De Wonka a Mattel, os melhores guarda-roupas de 2023
Nos Óscares, o prémio para Melhor Guarda-Roupa disputa-se entre “Barbie” e “Pobres Criaturas.” Contudo, muitos outros filmes merecem aclamação pelo seu estilo cinematográfico, moda do grande ecrã, figurinos fabulosos.
Enquanto a Academia de Hollywood se rege pelas estreias comerciais no mercado Americano, aqui na Magazine.HD fazemos as nossas escolhas com base no calendário de estreias portuguesas. Por isso, qualquer lista do melhor do ano se diferenciará do que os Óscares propõem. Assim acontece com os figurinos no cinema de 2023, grandes guarda-roupas que auxiliam a alquimia estética e tonal dos seus filmes, definem personagens e ambientes, criam um discurso visual em paralelo, quiçá em complementaridade, com a narrativa do texto. Os melhores figurinistas são eles mesmos contadores de histórias.
Por isso mesmo, aqui nos propomos a celebrar esses designers e artesãos da sétima arte. Esses criativos que tantas vezes são subestimados e cujo trabalho é reduzido por gente tonta a não mais que um adorno. A roupa tem segredos para partilhar e na sua complexidade, aprofunda-se a paixão pelo filme. Ou, pelo menos, é isso que acontece quando todas as peças estão em harmonia e o mecanismo cinematográfico funciona qual relógio suíço. Cada elemento é roldana, e só quando a materialidade visual está tão aprimorada quanto as performances, a música, o argumento, é que a perfeição em cinema se afigura. Por outras palavras, aqui vai mais um top MHD.
Mas antes de enumerarmos os dez melhores guarda-roupas do cinema em 2023, há uma série de menções honrosas a apontar. Por exemplo, não há grande variedade no vestuário de “Pacifiction,” mas Práxedes de Vilallonga fez um trabalho notável com a personagem de Benoit Magimel. Em modos de linho bege e camisa branca, ele é o colonialismo europeu feito gente. “Wonka” também nos apresenta uma personagem icónica, mas o chocolateiro a quem Chalamet dá vida é um dandy e não uma crítica política. A figurinista Lindy Hemming já ganhou um Óscar no passado, mas o seu trabalho continua a surpreender e deleitar.
Ellen Mirojnick é uma lenda viva no que se refere às modas do grande ecrã e a sua contribuição para “Oppenheimer” é tão perfeita como esperaríamos. Outro exercício em designs de época será “Os Espíritos de Inisherin,” onde Eimer Ní Mhaoldomhnaigh joga com a cor e o detalhe socioeconómico para nos sugerir uma Irlanda rural no despontar dos anos 20. Por seu lado, “Os Olhos de Allen Poe” veem Kasia Walicka Maimone num jogo de silhuetas exageradas e têxteis chamativos. Até no paradigma do terror, ela consegue encontrar abertura para opulência e romantismo. Em “L’Immensità,” o figurinista Massimo Cantini Parrini ajuda o seu realizador a invocar memórias de infância, algures entre o sonho e a realidade pura e dura.
Menções honrosas despachadas, passemos ao top 10 dos melhores guarda-roupas de 2023. Em décimo lugar, temos…
10. MAY DECEMBER: SEGREDOS DE UM ESCÂNDALO
Figurinos desenhados por April Napier.
Desde os anos 90 que Todd Haynes costuma trabalhar com Sandy Powell como sua figurinista. No entanto, questões de calendário e responsabilidade para com outros projetos levou a que a designer inglesa não estivesse disponível para “May December.” Felizmente, o realizador lá encontrou nova colaboradora em April Napier e o seu trabalho é tão primoroso como o de Powell. Neste caso, o figurino existe como marca de performance social dentro dos parâmetros da história, onde a cópia e o reflexo são ideias centrais. Uma escolha especialmente perversa está na híper-feminilidade manipuladora de Julianne Moore no papel de Gracie. Está no modo como ela faz a filha sentir vergonha num certo vestido e depois veste algo quase igual.
09. EMILY
Figurinos desenhados por Michael O’Connor.
A vida das irmãs Brontë já chegou ao cinema variadas vezes. Este “Emily” é só mais uma, focando-se na perspetiva daquela que se tornaria na autora do “Monte dos Vendavais.” No filme, existe um equilíbrio entre realismo e emoção, a textura crua da ruralidade britânica e os devaneios do individuo. Michael O’Connor, figurinista perito em vestuário histórico, dá-nos as ferramentas para a imersão sensorial no mundo de Emily Brontë, suas especificidades, suas paixões. A década de 1840 é um tempo meio enfadonho na História da Moda, pelo que o dinamismo obtido pelo figurinista merece especial aplauso. O’Connor afirma-se, mais uma vez, como um dos melhores figurinistas a trabalhar na Anglofonia.
08. ASTEROID CITY
Figurinos desenhados por Milena Canonero.
O cinema de Wes Anderson faz-se em jogos teatrais, onde a curadoria da imagem é evidente e o artifício não se esconde. Pelo contrário, celebra-se a falsidade do aparato cénico como veículo para algo real. Não são conceitos opostos, mas complementares. Por isso mesmo, o design de cada fita é tão ou mais importante que o seu conteúdo textual, orientando o modo como o espetador se relaciona com a peça e ditando a direção do seu olhar.
Assim sendo, Milena Canonero, essa figurinista consagrada, é parte essencial da equipa que Anderson formou. No caso particular de “Asteroid City,” ela trabalha através de diferentes níveis de distanciação estilística. Por um lado, Canonero desenha uma comédia desértica dos anos 50. Por outro, ela desenha a realidade por detrás dessa encenação. A outro nível ainda, há que conceber o engenho televisivo em que o teatro filmado se insere. Que confusão deliciosa – é uma Matrioshka dramatúrgica com figurinos a condizer.
07. VIVER
Figurinos desenhados por Sandy Powell.
Fazer remake de um filme com assinatura de Kurosawa não é tarefa fácil. Neste caso, “Viver” é nova versão de “Ikiru,” transpondo a narrativa nipónica para um cenário inglês. A época, contudo, mantem-se no pós-guerra, uns anos 50 ainda a recuperar do trauma recente, agarrando-se a novas ordens de normalidade. Os figurinos de Sandy Powell ajudam a definir o contexto histórico, mas também servem como delícia visual, encontrando beleza em lugares onde o glamour jamais se viu. Há elegância nos estilos da classe média, nos trabalhadores burocráticos, até no uniforme de uma empregada de mesa. Tais prazeres não são exclusivos dos mais ricos e aristocratas. O melhor de tudo é que estes toques estilísticos jamais traem o realismo histórico da fita. De facto, até o exaltam.
06. JUSTIÇA PARA EMMETT TILL
Figurinos desenhados por Marci Rodgers.
Um erro que muitos cineastas cometem centra-se na monotonia tonal. Histórias sérias, tragédias, são encenadas com idiomas visuais lúgubres, como se as ideias centrais não fossem capazes de se sustentar sem eles. Isto leva a experiências onde a miséria das personagens parece infetar o mundo em redor, alienando o espetador ao invés de o puxar para dentro de si. Marci Rodgers poderia ter feito o mesmo ao vestir a “Justiça Para Emmett Till,” mas preferiu encontrar a dignidade subjacente ao episódio histórico.
Evitando o cliché, desenham-se as figuras reais de uma burguesia Afro-Americana tentando vingar num sistema orquestrado contra si. Emmett Till primeiro aparece-nos como um jovem bem-vestido, uma pessoa de grande impacto visual, antes de se tornar em vítima, em cadáver, em manchete de jornais. Essas escolhas de vestimenta concedem humanidade e idiossincrasia às figuras em cena.
05. O MESTRE JARDINEIRO
Figurinos desenhados por Wendy Talley.
“O Mestre Jardineiro” completa a trilogia que Paul Schrader iniciou com “No Coração da Escuridão” e “The Card Counter: O Jogador”. Tal como os títulos que o precedem, trata-se de uma história de redenção, posicionando um homem solitário e cheio de arrependimentos contra os fardos do seu passado e os vícios de um mundo em rutura. Dito isso, há marcas estilísticas a separar os três filmes, e “O Mestre Jardineiro” afirma-se como a obra mais classicista do trio. Isso reflete-se naquele que é um dos melhores guarda-roupas do ano, desenhado por Wendy Talley, cheio de humor singelo e personagens bem definidas. Veja-se o glamour de fortunas ancestrais que Sigourney Weaver enverga, a severidade monástica de Joel Edgerton, o espírito livre de Quintessa Swindell. É uma maravilha capaz de nos seduzir para dentro da intriga cinematográfica.
04. ASSASSINOS DA LUA DAS FLORES
Figurinos desenhados por Jacqueline West.
Martin Scorsese nunca fez um western, sendo que “Assassinos da Lua das Flores” representa a sua maior aproximação do género. Talvez por isso, o realizador se tenha virado para uma equipa com prática na evocação do Velho Oeste, com lugar de destaque para a figurinista Jacqueline West. É claro que, além do seu talento para coboiada, o que mais se destaca no seu currículo é a recorrente representação e colaboração com a comunidade Nativo-Americana.
Esse aspeto é fulcral para um filme cuja missão passa por honrar a comunidade Osage nos anos 20, seu massacre genocida às mãos de um sistema racista que via a sua fortuna como ilegítima. West articula a especificidade cultural e ainda delineia os arcos das personagens. Veja-se o modo como Leonardo DiCaprio veste um cobertor Osage desfeito e cosido em casaca desportiva, ou os óculos que fazem com que Robert De Niro pareça uma coruja, esse arauto da morte segundo a crença Nativa.
03. O CONDE
Figurinos desenhados por Muriel Parra.
O novo filme de Pablo Larraín ganhou o prémio para Melhor Argumento no Festival de Veneza, grande honra para um texto tão estrambólico quanto feroz. Em jeito de crítica política, o cineasta chileno repensou Pinochet como uma entidade vampírica, a malignidade do fascismo assim associada à monstruosidade dessas criaturas da noite, esses predadores que sugam sangue humano. A premissa dá azo a imagens estranhíssimas, desde o uniforme militar feito burlesco até a relíquias setecentistas reaproveitadas como cosplay de Maria Antonieta. O uso de peles é especialmente marcando, com Muriel Parra cobrindo o seu elenco em farfalhudos casacos em forma de segunda pele, revelando assim a bestialidade de todas as personagens, até aquelas cujo coração ainda bate.
02. ESTÁS AÍ, DEUS? SOU EU, A MARGARET.
Figurinos desenhados por Ann Roth.
Esta adaptação do livro homónimo de Judy Blume retrata a vida de uma jovem Americana no início dos anos setenta e no limiar da idade em que o corpo infantil se transforma em fisionomia adulta. Dito isso, caracterizar a obra como qualquer comédia da puberdade seria erróneo. Este é um belíssimo exercício em empatia e compaixão, capaz de amar todas as suas personagens, mesmo aquelas que erram e se fazem passar por vilãs momentâneas.
Por isso mesmo, há grande importância na realidade material dessa gente, os detalhes de época e o pormenor caricato da adolescência feminina. Dramas do sutiã e invejas que denunciam diferenças de classe, a cultura de uma costa em contraste com outra, a folia de uma avó e o conservadorismo doutra matriarca – tudo isso se reflete nos figurinos que Ann Roth criou. Aos 92 anos, essa designer com dois Óscares a seu nome continua a ser uma lenda viva de Hollywood. Este ano, até teve direito a ser atriz.
01. BARBIE
Figurinos desenhados por Jacqueline Durran.
Pois é, Ann Roth aparece como a melhor idosa com que Barbie forma uma breve ligação no filme de Greta Gerwig. Contudo, não foi ela que desenhou esta fantasia do plástico cor-de-rosa. O desafio coube a Jacqueline Durran, uma profissional da magia cinematográfica cujo currículo inclui muito devaneio romântico de Joe Wright, o realismo histórico de Mike Leigh, ao conto-de-fadas da “A Bela e o Monstro”.
Há uns anos vestiu Kristen Stewart como Princesa Diana, e, em 2023, também transformou Margot Robbie em ícone do estilo. Só que, desta vez, a estrela é um brinquedo ao invés de uma mulher de carne e osso, sua aventura traçada em jeitos cómicos, sem tragédia à mistura. O resultado é uma explosão de cor e criatividade, repleto de referências ao passado da Mattel, mas sempre com os olhos postos no futuro. Só a balbúrdia dos Kens revoltados lhe valeria esta honra, mas Jacqueline Durran afirma o seu génio em todos os figurinos de “Barbie.” Se ganhar mais um Óscar, será merecido.
E o que pensas tu? Quais são, para ti, os melhores guarda-roupas de 2023? Partilhas o mesmo gosto da nossa equipa ou vês-te melhor representado nas escolhas da Academia? Deixa resposta nos comentários.
