incompleta e, ao contrário da crença comum, o tempo não cura tudo. Andrew Haigh recupera, com “Desconhecidos”, esse pedaço de alma perdida e cria um mundo cheio de hipóteses.

Pros

  • Quatro prestações preenchem um espaço cénico que poderia de outra forma parecer vazio ou limitado – não fossem as suas presenças tão marcantes e inesquecíveis. Scott, Mescal, Foy e Bell são um casting em verdadeiro estado de graça;
  • A beleza para lá da melancolia que parece ameaçar engolir-nos em “All of Us Strangers”;
  • A capacidade de criar uma tensão que não dá tréguas e que desestabiliza, mais e mais, cena após cena, até se tornar quase asfixiante.

Cons

  • Hoje em dia utiliza-se muito o termo “Trauma Porn“. Isto na linguagem de internet. Remete-nos para a ideia de que certas obras – fílmicas, literárias, etc, são propositadamente tristes para provocar um efeito tremendo em quem vê ou lê. Tristeza como fim por si só. Embora consideramos que “Desconhecidos” tem apontamentos de otimismo relevantes, para quem os procure, o tom do filme tem o potencial para ser rejeitado por uma quantidade simpática do seu público. Não é uma visualização fácil, nunca poderia ser.
  • Não termos tido a possibilidade de ver este claustrofóbico e devastador drama no grande ecrã. Lá se esperou pela temporada de prémios e, na ausência de nomeações a Óscares (apesar das indicações a inúmeros BAFTAS e outros), vimos este belo filme relegado para o streaming…
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