"Olive Kitteridge" valeu um Emmy a Frances McDormand | © HBO Portugal

Frances McDormand | Perfil de uma Atriz Oscarizada

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Frances McDormand é uma gigantesca veterana da indústria cinematográfica com talento para dar e vender. Das suas colaborações frequentes com os irmãos Coen até à vitória recente do segundo Óscar em 2018, recuperamos o perfil desta artista por ocasião do seu 63º aniversário esta semana. 

Entre os nomes que mais longevidade têm no mundo do cinema, e em particular nomes no feminino que têm vindo a carregar filmes às costas como protagonistas ao longo dos anos, Frances McDormand é sem dúvida uma figura que salta à vista. Vitoriosa em frentes múltiplas, entre as suas muitas distinções contam-se dois Óscares (cinema), dois Emmys (televisão) e um Tony (teatro). Estas credenciais deixam-na a um passo do invejável EGOT  – só falta o Grammy – uma conceituada posição que poucos atores conseguiram até agora atingir. Entre as atrizes que chegaram a este nível de reconhecimento  – “a tripla coroa da representação” – contam-se nomes como Lize Minnelli, Rita Moreno, Audrey Hepburn ou Maggie Smith.

Frances McDormand nasceu a 23 de junho de 1957 em Gibson, no Estado de Illinois e foi adoptada por pais canadianos que a criaram nos Estados Unidos da América.Na juventude completou estudos universitários ao nível da licenciatura na Bethany College e prosseguiu com um Mestrado de Artes em Yale. Foi no teatro, como tantos artistas, que começou e manteve essa paixão ao longo de toda a sua carreira. A sua estreia na Broadway aconteceu em 1984, aos 27 anos, em “Awake and Sing!”, num papel que lhe valeu desde logo uma nomeação a um Tony embora só viesse a vencer um em 2011 por “Good People”.

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Blood Simple Sangue por Sangue
Frances McDormand em “Sangue por Sangue” (1984) |©The Criterion Collection

Foi precisamente quando a sua carreira no Teatro começou a mostrar notoriedade que a carreira no cinema acompanhou esse movimento. Há que reconhecer uma vez ais o quão extraordinária e atípica foi a evolução de Frances McDormand. É frequente na carreira de um ator começar com pequenas participações em séries com papéis secundários, algumas falas num filme mais reconhecido aqui ou ali. Nada disso aconteceu para Frances, que começou a sua carreira no cinema – este é o seu primeiro crédito!! – como co-protagonista de “Blood Simple” (1984) dos irmãos Coen. Foi aí que iniciou a sua prolífica colaboração com estes realizadores que nesta altura estavam também no final da casa dos 20 a dar os seus primeiros passos. Aliás, esta foi a primeira longa-metragem realizada por Joel Coen, com Ethan Coen não creditado na altura como co-realizador mas posteriormente reconhecido como tal.

Foi neste set que Frances McDormand conheceu Joel Coen, com quem viria a casar nesse mesmo ano e com quem mantém ainda um casamento estável e sem reflexão nos tablóides que apenas é pertinente por ter impulsionado uma preciosa de relação realizador-musa que viria a levar Frances para outros papéis marcantes já depois deste “Sangue por Sangue”. Esta primeira longa dos irmãos Coen foi já editada por múltiplas vezes e é um sucesso inegável para o arranque desta carreira em parte partilhada pelos três. Em “Blood Simple”, um noir criminal empolgante, um homem rico contrata um investigador privado para matar a sua mulher infiel e o respetivo amante. Contudo, nada é simples quando o sangue está envolvido… Frances destacou-se com esta obra e só cresceu exponencialmente a partir daí.




A PRIMEIRA NOMEAÇÃO AO ÓSCAR COM “MISSISSIPPI EM CHAMAS” 

Na década de 80 foi continuando o seu trabalho com os Coen, quer em obras por eles realizadas ou escritas até chegarmos, em 1988, à sua primeira nomeação para um Óscar de Melhor Atriz Secundária no drama histórico “Mississippi Burning” ou “Mississipi em Chamas” de Alan Parker (“Evita”), drama responsável precisamente pela generalização da sua fama na indústria.

Nesta obra poderosa mas aparentemente pouco factual sobre ativismo cívico Frances é Mrs. Pell, a mulher de um xerife que é também membro do KKK. Apesar de esta ser uma personagem secundária sem dúvida não deixou de se pautar por intervenções incisivas e algumas das melhores frases do argumento, o que em muito contribuiu para esta nomeação. O papel de Frances McDormand pautou-se acima de tudo por uma discreta lógica evolutiva que se marca pela criação de uma personagem que se sente real e palpável. Uma dona de casa submissa que se vê dividida entre tudo o que conhece e um caminho diferente.

Frances McDormand Mississippi em Chamas
“Mississippi em Chamas” | ©MGM

Chegada a década de 90 vemos Frances a reforçar o seu estatuto de atriz de renome colaborando com nomes como Ken Loach (“Eu, Daniel Blake”) na obra “Agenda Secreta” – vencedora do Prémio do Júri em Cannes – ou a co-protagonizar mais  uma obra de Sam Raimi (“Até ao Inferno”), desta vez com “Vingança Sem Rosto” (1990). Para quem tenha interesse numa curiosidade adicional, na década de 80 os irmãos Coen, Frances. Sam Raimi e Holly Hunter chegaram a dividir uma casa no Bronx, Nova Iorque.




UMA HEROÍNA COM “H” GRANDE 

Heroínas Marge
Frances McDormand em “Fargo ” (1996) |©Twentieth Century Fox

Com uma primeira metade dos anos 90 menos forte chegamos em 1996 a um papel que definiu e ainda define a carreira bem sucedida de Frances McDormand, Marge Gunderson em “Fargo” (1996), também dos irmãos Coen. Por Marge foi nomeada ao Óscar pela primeira vez na categoria principal de Melhor Atriz e levou mesmo a estatueta dourada para casa. Na lista do AFI – American Film Institute – Marge ficou em 33º lugar na sua celebração de “100 anos dos melhores heróis e vilões do grande ecrã”.

Como uma agente da polícia grávida numa pequena localidade remota, sempre resoluta e ponderada, a Marge de Frances McDormand não é uma personagem explosiva mas é incrivelmente poderosa e marcante, subversiva até. Há algo de transcendente na forma como entrega as suas frases finais do filme. Para uma comédia criminal muito centrada na gratificação imediata do espectador “Fargo” acaba com Marge numa reflexão profunda e sentida, que Frances transmitiu com tal nível de perfeição que parecia transportar às costas todos os males da natureza humana. Sim, “Fargo” procura doutrinar moralmente no seu final mas a entrega de Frances tudo sublima neste desfecho: “And for what? For a little bit of money. There’s more to life than a little money, you know (…) And here you are. And it’s a beautiful day.” 




2000: QUASE FAMOSOS E WONDER BOYS – PRODÍGIOS

Frances McDormand em Almost Famous
Frances McDormand como Elaine Miller |©Dreamworks LLC

E se este é o perfil de uma atriz oscarizada não podemos ignorar nenhum dos 5 papéis que lhe valeram uma nomeação. Com “Quase Famosos”, de Cameron Crowe, Frances McDormand chegou à sua terceira nomeação, uma vez para Melhor Atriz Secundária depois da vitória recente na categoria principal de representação. O californiano Cameron Crowe é um dos mais bem-sucedidos cineastas que se dedicam à criação de personagens realistas, frequentemente associado a obras agri-doce onde a comédia e o drama se encontram. Na sua filmografia contam-se títulos como a referência absoluta do filme adolescente “Não Digas Nada” – “Say Anything” no original – ou este “Quase Famosos”, “Almost Famous” em inglês.

Na obra Frances McDormand dá vida a Elaine Miller, mãe do jovem protagonista William Miller (Patrick Fugit) e da carismática personagem secundária Anita Miller (Zooey Deschanel). “Almost Famous” é um filme muito especial, um dos melhores da carreira de Crowe, representando de forma quase perfeita todo o mundo que envolve a vida de uma banda de rock, desde o seu dia-a-dia na estrada, passando pelas suas interacções com a imprensa e com enfoque especial na forma como se relacionam com as jovens groupies. McDormand integra-se aqui num elenco bastante competente encabeçado no feminino  por uma maravilhosa Kate Hudson, que aqui entrega o melhor papel da sua vida  – de longe – como Penny Lane. Frances não é a melhor parte deste filme vencedor do Óscar de Melhor Argumento mas é uma presença carismática e insubstituível.Neste ano de 2000 participou ainda numa outra comédia dramática de culto, “Wonder Boys – Prodígios”, contracenando com Michael Douglas num dos papéis mais emblemáticos do ator.




 NEO NOIR COM ROGER DEAKINS E MAIS “MOMENTOS ÓSCAR” COM NORTH COUNTRY

Em 2001 co-protagonizou com sucesso mais uma obra dos irmãos Coen, talvez uma que possa ter sido algo ignorada por parte do público e crítica. No delicioso neo-noir “O Barbeiro”  – ou “The Man Who Wasn’t There”, Frances McDormand dá vida a Dottie Crane. Dottie simboliza um tempo, uma personagem-tipo, um ideal e ainda assim Frances consegue torná-la específica e interessante. Doris é alcóolica, depressiva, comete adultério, está à deriva. Isto até uma acusação de homicídio errónea criar caos na sua existência. Aí a sua personagem desloca e já não pára. Vale a pena pela prestação de Frances,  pela de Billy Bob Thornton e muitos outros grandes nomes e pela fotografia nomeada ao Óscar do grande Roger Deakins.

Frances McDormand the man who wasn't there
Frances McDormand em “O Barbeiro”| © 2001 – USA Films – All Rights Reserved

Mais um filme, mais um drama robusto, mais uma nomeação ao Óscar com “North Country“, de 2005.  O filme realizado por Niki Caro (“O Jardim da Esperança) junta um elenco de luxo composto por Charlize Theron num poderoso papel central  – que lhe valeu a sua segunda nomeação ao Óscar na categoria central  – e por um leque de outros nomes nos papéis secundários. Nomes como Woody Harrelson, Sean Bean, Jeremy Renner e, evidentemente, Frances McDormand. Nesta narrativa baseada na história verídica do primeiro grande caso de assédio sexual em ambiente do trabalho onde uma mulher venceu pela o caso Frances interpreta uma personagem forte, uma guerreira numa causa difícil e frequentemente descartada no período em que a narrativa se situa, na primeira metade dos anos 80.




DESTRUIR DEPOIS DE LER E A VIDA NUM SÓ DIA NUM PROLÍFICO 2008

Burn After Readin Coen
“Destruir Depois de Ler” | ©Focus Features

Em 2008 assinalam-se duas entradas interessantes no currículo da intérprete. Uma delas é a sua participação na comédia criminal dos irmãos Coen “Destruir Depois de Ler” (“Burn After Reading”), que lhe valeu inclusive uma nomeação aos Globos de Ouro na categoria de Melhor Atriz numa Comédia ou Musical. Apesar de este ser um filme muito pouco convencional há que admitir que tanto Brad Pitt como Frances McDormand estão perfeitos e hilariantes nos seus papéis.

Com a versatilidade em mente recordamos também o seu papel de protagonista em “Miss Pettigrew Lives For a Day” como a titular Miss Pettigrew. Aqui, em “A Vida num Só Dia”, Frances faz algo invulgar na sua carreira, lidera uma comédia romântica. É esta uma narrativa pessimista sobre recomeços, na qual encarna uma governanta de meia idade que decide aproveitar novas oportunidades na sua vida depois de ser despedida injustamente. Uma história sobre como viver não só com mais riscos como com mais recompensas numa obra realizada pelo realizador indiano Bharat Nalluri que em 2020 realizou a série “Little America”. 




AUTORES PARA QUE TE QUERO

Moonrise Kingdom
“Moonrise Kingdom” | ©Focus Features

Num leque sempre diverso de papéis Frances McDormand colaborou em 2011 com o excêntrico Paolo Sorrentino (“Juventude”) em “Este é o Meu Lugar”, e em 2012 encontrou mais um autor que se enquadra perfeitamente no seu perfil peculiar e distinto – Wes Anderson e o seu colorido acampamento em “Moonrise Kingdom”.

“Moonrise Kingdom”, realizado por Anderson e escrito por este em conjunto com Roman Coppola – com quem partilhou uma nomeação ao Óscar por este argumento original – vê Frances McDormand a contracenar com alguns dos “habituais” de Wes Anderson como por exemplo Bill Murray. Este é um papel de elenco, que não foi “feito” para brilhar individualmente, como é aliás muito frequente no trabalho de Wes. É sistemático os seus atores fazerem parte de uma criação global exuberante em que fazem parte de um puzzle maior. Frances McDormand enquadra-se perfeitamente neste puzzle.




UM SUCESSO NA FICÇÃO TELEVISIVA

good omens
Photo by Sophie Mutevelian ©Amazon Prime Video

Porque a carreira de Frances McDormand não se faz de todo apenas dos seus grandes papéis no cinema destacamos o seu papel titular na mini-série da HBO “Olive Kitteridge” (2014). Paralelamente aos seus projetos no cinema vêm os sucessos televisivos e não poderíamos nunca ignorar esta narrativa adorada pela crítica que lhe valeu um Emmy, uma nomeação ao Globo de Ouro, Um Screen Actor Guild Award e muitas outras distinções. Aliás, esta foi a sua primeira vitórias nos Prémios Emmy – depois de uma nomeação em 1997 – num sucesso que a deixou um passo mais próxima do ambicioso EGOT – vitória do Óscar, Tony, Emmy e Grammy- Só lhe falta editar um álbum de um filme ou narrar um audiobook…

Falando de Olive Kitteridge”, esta série premiada  – que junta Frances a nomes como Richard Jenkins ou uma vez mais Bill Murray – acompanha a vida de um casal ao longo de 25 anos. Frances é magistral num papel que transforma o banal em extraordinário e que pode ser visto na HBO Portugal. São apenas 4 episódios  de um conteúdo adaptado de um romance vencedor de um Pulitzer, nomeado a 13 Prémios Emmy, que valem bem a pena!




TRÊS CARTAZES E UM SEGUNDO ÓSCAR 

Frances McDormand
“Três Cartazes à Beira da Estrada” (2017) |©20th Century FOX Portugal

Uma força da natureza, uma mãe em agonia, uma justiceira cujo desespero transpira da tragédia popular. “Três Cartazes à Beira da Estrada” ou  “Three Billboards Outside Ebbing, Missouri” foi um dos filmes mais populares dos Óscares de 2018 e a mensagem poderosa dos seus cartazes foi aplicada, na vida real, a múltiplas ocorrências e com uma forte componente de crítica relativa à inacção política em relação a diversos assuntos. Aqui representa uma mãe que perdeu uma filha, raptada e assassinada por um criminoso que continua por identificar até a feroz Mildred agitar a sua pequena localidade com uma acção fora do comum, chamando a atenção das forças policiais locais e da comunicação social.

“Três Cartazes à Beira da Estrada” tem uma linha narrativa central poderosa mas cai em diversos lugares comuns. O polícia racista redimido é talvez o mais pecaminoso dos pecados do filme. Sendo uma obra imperfeita há que destacar mais uma heroína moderna aqui interpretada por Frances McDormand. Aquando da vitória do Óscar a atriz, honesta por defeito, defendeu que já tinha tido a oportunidade de brilhar no passado, dedicando antes este prémio ao jovem talento apesar de reconhecer a distinção. Modéstia à parte Frances competia com algumas das grandes prestações desse ano como Margot Robbie por “Eu, Tonya” ou Sally Hawkins por “A Forma da Água”, este último o filme que levou a distinção principal da noite. Não obstante, a apreciação pela Mildred de Frances é quase consensual, reconhecendo-se aqui um dos seus melhores papéis. A obra pode ser alugada em diversas plataformas nacionais e está por exemplo disponível em 4k na Apple Tv. 




O PRESENTE E O FUTURO DE UMA BRILHANTE JORNADA 

The French Dispatch Poster
Poster Oficial de “The French Dispatch” (2020) |©Searchlight Pictures

Que se afaste Morgan Freeman pois em 2019 foi Frances McDormand que deu voz a deus na irónica série “Good Omens”- presente na plataforma “Prime Video” da Amazon. Já em 2020 estará de regresso com mais um papel num filme de Wes Anderson com “The French Dispatch”. Apesar desta obra não ter estreado em Cannes como era previsto – o COVID-19 trocou as voltas à promoção do filme – esperamos ver esta pitoresca narrativa nas salas em 2020, como está aliás previsto.

Ainda em 2020 verá estrear “Nomadland”, em que dá vida a uma mulher na casa dos 60 que se procura reinventar através de uma grande viagem. Já em 2021 protagonizará “Lady Macbeth” numa obra que não entrou ainda em fase de pré-produção e que será realizada pelo seu marido de 36 anos, Joel Coen.

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