Filmes portugueses | A nova e boa colheita de 2025
Entre música indie na serra, biopics cabo-verdianos e thrillers em modo selfie, os novos filmes portugueses apresentados nos Encontros do Cinema Português 2025 provam que talento não falta. Já o público… será que está disponível para os ver? Haverá público para tanto filme português? Será que alguém vai ver estes filmes fora dos festivais?’
Dizem que o cinema português está em crise. Que há demasiados filmes e poucos espectadores. Que a crítica aplaude, mas a plateia foge. Verdades duras, mas não únicas. Porque quando a família se junta, como aconteceu nos Cinemas NOS Vasco da Gama para a 10.ª edição dos Encontros do Cinema Português, realizados há poucos dias, quase sempre há zangas, temos choradeira sobre subsídios, debates acesos sobre o futuro, estudos sobre as causas e problemas, mas também respira-se qualquer coisa parecida com esperança, com uma mão cheia de filmes que prometem dar que falar. E, convenhamos, com uma pitada de loucura criativa também, diga-se de passagem.
VÊ TRAILER DE “AS MENINAS EXEMPLARES”
Filmes portugueses 2025: Fantasmas na serra e meninas exemplares
Assim, abrimos com “Degelo”, uma espécie de delírio alpino-pop de Ricardo Oliveira, com os Capitão Fausto em versão ficcional. A banda refugia-se na Serra da Estrela e de lá saem dramas existenciais, música original e possíveis fantasmas. Um filme ainda em acabamento, mas já com muita pinta ou pelo menos muita ambição. Tomás Wallenstein até disse que ‘os personagens podiam ser eles noutra realidade’. Digamos que se o filme for metade do charme da banda, estamos bem servidos.
Do outro lado do espectro criativo, o veterano mas sempre muito activo João Botelho apresentou “As Meninas Exemplares”, uma espécie de cruzamento entre literatura oitocentista e a arte inquieta de Paula Rego. É para todas as idades, será exibido por escolas, e conta com atrizes como Rita Blanco e Margarida Marinho. Ah, e vem com exposição educativa incluída. O Botelho não brinca em serviço (público), nem quando se trata de formar espectadores à força de projeções.
Filmes portugueses 2025: Sara Matos e a revista à portuguesa
Porém, o grande trunfo popular parece ser “O Pátio da Saudade”, uma comédia de Leonel Vieira que promete arrancar gargalhadas, sorrisos nostálgicos e, quem sabe, muitos bilhetes vendidos. Sara Matos herda um teatro e tenta salvá-lo da especulação imobiliária montando… uma revista à portuguesa. Está tudo dito. Ganhou o Prémio Canal Hollywood e estreia já em agosto. Com justiça e um cartaz vistoso, pode mesmo atrair o tão desejado ‘público generalista’.
Filmes portugueses 2025: Novas vozes, novas ousadias
Entre as estreias na realização, há surpresas e ousadias. “Amanhã Já Não Chove”, de Bernardo Lopes, mergulha no Algarve interior e nas tensões raciais e familiares. “Cativos”, de Luís Alves, é um thriller claustrofóbico à la Polanski. E “Match”, de Duarte Neves, é sobre um homem viciado em Tinder que questiona toda a sua masculinidade. A produção é de Ruben Alves, que aproveitou o palco para lembrar: ‘Escreve-se cinema antes de o filmar.’ Verdade. Já Pedro Ramalhete com “Óculos de Sol Pretos” fez uma comédia ‘romântica farsesca’ sobre o próprio ato de fazer cinema. E Tânia Teixeira, em “Caronte”, dá-nos um poema visual no Douro, embalado por música de JP Simões. Tão contemplativo quanto promissor.
Filmes portugueses 2025: Documentários com coração e cabeça
Nos documentários, Miguel Gonçalves Mendes revela o lado íntimo e errante de Valter Hugo Mãe em “De Lugar Nenhum”, com mais uma produção de Fernando Meirelles e depoimentos de Mia Couto e Lídia Jorge. “Querido Mário”, de Graça Castanheira, constrói uma história de amor e resistência a partir das cartas entre Maria Barroso e Mário Soares. Ainda vimos excertos de “18 Buracos para o Paraíso”, drama burguês de João Nuno Pinto com Beatriz Batarda e novamente com Margarida Marinho, em modo incêndios no interior de Portugal. E “Projeto Global”, de Ivo M. Ferreira, que promete ser o épico político do ano sobre as FP25, com estreia apontada para o simbólico 25 de novembro.
Filmes portugueses 2025: Cesária, Coimbra e a guerra
Além disso, há também também “Sodade”, biopic de Cesária Évora filmado em Cabo Verde realizado por Hugo Diogo. E “A Memória do Cheiro das Coisas”, de António Ferreira, que nos leva a cheirar — sim, cheirar — Coimbra. Ausência notadas forma a de produtores como Paulo Branco ou Ana Pinhão Moura, que também têm certamente cartas na manga para estrear nos próximos tempos, bem com o pitch de “Asas”, a segunda longa-metragem de ficção de Ana Rocha de Sousa, depois de “Listen”, agora com o tema da Guerra da Ucrânia em fundo. Temos ainda previstas, infelizmente só para a rentrée ou seja em principio Outubro ou Novembro as estreias de “Entrocamento”, de Pedro Cabeleira e de “O Riso e a Faca”, de Pedro Pinho, que brilharam no último Festival de Cannes 2025, e que tiveram também os seus pitch nos 10º Encontros de Cinema Português.
VÊ TRAILER DE “A MEMÓRIA DO CHEIRO DAS COISAS”
Filmes portugueses 2025: E agora, quem os vê?
Assim, entre estreias arrojadas, obras intimistas e experiências formais, a colheita de filmes portugueses para 2025 está pronta. Só falta colher público. Fará sentido que se continue a dizer que o problema é o ‘desinteresse’? Ou precisamos de mudar a forma como comunicamos, promovemos e mostramos o que fazemos? Seja como for, talento não falta. Histórias também não. E quem sabe se a próxima grande surpresa do cinema português não está aqui, escondida entre fantasmas, revistas à portuguesa e paixões no Tinder.
JVM