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Doclisboa 2023 | Strange Victory, a Crítica

No âmbito da edição de 2023 do Doclisboa, este grande festival internacional de cinema documental associou-se à Cinemateca Portuguesa para programar um ciclo bastante especial. Trata-se da Retrospectiva “O Documentário em Marcha: Conturbados Anos 30 na América do New Deal”, onde se exibiu este “Strange Victory” (1948) de Leo Hurwitz. 

Ciclo cuidado, detalhado, com uma longa programação que englobou desde documentários curtos a obras longas de ficção, “O Documentário Em Marcha: Conturbados Anos 30 na América do New Deal retratou, como fica explícito no seu nome, um período particularmente perturbado da história dos EUA. Os EUA da Grande Depressão, mergulhados numa incerteza galopante e numa desgraça humanitária que muitas vezes fica esquecida.

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Com apresentação do cineasta Tom Hurwitz (filho do realizador de “Strange Victory”, que aliás tem um pequeno papel como bebé neste filme) e da investigadora/historiadora Tanya Goldman, esta sessão na Cinemateca, em projeção única no dia 28 de outubro, avançou pela história adentro e, munida de uma particular capacidade crítica, exemplificou o que foi a América do pós-guerra e qual foi o seguimento dado ao documentário social edificado no período do pré Segunda Guerra Mundial.

Acima de tudo, providenciou um enquadramento muito rico, do ponto de vista histórico e principalmente académico, para uma temática complexa, a perceção da América no final dos anos 40, e que habitualmente não costuma ser equacionada de uma forma tão crítica. Fé-lo em conjunto com os seus parceiros de programação do outro lado do oceano, como por exemplo o MoMA ou a UCLA.

No que à progressão e à conclusão de argumentos elaborados diz respeito, este “Documentário em Marca” eleva-se como um momento de programação com bons fundamentos teóricos, e que acaba por contribuir ainda mais para a relevância deste momento em sala – onde se projectou uma obra cinematográfica rara e que foi particularmente mal recebida aquando do seu lançamento original. Inclusive, este filme de Leo Hurwitz estreou, em 1948, no Festival de Veneza, onde foi relegado para uma exibição fora de horários com maior notoriedade.

E porquê? Ora “Strange Victory”, como o título deixa logo antever, é uma obra extremamente crítica e que coloca perguntas bem incómodas. Porque é que não nos sentimos plenos (dirigindo-se a narração à psique do cidadão norte-americano comum); Se vencemos na Segunda Grande Guerra, que medo é este que toma conta da sociedade?

Strange Victory Leo Hurtwitz Doclisboa
©Doclisboa



Estas, as perguntas colocadas em “Strange Victory”, neste certame do Doclisboa 2023, são deveras inoportunas perante uma sociedade norte-americana fixada em festejar o consumismo galopante e a vitória do capitalismo no pós 2ª Grande Guerra. Mas Hurwitz não vê glória, vê um desproporcional medo do “outro” impulsionado pelas próprias instâncias de poder dos EUA. Vê a ascensão do fascismo, vê a intolerância racial, vê a paranoia emergente.

A sua premissa, expressa maioritariamente através de imagens de arquivo, fotografias e uma narração omnipresente, não se envolve diretamente com os sujeitos retratados mas antes reflete à distância, recorrendo à montagem para expressar as suas ideias forte e contra-corrente.

Strange Victory, tido como 1.º grande documentário americano anti-racista, exibido no Doclisboa 2023, está disponível para visualização livre através do Vimeo.

Hurwitz defende que a América nunca tornou o mundo seguro, que tal não é senão uma mentira ou proposta mitológica. O documentário de Hurwitz, lançado em 1948, não é propriamente fácil de ver, na medida em que se baseia maioritariamente em imagens pouco dinâmicas, e apresenta uma estrutura de repetição (enfaticamente criada de forma bem intencional).

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Entre imagens de terror e a esperança numa nova geração de crianças que vimos projetadas em 16mm no Doclisboa, Hurwitz cria uma obra que ao longo de 75 minutos tem três partes bem demarcadas – apresentação da problemática, a esperança no amanhã mitigada pelo viés racial existente – e uma vez mais as imagens de horror apresentadas no primeiro capítulo.

Still Strange Victory 1948
1948 – Cartoon alusivo a antissemitismo por Streicher |©Milestone Films

Não sendo uma experiência de sala prazerosa, devido a este teor circular, “Strange Victory” é tão arrojado nas suas afirmações e audácia que não deixamos de torcer pelo filme. Esta longa-metragem não é subtil e nunca se guia pelo conceito de “mostrar e não dizer”. Não obstante, é crítica, incisiva e inteligente na sua denúncia do fascismo galopante nos EUA no período do pós-guerra, à medida que este mesmo país celebrava a ‘erradicação’ do fascismo na Europa. Este raciocínio é incómodo, fere e deixa quem vê atordoado e num estado de perpétua inquisição. É este o seu poder, que não deve ser minorado.

Do ódio racial e necessidade do Movimento dos Direitos Civis ao Macarthismo com a sua ‘caça às bruxas’ comunistas na década de 1950, as temáticas exploradas por Hurwitz servem como antevisão do que viria a acontecer, socialmente, numa América repleta de contradições. Levantam-se várias questões, como por exemplo, será a denúncia da hipocrisia igualmente relevante hoje e agora?

O Doclisboa voltou a visitar a capital no final do mês de outubro. Desta forma, revemos alguns dos destaques de programação que mais nos empolgaram. 

Strange Victory, em análise
Strange Victory no Doc

Movie title: Strange Victory

Movie description: Após Native Land e o fim da Frontier Films, o filme ensaio de Hurwitz disseca a América pós-Segunda Guerra Mundial e encontra o fascismo, racismo e preconceito que os EUA haviam combatido na Europa de boa saúde em solo americano. Imagens de arquivo do horror da guerra juntam-se a cenas representadas e imagens da América contemporânea num trabalho de grande inventividade formal.

Date published: 8 de November de 2023

Country: EUA

Duration: 75'

Author: Leo Hurwitz

Director(s): Leo Hurwitz

Genre: Documentário

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  • Maggie Silva - 73
73

CONCLUSÃO

“Strange Victory” é uma obra audaz, distinta, capaz de se elevar e teorizar o sem fim de contradições que constituíram os Estados Unidos no pós Segunda Grande Guerra.

Pros

  • A construção de uma tese contra-corrente de forma destemida;
  • A justaposição de imagens em sequência alucinante.

Cons

  • A repetição, mesmo como figura de estilo, consegue tornar-se sufocante;
  • Toda a sequência no berçário, tão oposta ao resto do filme que acaba por parecer desajustada;
  • Alguma falta de subtileza.
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