The Batman | © Warner Bros

The Batman, em análise

Depois de tantas adaptações distintas sobre um dos superheróis mais populares da história do cinema e da banda desenhada, chega a vez de Matt Reeves e Robert Pattinson entregarem a sua versão noir e bastante mais sombria em “The Batman”. Será que conseguiram justificar todo o hype gerado em volta de provavelmente o filme mais antecipado do ano?

É impossível iniciar uma crítica sobre um blockbuster deste género e com esta dimensão sem antes esclarecer a posição em relação a outras obras, assim como as próprias expetativas para “The Batman”. Qualquer apreciador do género de superheróis olha para a trilogia de Christopher Nolan (“Tenet”) e Christian Bale (“O Cavaleiro das Trevas Renasce”) como um exemplo excecional de como adaptar personagens e histórias de banda desenhada para o grande ecrã. Juntamente com os dois filmes de Tim Burton (“Dumbo”) e Michael Keaton (“Homem-Aranha: Regresso a Casa”), estas duas sagas diferentes permanecem na minha memória como versões do Batman que guardo com muita felicidade de poder ter assistido.

No entanto, desde o aparecimento das redes sociais, que o processo de comparação se tornou insuportavelmente tóxico. Em vez de simplesmente se discutirem preferências pessoais de forma saudável, emergem ataques e ofensas constantes apenas e só porque um fã considera determinado ator ou filme superior a outro, como se o cinema não fosse um arte subjetiva. Para além disso, em vez de se defender aquilo que realmente se gosta, ataca-se o que não se aprecia tanto. Quer queiramos admitir quer não, The Batman vai receber vários espetadores com a mente pré-definida. Seja para adorar ou odiar incondicionalmente, muitos possuem uma ideia clara do “seu” Batman e qualquer pormenor que seja minimamente alterado, mesmo que completamente irrelevante, é capaz de arruinar todo um filme para tais membros da audiência.

Felizmente, sou um espetador capaz de afirmar, sem rankings nem comparações condescendentes, que adoro os filmes de Burton, Nolan… e o de Matt Reeves (“Planeta dos Macacos: A Guerra”). The Batman merece todo o hype criado desde o seu anúncio. Sendo um dos meus cineastas favoritos – nunca fez um mau filme – Reeves obviamente emana uma sensação de confiança tremenda para todos os que têm seguido a sua carreira, logo as expetativas pessoais eram muito elevadas. A verdade é que O Cavaleiro das Trevas Renasce foi lançado há 10 anos atrás e, desde aí, apenas se viu Bruce Wayne e o seu fato-morcego em universos cinematográficos juntamente com outros superheróis, logo havia um entusiasmo e curiosidade muito maiores com esta adaptação.

The Batman Robert Pattinson
The Batman © 2021 Warner Bros. Entertainment Inc. All Rights Reserved.

Junte-se a esse facto nomes como Greig Fraser (diretor de fotografia, “Dune – Duna”), Michael Giacchino (compositor, “Homem-Aranha: Sem Volta a Casa”) ou até James Chinlund (production designer, “Planeta dos Macacos: A Guerra”), The Batman tinha tudo para ser um filme tecnicamente impressionante… e, inquestionavelmente, todos estes componentes criam *em termos visuais e sonoros* o melhor filme de sempre do Batman. Desde a cinematografia absolutamente deslumbrante à banda sonora viciante, sem esquecer toda a atmosfera incrivelmente negra e assustadoramente realista, nunca um filme do Batman pareceu e soou tão bem.

Não existiam dúvidas que Fraser é um cinematógrafo talentoso e em “The Batman” consegue entregar uma Gotham City que podia perfeitamente ser inserida no mundo de hoje em dia. Mesmo num ambiente muito sombrio, nebuloso e gótico, as cores – nomeadamente o vermelho e amarelo – saltam do ecrã através de fontes naturais, como fogo, luzes dos carros ou os próprios disparos das armas, originando sequências de ação verdadeiramente intensas e bem violentas. Estes últimos aspetos são uma clara melhoria em relação a outras adaptações, sendo que Reeves consegue criar uma atmosfera noir ainda mais realista e dark do que a própria trilogia de Nolan, para além das fantásticas coreografias de luta e uma perseguição de carros com o Batmobile extraordinariamente cativante.

As entradas e saídas de cena de Batman chegam a ser arrepiantes, principalmente as primeiras onde, durante largos segundos, a câmara foca-se na escuridão, ouvindo-se apenas os passos pesados e intimidantes do vigilante noturno. Aqui, entra não só a banda sonora de Giacchino, mas também a própria produção sonora. Não é exagerado, de todo, afirmar que os temas e músicas de fundo carregam a componente narrativa mais focada no trabalho de detetive do protagonista. O tema principal é genial e memorável, tornando-se num favorito pessoal após ouvir repetidamente. Quando parece que The Batman” vai baixar os seus níveis de interesse e entretenimento, eis que a banda sonora recorda os espetadores de que todos os momentos são importantes numa história onde todos os detalhes importam para desvendar o vilão secreto.

Transito aqui para a narrativa. Reeves proferiu inúmeras vezes que adorava fazer um thriller focado na capacidade de dedução e inteligência de Batman, algo que nunca foi mostrado de maneira tão central como neste filme. The Batman” insere-se, por razões óbvias, no género de superheróis, mas para além do próprio protagonista não encaixar exatamente na definição mais comum da palavra, a própria história afasta-se bastante do filme-tipo que temos vindo a receber nos últimos anos. Possui ação suficiente para agradar aos fãs mais ávidos de tal componente, mas as parecenças com “Se7en” ou Zodiac” alcançarão todo um outro grupo de espetadores que poderão sair da sala de cinema surpreendidos.

Enquanto thriller, a personagem de Riddler é vital para a constante sensação de medo, intimidação e dúvida. Durante as quase três horas, sempre que Bruce Wayne parece estar mais perto de decifrar os vários enigmas – bastante interessantes por si só – eis que Riddler se encontra vários passos à frente. Entra aqui o maior elogio ao tratamento do vilão: The Batman” chega a ser genuinamente aterrorizador quando é possível perceber que um psicopata como a personagem de Paul Dano (“Okja”) é perfeitamente capaz de aparecer a qualquer altura na vida real com uma “facilidade” tremenda, tendo em conta os triggers infinitos desta geração em que vivemos.

Verdade seja dita, a prestação de Dano elevaria qualquer material. De todos os castings anunciados, Dano como Riddler foi o que transformou expetativas comuns em antecipação fervorosa. Mesmo com pouco tempo de ecrã devido ao mistério da sua personagem, o ator entrega, de longe, a melhor interpretação do vilão alguma vez vista no grande ecrã. O facto de Dano possuir uma cara amigável e que muitos apelidariam de “totó” serve ainda mais o propósito de demonstrar que qualquer pessoa pode ser influenciada negativamente por grandes figuras como, neste caso, o vigilante de Gotham. O arco de Bruce Wayne / Batman é brilhantemente desenvolvido, especialmente quando se junta Riddler no fim de tudo.

The Batman
The Batman © 2021 Warner Bros. Entertainment Inc. All Rights Reserved.

“The Batman” não é um filme de origem, pelo menos não na estrutura mais familiar. Tal como a sinopse clarifica, os espetadores são introduzidos a uma Gotham com Batman a proteger a cidade de criminosos já com dois anos de experiência. O argumento de Reeves e Peter Craig (“Bad Boys Para Sempre”) é provavelmente o guião onde o homem-morcego tem menos falas de todas as adaptações cinematográficas. Bruce encontra-se isolado da sociedade e inclusive dos que o rodeiam, sendo uma versão muito menos glamorosa e bastante mais suja que a de Bale, por exemplo. Já Batman – com um fato brutal – mantém a moral conhecida de “não matar”, apesar de ser indubitavelmente mais violento e agressivo.

O seu arco de personagem concentra-se naquilo que o próprio considera justo, sendo um Batman guiado por vingança e que levanta a questão sobre o significado de heroísmo. The Batman” pode introduzir a sua personagem principal enquanto vigilante ativo, mas um que apenas iniciou essa atividade há pouco tempo, contendo imensas falhas humanas que serão definitivamente exploradas nas sequelas. As personagens secundárias têm um peso importante neste aspeto, sendo que Selina Kyle / Catwoman (Zoë Kravitz) e James Gordon (Jeffrey Wright) desenvolvem uma ligação mais forte com o vigilante do que Alfred Pennyworth (Andy Serkis) neste filme.

Todos os atores são absolutamente fenomenais nos seus papéis, não fazendo a saudade de prestações passadas aparecer com facilidade. Admitidamente, Catwoman nunca foi uma personagem particularmente fascinante para mim, mas Reeves e Craig conseguiram criar um enredo interessante e essencial para a aproximação com Batman. Em relação a Gordon, que ainda não é comissário em The Batman”, é o único elo de confiança que o superherói possui na polícia de Gotham. Tanto Kravitz (“Monstros Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald”) como Wright (“Crónicas de França”) incorporam as personagens de uma forma distinta, gerando vontade de os ver novamente. Colin Farrell (“A Vida Depois de Yang”) encontra-se irreconhecível enquanto Penguin e é um fonte surpreendente de alguma leveza num filme tão negro.

The Batman
Zoë Kravitz é Catwoman © 2021 Warner Bros. Entertainment Inc. All Rights Reserved.

Finalmente, chegamos a Robert Pattinson (“O Farol”). Acredito que a maioria dos espetadores já não olha para o ator como o vampiro absurdo dos filmes “Twilight”. Tal como Kristen Stewart (“Spencer”), ambos têm provado constantemente o seu talento ao longo dos últimos anos, por isso, só mesmo quem nunca viu mais nenhuma obra dos dois manterá uma opinião antiquada e enganadora da verdadeira capacidade dos atores. No entanto, para não deixar margem para dúvidas, The Batman” servirá de prova final e irrefutável de que Pattinson é um ator impressionante.

Enquanto Batman, Pattinson induz arrepios pela espinha acima simplesmente com a sua presença poderosa e verdadeiramente assustadora. Enquanto Bruce Wayne, apesar de passar mais tempo de ecrã como vigilante mascarado, demonstra um controlo emocional tremendo, transmitindo a tristeza, depressão e solidão que a personagem sente de uma forma avassaladora. Que seja a “machadada” final no ceticismo de alguns que continuam a menosprezar a carreira de um ator com base numa saga que terminou há uma década atrás.

Espero que os espetadores não entrem no cinema mentalizados daquilo que Batman ou o próprio filme devem ou têm que ser. Mas sim que aproveitem o momento presente e desfrutem do início de uma nova trilogia com um dos seus superheróis favoritos, em vez de se preocuparem com comparações e adaptações passadas. Estas não vão desaparecer nem deixar de existir para dar lugar a uma nova, por isso, deixem-se levar pois há muito que apreciar.

THE BATMAN| DISPONÍVEL NOS CINEMAS A PARTIR DE 3 DE MARÇO

The Batman, em análise
The Batman

Movie title: The Batman

Movie description: Dois anos a assombrar as ruas como Batman (Robert Pattinson), incutindo medo no coração dos criminosos, conduziram Bruce Wayne até às zonas mais sombrias da Cidade de Gotham. Com apenas alguns aliados de confiança - Alfred Pennyworth (Andy Serkis) e o tenente James Gordon (Jeffrey Wright) - entre a rede corrupta de funcionários e figuras proeminentes da cidade, o vigilante solitário estabeleceu-se como a personificação da vingança entre os seus cidadãos.

Date published: 3 de March de 2022

Country: EUA

Duration: 176'

Director(s): Matt Reeves

Actor(s): Robert Pattinson, Zoë Kravitz, Paul Dano, Jeffrey Wright, John Turturro, Peter Sarsgaard, Andy Serkis, Colin Farrell

Genre: Ação, Crime, Drama

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  • Manuel São Bento - 90
  • Maggie Silva - 74
  • Emanuel Candeias - 95
86

CONCLUSÃO

“The Batman” merece todo o hype gerado e mais algum. Matt Reeves entrega um thriller noir distintamente mais sombrio, intenso e assustadoramente realista que adaptações passadas, com um Bruce Wayne / Batman agressivamente vingativo e um Riddler indutor de medo e ansiedade constante. A cinematografia de Greig Fraser – entradas/saídas de cena arrepiantes de Batman e imagens deslumbrantes de Gotham – e a banda sonora de Michael Giacchino – verdadeiramente viciante, eleva todo o filme – transformam esta obra na melhor versão cinemática do homem-morcego de sempre relativamente à componente audiovisual. Mesmo com o foco narrativo no processo de detetive, as sequências de ação são incrivelmente entusiasmantes e belissimamente filmadas. Todo o elenco é extraordinário, especialmente Paul Dano e Robert Pattinson, sendo que o último quebra todas as opiniões datadas sobre o mesmo. Tirando um pequeno período no fim do segundo ato, as três horas não se sentem, de todo. É um dos melhores filmes do ano e um concorrente justo no debate de melhores filmes de banda desenhada de sempre. 

Pros

  • Prestações de todo o elenco, principalmente Robert Pattinson e Paul Dano.
  • Cinematografia de Greig Fraser: palete de cores, planos largos, entradas/saídas de cena de Batman.
  • Banda sonora de Michael Giacchino: absolutamente viciante.
  • Sequências de ação memoráveis e muito bem coreografadas.
  • Narrativa misteriosa e constantemente cativante devido aos enigmas de Riddler.
  • Arco conjunto de Batman e Riddler.

Cons

  • Não se sentem as três horas, mas existe um pequeno período que não tem tanto impacto.
  • Pouco tempo de ecrã para desenvolver a relação Bruce-Alfred.
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