©Queer Lisboa

Queer Lisboa ’23 | Blue Jean, a Crítica

Na 27º edição do Queer Lisboa, e mais especificamente a 27 de setembro, “Blue Jean”, o primeiro esforço de Georgia Oakley no campo das longas, chegou a solo português depois de dezenas de passagens por festivais e após a estreia, há mais de um ano, em Veneza. 

Lê Também:   Queer Lisboa ’23 | Peafowl, a Crítica

Drama histórico de prestígio, “Blue Jean” chegou no final de setembro à capital portuguesa, e à Competição de Longas-Metragens do Queer Lisboa, já com créditos acumulados ao longo do seu trajeto – de uma nomeação ao BAFTA para melhor estreia em realização, escrita ou produção (Hélène Sifre – produção; Georgia Oakley – realização) a 9 nomeações nos British Independent Film Awards e vitórias nas categorias de Melhor Performance Principal (Rosy McEwen), Melhor Performance Secundária (Kerrie Hayes) e Melhor Primeiro Argumento para Oakley.

Blue Jean Queer
©Film Constellation

Acompanhamos a história de Jean (uma fenomenal Rosy McEwen), professora de educação física lésbica que, perante o regime de terror do governo de Thatcher, vê a sua vida profissional e pessoal quase a ruir com o medo da exposição. Isto perante um contexto histórico sufocante e muito específico – a Inglaterra de 1988.

Are your children being taught traditional moral values?

(Estão a ensinar, às suas crianças, valores morais tradicionais?

 Anuncia, ao fundo no enquadramento, uma publicidade institucional numa parede igual a tantas outras.

A longa britânica “Blue Jean” parece seguir, pelo menos no seu arranque, a sugestão da veia do realismo britânico existente nesta época, da luz naturalista  às temáticas coincidentes (embora se desprenda da âncora do realismo e, progressivamente, se venha a pautar por uma montagem mais frenética, cortes mais rápidos e iluminação mais estilizada).

Como obra, tem um clima desolador, pintando um retrato do Reino Unido de Margaret Thatcher como uma sociedade de vigilância e bons costumes a roçar o distópico. Aqui, novamente pedindo emprestados temas do realismo, mune-se de uma exploração forte do contexto sócio-político, examinando em particular matérias associadas a conservadorismo e políticas de género/ sexualidade.

Lê Também:   Queer Lisboa ’23 | Regra 34, a Crítica



Retrata a experiência forçada de armário na Inglaterra do final dos anos 80, onde o único espaço verdadeiramente colorido, lírico e musical é o bar lésbico (e os espaços privados da protagonista, como o seu carro). Todavia, até nos seus refúgios existe o perigo de “ser descoberta”.

Este é um olhar crítico sob um passado opressivo (recente) que nos recorda de uma verdade basilar: tal como com a “New Clause” ou “Clause 28” (que proibiu a “promoção da homossexualidade” em contexto escolar) destes tempos, os direitos LGBTQIA+ nunca estão garantidos. Este objecto fílmico reforça e incentiva a luta. E embora seja bastante direto e pouco subtil, ser subtil pode não ser potencialmente o que esta história necessidade.

Preocupamo-nos com a perpetuação da família heterossexual como a base da sociedade civilizada,

é o tipo de frase desconcertante que podemos ouvir ao longo de “Blue Jean”, vinda da boca dos representantes políticos eleitos. Mas em quantos lugares do mundo esta frase aparentemente anacrónica pode ainda ser ouvida?
Rosy McEwen, Kerrie Hayes, Amy Booth-Steel Stacy Abalogun Queer
©Film Constellation

A culpa, a vergonha, a dúvida, são questões bem exploradas neste “Blue Jean”. A paranóia persiste e a banda-sonora faz um trabalho interessante neste aspecto – por vezes, sentimo-nos quase a assistir a um thriller.Tenso, “Blue Jean” foca-se muito em micro expressões (e planos fechados de rosos) e em micro agressões. Tudo aquilo que fica por dizer. A corporalidade  ocupa também uma função cimeira, não fosse o filme sensual do início ao fim.

Lê Também:   Queer Lisboa ’23 | Anhell69, em análise

Povoado por vários clichés (e por diálogos onde falta alguma subtileza), “Blue Jean” não deixa de ser uma representação muito válida de um tempo: a era da SIDA, da perseguição à comunidade Queer, de uma obsessão pelo retorno a valores antiquados.

De relações familiares aos ataques no contexto profissional, a espiral pela qual Jean é sugada é trágica e, à medida que a história progride, algumas sequências tornam-se menos realistas e mais ornamentadas e subjectivas, isto à medida que a ansiedade vai escalando.




Lê Também:   Queer Lisboa ’23 | O Estranho, a Crítica

Certos eventos de “Blue Jean” são um verdadeiro murro no estômago, nesta cápsula temporal perversa, que evoca a crueldade humana. No Reino Unido, há muito que não havia uma nova lei explicitamente homofóbica antes da nova regra de Thatcher. Não obstante, a mentalidade de manada é forte, prevalece e aqui mostra toda a sua fealdade.

Esse retrato marca o filme do início ao fim, mas Georgia Oakley não se esquece de  dar espaço, vital, à representação da ‘queer joy’ que sobrevivia, para lá de portas fechadas, mesmo no olho do furacão.

Por fim, “Blue Jean” conquista com a sua humanidade.

TRAILER | BLUE JEAN NO QUEER LISBOA

Blue Jean, em análise
Blue Jean Queer Lisboa Comopeticao

Movie title: Blue Jean

Movie description: Inglaterra, 1988 – O governo conservador de Margaret Thatcher está prestes a aprovar uma lei que estigmatiza gays e lésbicas, obrigando Jean, uma professora de educação física, a viver uma vida dupla. À medida que a pressão aumenta de todos os lados, a chegada de uma nova rapariga à escola catalisa uma crise que vai desafiar Jean profundamente.

Date published: 5 de October de 2023

Country: Reino Unido

Duration: 97'

Author: Georgia Oakley

Director(s): Georgia Oakley,

Actor(s): Rosy McEwen, Kerrie Hayes, Lucy Halliday

Genre: Drama, Histórico, LGBTQIA+

[ More ]

  • Maggie Silva - 80
80

CONCLUSÃO

“Blue Jean” é um empático retrato das consequências da homofobia institucionalizada e legitimada pelos poderes instaurados (que assim se dissemina de cima para baixo).

Progressivamente tenso, é capaz de mergulhar quem vê num estado de paranoia (e revolta) mais que justificado.

Pros

  • Relações bastante humanas e representações astutas dos limites pérfidos do nosso instinto de sobrevivência.
  • Reconstrução histórica sólida.
  • Vertigem progressiva que nos faz, pouco a pouco, abandonar a estética realista.
  • Depeche Mode aos altos berros no carro.
  • A sensação de desconforto, algures entre a distopia e o thriller.
  • O retrato de dilemas morais quase impossíveis de resolver (ou ultrapassar) perante situações limite.
  • A fortíssima prestação central de Rosy McEwen.
  • O teor atemporal da ameaça do conservadorismo.

Cons

  • Diálogos muito diretos que não deixam as ideias respirar e chegar até nós ainda não totalmente formadas.
  • As personagens heteronormativas conseguem ser algo caricaturais na sua perversidade.
Sending
User Review
0 (0 votes)

Leave a Reply