A 22ª edição do Festival de Animação de Lisboa – A MONSTRA decorreu entre os dias 15 e 26 de março, e contou com o Japão, um dos maiores produtores de animação do mundo, como país convidado. A oportunidade de revisitar o catálogo do Estúdio Ghibli passou pela única colaboração do estúdio com a Europa, na forma do belíssimo “A Tartaruga Vermelha”.
Com o Japão como país convidado, em 2023, a MONSTRA dedicou uma das suas selecções de longas-metragens ao Legado do Estúdio Ghibli. Embora esta não tenha sido, infelizmente, uma retrospectiva completa do estúdio, permitiu-nos ver ou rever seis obras de referência, da autoria de vários autores, tais como: Isao Takahata, Hayao Miyazaki, Goro Miyazaki ou Michael Dudok de Wit – este último o realizador de “The Red Turtle” e o único realizador ocidental que colaborou, numa longa, com este lendário estúdio japonês.
Além de ser uma prazer ver esta obra numa sala de cinema, a sessão que decorreu na 22ª edição da MONSTRA contou com outra vantagem imperdível: a presença, em sala, do realizador e co-argumentista desta longa-metragem, Michael Dudok de Wit. No início da sessão, o realizador holandês enquadrou na perfeição o “como” da criação desta obra, segundo ele a sua própria versão do conceito de “O Náufrago”, uma que havia imaginado desde a infância e assente na nossa relação com o meio natural.
Michael Dudok de Wit falou também, brevemente, acerca do processo de criação do filme, bem como sobre o primeiro contacto por parte do afamado estúdio japonês. Até então apenas realizador de curtas, foi o Estúdio Ghiblique sugeriu a parceria, em colaboração com a francesa Wild Bunch. Inclusive, o co-fundador, Isao Takahata (“O Túmulo dos Pirilampos”, “O Conto da Princesa Kaguya”,), conhecido pela sua diversidade de estilos de animação utilizados, cooperou aqui como produtor/consultor artístico.
E embora “A Tartaruga Vermelha” tenha um estilo de animação marcadamente europeu, não tivesse sido animada por um conjunto de artistas maioritariamente franceses, belgas e holandeses, a verdade é que, em termos de coincidência temática, “The Red Turtle”, um filme ambientalista e reflexivo, encaixa perfeitamente no catálogo Ghibli, mesmo sendo o seu único filme não-japonês em colaborações e estilo de animação.
A casa Ghibli quis cooperar com Michael Dudok de Wit depois de ver a sua curta “Father and Daughter”, tragicamente bela e quase perfeita, a qual foi, aliás, exibida já em várias sessões da MONSTRA. A partir desta curta vencedora do Óscar em 2001 surgiu a paixão pelo trabalho de De Wit em terras nipónicas, até, em 2016, lançarem em conjunto esta bela “La Tortue Rouge”, uma obra, à semelhança de “Father and Daughter”, também ela centrada em afetividades, relações familiares, amor e contemplação.
Tal como “Father and Daughter”, também “A Tartaruga Vermelha” dispensa a utilização de diálogos, expressando-se através de olhares e gestos com perfeita capacidade de provocar devastação emocional. Esta é a história de um homem naufragado numa distante ilha deserta, onde a sua grande companhia é um grupo de caranguejos. Este homem constrói uma pequena embarcação a partir de troncos de árvore, de forma a tentar fugir. Todavia, uma tartaruga vermelha impede-o de fugir, destruindo a embarcação uma e outra vez.
Depois de reagir com ira aos atos da tartaruga, o nosso protagonista procura expiar os seus atos de barbaridade. Quanto à natureza, apesar de por vezes se vir a mostrar impiedosa, não deixa de lhe oferecer também benevolência e até a hipótese de uma vida diferente, longe do reino dos ‘homens’, mas onde o amor e companheirismo não deixam de ser valores basilares.
“The Red Turtle” pode ser interpretado de várias formas, a ausência de diálogos e a ambivalência da evolução de eventos permite-nos ler vários significados ao longo da progressão da narrativa. Podemos escolher uma via mais literal e uma outra assente em realismo mágico ou, quiçá, em pura fantasia. Quer sejamos mais ou menos sonhadores, a beleza esmagadora da obra é inegável, bem como a sua satisfatória quietude, que nos pede para abandonar tudo e abraçar os valores humanos mais fundamentais.
A MONSTRA 2023 voltou a marcar presença em Lisboa entre os dias 15 e 26 de março de 2023. Que longas-metragens tiveste a oportunidade de ver?
A Tartaruga Vermelha, em análise
Movie title: A Tartaruga Vermelha
Movie description: Através da história de um homem naufragado numa ilha tropical habitada por tartarugas, caranguejos e pássaros, “A Tartaruga Vermelha” relata os marcos na vida de um ser humano.
Date published: 29 de March de 2023
Country: Japão, França
Duration: 80'
Author: Pascale Ferran, Michael Dudok de Wit
Director(s): Michael Dudok de Wit, Barbara Beretta, Baptiste Goy
“A Tartaruga Vermelha” é a única produção não-nipónica no catálogo do Estúdio Ghibli. E por muito diferente que pareça, à primeira vista, este filme mune-se da mesma quietude e deferência pela natureza que encontramos noutros títulos desta grande casa da animação.
Pros
A deslumbrante animação no estilo francês/belga;
A natureza contemplativa;
As várias leituras possíveis.
Cons
Quiçá se torne um pouco arrastado em momentos ocasionais, mas para o olho treinado ao ritmo europeu, estes momentos apenas valorizam mais a obra.
Comunicadora de profissão e por natureza. Dependente de cultura pop, cinema indie e vítima da incessante necessidade de descobrir novas paixões.
Campeã suprema do binge watch, sempre disposta a partilhar dois dedos de conversa sobre o último fenómeno a atacar o pequeno ou grande ecrã.