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Queer Lisboa ’23 | Cantando en las Azoteas, a Crítica

“Cantando en las Azoteas”, um drama híbrido, competiu no Queer Lisboa 2023, no âmbito da Competição de Documentários. Narra a história da mais sénior Drag Queen de Barcelona – Gilda Love.         

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Docudrama que dignifica, exibido no decurso da edição de 2023 do Queer Lisboa, “Singing on the Rooftops” (no seu nome em inglês para distribuição internacional), é uma obra catalã, assinada por Enric Ribes, indicada a Melhor Documentário nos Prémios Gaudí 2023 (da Academia de Cinema Catalã) ou ainda previamente projetada no Sheffield DocFest 2022.

Enric Ribes/Gilda
©Queer Lisboa/ IniciaFilms

A longa-metragem exibida no Queer Lisboa, que vem expandir e aprofundar a mesma temática da curta proposta por Ribes em 2017, introduz-nos Eduardo/ Gilda Love. Gilda é a mais sénior Drag Queen da área do El Raval, em Barcelona, mais comummente conhecido como o “bairro chinês” da cidade (e um dos mais etnicamente diversos que podemos encontrar na capital da Catalunha).

Com uma parca pensão, Gilda Love continua a apresentar a sua arte do drag e a preparar espetáculos públicos. Mas o conjunto de recintos que em tempos a recebiam de mãos abertas encaram agora a marcação da sua presença como algo pouco desejável. No ano passado, e em entrevista à publicação catalã “A La Carta”, Eduardo Rondón havia declarado : “Tenho 97 anos e não pretendo aposentar-me do show business.

Antes, com esta idade avançada, Gilda permitiu que uma equipa de cinema entrasse pela sua casa adentro para aqui filmar um docudrama com guião. Uma versão encenada da sua realidade, onde é claro que várias cenas são, de facto, precipitadas pela força do argumento, mas onde esse facto não invalida em nada o poder do pedaço de vida que é “Cantando en las Azoteas“.




O filme vai buscar o seu nome à “Canción Del Mariquita”, de Federico García Lorca, cujos versos são inclusive incluídos na obra:

“El mariquita se peina

en su peinador de seda

Los vecinos se sonríen
en sus ventanas postreras

El mariquita organiza
los bucles de su cabeza

Por los patios gritan loros,
surtidores y planetas

El mariquita se adorna
con un jazmín sinvergüenza

La tarde se pone extraña
de peines y enredaderas

El escándalo temblaba
rayado como una cebra

¡Los mariquitas del Sur,
cantan en las azoteas!”

(A mariquinha penteia-te o cabelo com o seu pente de seda/ Os vizinhos sorriem uns para os outros nas suas janelas interiores/ A mariquinha põe em ordem os caracóis da sua cabeça/Os papagaios gritam nos pátios, jactos e planetas/ A mariquinha enfeita-se, com um jasmim sem vergonha/ A tarde fica curiosa, de pentes e trepadeiras/ O escândalo estremece, riscado como uma zebra/ As mariquinhas do Sul, Cantam nos telhados!)

Através dos versos incluídos no filme, compreendemos qual foi o gesto de Enric Ribes e do guião do filme. Através da “Canción Del Mariquita” enquadra-se a existência luminosa de Gilda Love. Gilda que dorme no seu apartamento em estado de decomposição, mas que é sempre ternurenta e bem disposta, Gilda que tem contas em atraso e falta de fundos, mas que encontra humor nos sítios mais inóspitos e energia luminosa na companhia da sua catatua Frederico.Gilda, que nunca baixa os braços.

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Gilda dorme sob um céu estrelado – e o seu céu estrelado é uma constelação de recortes de revistas de estrelas de Hollywood do apogeu do sistema de estúdios- de Clark Gable a Bette Davis, estrelas que foram suas contemporâneas, de certa forma, mas que há muito nos deixaram. Ainda assim, influenciaram o seu drag. O transformismo que é parte essencial de quem é.

cantando en las azoteas Queer Lisboa

“Cantando en las Azoteas” é, evidentemente, um esforço híbrido que alerta para a solidão e tratamento da população sénior, mostrando-nos a energia e garra que ainda estão presentes no corpo desta nossa protagonista com quase 100 anos.




Emotivo e humano, neste filme a beleza e a simplicidade andam de mãos dadas. “Cantando en las Azoteas” apresenta-nos um pedaço de vida digno, com uma alma não corrompida no seu âmago. Gilda debate-se com problemas financeiros, sim, mas perante a necessidade de estender a mão à pequena menina Chloe, de 2 anos, a filha de uma criança do prédio que ajudou a criar nos anos 90,Gilda não vacila.

Queer "Cantando en las Azoteas"
©Queer Lisboa/IniciaFilms

A enorme generosidade de espírito da nossa bela personagem central é tocante, e este filme não se limita pois a introduzir-nos às dificuldades do mundo do transformismo na terceira idade. O retrato de Gilda é muito mais abrangente, englobando a forma como se integra numa comunidade local assente na entreajuda. A nossa protagonista é um agente de luz, não de escuridão e, ao deixar-nos, fá-lo com a esperança e perseverança como valores máximos.

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Com o seu cancioneiro em punho, uma voz e postura feitas para os palcos e innuendos sexuais deliciosos, Gilda encanta-nos em pouco mais de uma hora de filme, e promete ficar connosco, uma artista maior que vai mais além do conceito de idade. Uma eterna criatura de palco, uma pessoa caridosa, uma performer singular.

TRAILER| CANTANDO EN LAS AZOTEAS NA COMPETIÇÃO DOCUMENTAL DO QUEER LISBOA 2023

Cantando en las Azoteas, em análise
Cantando En Las Azoteas

Movie title: Cantando en las Azoteas

Movie description: Gilda Love / Eduardo, o último transformista do Raval de Barcelona, sobrevive com uma pensão miserável enquanto procura ainda atuar pelos clubes. As suas prioridades são de súbito viradas do avesso com a chegada da pequena Chloe, com quem terá a chance de ter a família que nunca teve.

Date published: 8 de October de 2023

Country: Espanha

Duration: 78'

Author: Enric Ribes

Director(s): Enric Ribes

Actor(s): Gilda Love, Chloe Romero Pérez

Genre: Documentário

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  • Maggie Silva - 85
85

CONCLUSÃO

Gilda Love, a drag queen com idade mais avançada de toda a cidade de Barcelona, ainda tem muito show biz dentro dela. Tem também muita humanidade, altruísmo, gentileza, humor e graça dentro de si. O retrato de Enric Ribes molda a realidade e ilustra-a de forma bela, criando o retrato de uma relação entre um novo ser (Chloe) e um (Gilda) que habita amavelmente a terra há quase um século.

Pros

  • A forma como Gilda conquista, aos poucos e poucos, a confiança da pequena Chloe, mostrando-nos como é paciente, repleta de compaixão e senhora de um altruísmo raros no aqui e agora.
  • Entre imagens vídeo de arquivo e fotografias, é-nos apresentada quem foi e quem é Gilda. Todavia, ainda é quando a vemos a atuar ao vivo que descobrimos toda a alegria camp que detém (a qual nunca a abandonará).

Cons

  • Alguma construção adicional da história passada de Gilda poderia ter enriquecido o filme. Na marca dos 70 e poucos minutos, tal tempo adicional seria mais que exequível.
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