"Luzes sem Ribalta (1957)" |©British Lion Films

Dia Mundial do Cinema | Grandes Filmes Sobre a 7ª Arte

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Novembro é o mês em que se celebra, simbolicamente, a 7ª arte, aquela que é a suma de todas as outras. O Dia Mundial do Cinema foi assinalado a 5 de novembro, e a fechar o mês continuamos a festejar a arte que mais define a idade contemporânea.

Esta lista segue uma ordem cronológica, o que se estabelece também como um exercício curioso. Quando é que o cinema, uma arte que teve dificuldade em se afirmar como tal, começou a pensar sobre si mesmo?

Aqui se exploram maioritariamente títulos ligados à ficção, pois o género documental torna-se auto referencial  de forma recorrente. Muitos destes filmes serão oriundos da época de ouro do cinema norte-americano, uma altura na qual o sistema de estúdios muito criou em torno da sua própria atividade.

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THE CAMERAMAN’S REVENGE (1912)

The Cameraman's Revenge - filmes sobre cinema
“The Cameraman’s Revenge” (1912) |©Film Preservation Associates

Começamos a nossa lista apenas 17 anos após o surgimento oficial do cinema, marcado pela sessão inaugural dos irmãos Lumière em 1895. Iniciamo-la com um filme impressionante que mostra que a capacidade auto reflexiva do cinema sempre lá esteve, e também que a sua definição como arte não deveria nunca ter sido contestada. Este é um filme curto, com apenas 12 minutos surrealistas de duração.

“The Cameraman’s Revenge” chega até nós pela mão de um dos pólos pioneiros da 7ª arte, a antiga União Soviética. Neste caso, pela mão de Wladyslaw Starewicz. Starewicz foi não só um dos pioneiros do cinema, como um dos verdadeiros pioneiros da animação, começando a trabalhar até antes de Walt Disney, e a sua obra merece ser recordada.

A sua carreira marca-se pelo fascínio por insectos. Tornou-se animador por acidente, devido a esta paixão. Realizou dezenas de curtas filmando insectos, e muitas das suas criações passaram pelo mundo do stop-motion. Realizou ainda alguns filmes de imagem real, bem como uma longa-metragem mais ambiciosa, “Tale of the Fox”.

Esta curta comédia animada narra a história do Senhor Besouro, que procura a companhia de uma bela libelinha. Isto sem saber que o seu ex-namorado, um belo gafanhoto operador de câmara está presente a documentar todos os seus movimentos….




CHARLOT MAQUINISTA (1916) 

Behind the screen 1916
Charles Chaplin e Edna Purviance em “Charlot Maquinista” (1916) |©Films sans Frontières

Seguimos com a nossa viagem em 1916, com um dos maiores mestres das primeiras décadas do cinema, Charlie Chaplin. Ao longo da sua longa carreira, o ator , argumentista, realizador e de tudo um pouco trouxe ao mundo mais de 70 filmes, e foi a estrela de perto de 90 obras, muitas delas icónicas. A nossa primeira entrada na lista não é uma das suas longas de referência como “Luzes da Cidade” (1931) ou “O Grande Ditador” (1940), mas antes uma curta-metragem.

Chaplin foi instrumental na ideia de situar os filmes dentro de um estúdio de cinema, retratando as suas atribulações e pequenas narrativas do microcosmos através do seu humor particular. Em 1916, “Behind the Screen” ou, em português, “Charlot Maquinista”, aperfeiçoa outras comédias que tinha já situado num set cinematográfico.

O filme parodia os Estúdios Keystonum dos primeiros grandes estúdios de Hollywood. Aqui, uma jovem atriz, desesperada por trabalho, finge ser um rapaz para trabalhar numa produção de estúdio quando a equipa habitual entra em greve. Charlot (a.k.a Charlie) descobre o seu segredo e apaixona-se.




MIRAGENS (1928) 

filmes sobre cinema
Marion Davies em “Miragens” (1928) |© MGM/ Warner

Da autoria de King Vidor, um realizador fundamental do cinema norte-americano do século XX, responsável por títulos como “A Cidadela” (1938) ou “Guerra e Paz”, chegou-nos “Miragens”, ou no original, “Show People”, um filme sobre uma jovem sulista que se muda para Hollywood na esperança de se tornar uma atriz famosa. Assim, se o título original é meramente descritivo, o português deixa já adivinhar o próprio conteúdo do filme.

“Miragens” narra a história do Colonel Pepper, que leva a sua filha, a jovem Peggy, até Hollywood. Lá, esta conhece Billy, que lhe arranja um trabalho no Comet Studio onde começa a trabalhar em comédia, até ao momento em que é descoberta pelo High Art Studio. Peggy muda então a sua identidade artística, e torna-se “Patricia Pepoire”, ignorando o seu antigo aliado Billy. Uma narrativa sobre o fenómeno da fama a “subir à cabeça”, e sobre quem está sempre presente para tentar restaurar a sanidade neste insano mundo.

Esta é uma comédia que olha para a indústria do cinema, ainda pertencente ao período do cinema mudo, ou surdo, se preferirem seguir a sugestão de Michel Chion. É um filme que pensa também muito sobre o que é o cinema, e sobre as noções de alta e baixa cultura, ou alta e baixa arte – arte de primeira e arte de segunda, e todo o role de pretensão que esta separação errónea implica.  É contudo um filme leve e povoado por cameos de diversas lendas do mudo como Fairbanks ou Chaplin.




O HOMEM DA MANIVELA (1928) 

Cinemateca
“O Homem da Manivela”  (1928)| © Metro-Goldwyn-Mayer (MGM)
Ainda no reino da comédia silenciosa, encontramos uma obra da parelha Edward Sedgwick e  do eterno ator e realizador Buster Keaton, “O Homem da Manivela”, ou “The Cameraman” no original.
Esta comédia romântica familiar é uma, entre diversas produções desta lista, que pensa sobre o próprio sistema de Estúdio, que por volta desta altura florescia. Aqui, um homem desastrado, desesperadamente apaixonado por uma mulher que trabalha na MGM, decide tornar-se operador de câmara para estar mais perto da sua paixão.
O filme é protagonizado pelo próprio co-realizador Buster Keaton no papel de Buster Shannon e por Marceline Day, estrela da comédia muda nos anos 20 e 30, que contou com mais de 60 créditos como atriz. A transição para o som correu bem, mas perdeu os grandes papéis em filmes de estúdio e começou a participar em produções de “Série B”, de tal forma que acabou por se reformar a meio dos anos 30, e daí até à sua morte em 2000, aos 91 anos, nunca mais quis falar da sua carreira no cinema. Apesar de tudo isto, encantou neste filme junto a Keaton.




O HOMEM DA CÂMARA DE FILMAR (1929)

Man with a movie camera - vertov
“O Homem da Câmara de Filmar” (1929) |©Vseukrainske Foto Kino Upravlinnia (VUFKU)

Quase de início traio a minha intenção de não incluir o género documental nesta lista. Contudo, este “Man with a Moving Camera” funciona como uma ode ao cinema, como uma das primeiras, inaugural e assim considerada de forma consensual como um objecto incontornável. O realizador polaco Dziga Vertov está para sempre imortalizado na História do Cinema, e por isso aqui se inclui este seu documentário musical.

A premissa deste filme experimental russo é bastante simples. Uma espécie de documentário sobre a vida na União Soviética, um documentário sobre as próprias gravações do documentário, onde a câmara é evidenciada ao contrário de escondida. Um filme onde a própria edição do filme se faz mostrar, onde quem filma também é filmado. Uma ode à câmara de filmar, que resistiu e continuará a resistir à passagem do tempo.

Adicionalmente, é uma das primeiras, senão mesmo a primeira sinfonia urbana.




NASCEU UMA ESTRELA (1937)

Nasceu Uma Estrela - Filmes sobre cinema
Janet Gaynor e Fredric March em “Nasceu Uma Estrela” (1937) |©Reel Media International

A nossa viagem passa por 1937, e pelo filme original “A Star is Born”, que deste então teve três novas versões, nem todas elas centradas na indústria cinematográfica, com a música a envolver-se também noutras interpretações desta narrativa clássica de Hollywood. O filme fundador foi o de William A.Wellman, protagonizado por Janet Gaynor (“Aurora”) e Fredric March (“O Médico e o Monstro”).

Narra-se a história de uma jovem aspirante a atriz que consegue caminhar rumo à fama e fortuna, ao mesmo tempo que lida com a trajectória descendente do seu marido, que a descobriu em primeiro lugar. Enquanto encontra cada vez mais sucesso na sua carreira, a estrela em decadência Norman Maine, o seu marido, mergulha numa espiral de alcoolismo e depressão.

O filme foi premiado em Veneza com o agora extinto prémio para Melhor Filme Estrangeiro, e foi ainda nomeado a 8 Óscares, tendo vencido na categoria de argumento. “A Star is Born” recebeu ainda um Óscar honorário, entregue a W. Howard Greene pelo seu trabalho pioneiro na cor do filme, numa altura em que a maioria das obras eram ainda a preto e branco. Isto porque a fotografia com cor não era, nesta altura, ainda reconhecida com uma categoria própria pela academia.




A QUIMERA DO RISO (1941)

Sullivan’s Travels
“A Quimera do Riso” (1941)| © Paramount Pictures

Damos um salto até 1941, e até ao som, ainda a preto e branco, e chegamos ao clássico norte-americano “A Quimera do Riso”. Preston Surges faz-nos acompanhar a história de uma realizador de cinema neste seu “Sullivan’s Travels”. Sullivan, o protagonista, é um realizador bem sucedido de filmes “fluff”, mimado, ingénuo, com um coração de ouro. Este decide fazer um filme sobre os mais pobres, e contra a vontade dos seus produtores, veste-se de sem-abrigo e sai para a rua sem dinheiro, para experimentar a pobreza em primeira mão.

Este é o retrato de um realizador que procura fazer “cinema social”, e que fica surpreendido com o que encontra nesta sua demanda.




CREPÚSCULO DOS DEUSES (1950)  

Sunset Boulevard Filmes sobre cinema
Gloria Swanson em “Crepúsculo dos Deuses” |© 1950 – Paramount Pictures. All rights reserved.

“Sunset Boulevard” é um dos filmes mais belos alguma vez realizados sobre a indústria de Hollywood, e sobre a carreira de uma atriz em declínio que procura um regresso em grande. Tantos filmes seguiram esta narrativa posteriormente, mas nenhum deles alcançou a graça deste filme de Billy Wilder, considerado por muitos um dos melhores filmes de sempre.

Estamos na Hollywood dos anos 50, e um argumentista desconhecido, Joe Gillis (William Holden), está repleto de dividas, e prestes a regressar à sua cidade natal e abraçar a vida de escritório. Até ao momento em que encontra, por acaso, uma mansão decadente em Sunset Boulevard. Conhece então a proprietária, a icónica personagem Norma Desmond (interpretada por Gloria Swanson). Desmond vive sozinha, apenas na companhia do seu condutor privado e do seu mordomo. Foi em tempos uma grande estrela do mudo, mas está há muito afastada das luzes da ribalta (um fenómeno que marca muito esta transição para o som).

Norma perdeu já grande parte do seu contacto com a realidade, sofre de demência e acredita que o seu regresso às telas de cinema é eminente. A atriz propõe a Joe mudar-se para a mansão e escrever o argumento para este seu regresso, e o escritor envolve-se numa relação pouco saudável com Norma. Até ao momento em que conhece uma jovem argumentista, e tudo muda…

Esta obra tornou-se um clássico de culto, mas foi também bastante apreciada no seu tempo. Nos Óscares de 1951, o filme foi nomeado para 11 Óscares, incluindo todas as prestações centrais. Acabou por levar as estatuetas pelo argumento, pela sua maravilhosa direcção de arte (na altura na categoria preto e branco) e pela sua música.




CATIVOS DO MAL (1952)

The Bad and the Beautiful filmes sobre cinema
Kirk Douglas e Lana Turner em “Cativos do Mal” (1952)|© Metro-Goldwyn-Mayer (MGM)

Do grande Vincente Minelli, realizador de “Um Americano em Paris” (1951), “Gigi” (1958), entre muitos outros, chegamos a uma das suas obras mais reconhecidas – “The Bad and the Beautiful”, protagonizado por atores como Lana Turner, Kirk Douglas ou Dick Powell. Bem mergulhado nos “podres” da indústria, este filme acompanha a jornada de um produtor de cinema sem escrúpulos que usa uma atriz, um realizador e um argumentista para alcançar o sucesso.

O ambicioso produtor, que todos explora para se tornar um grande vulto na indústria, foi interpretado por Kirk Douglas, pai do ator Michael Douglas, que foi nomeado ao Óscar por este filme. Ao todo, a obra contou com seis nomeações, vencendo em cinco categorias, incluindo Melhor Atriz Secundário, tendo falhado apenas a vitória para Douglas.




ASSIM NASCE UMA ESTRELA (1954)

A Star is Born 1954
Judy Garland em “Assim Nasceu uma Estrela” (1954) |©Warner Bros. Pictures

Passados não muitos anos, foi-nos entregue uma segunda versão de “Assim Nasce Uma Estrela”, a mais longa, com 2 horas e meia de duração, e a que costuma receber mais carinho por parte de quem escreve sobre as várias interpretações desta história (como todos sabemos, a de 1976, com Barbra Streisand, é a menos apreciada de todas).

Judy Garland é a grande força do filme, e embora esta segunda versão pegue exactamente nos mesmos personagens, Vicki Lester e Norman Maine, a personagem de Lester ainda mais a do seu protagonista masculino, sendo Garland a alma do filme. À narrativa de uma estrela em ascensão e da estrela que a descobriu em decadência, “A Star is Born” de 1954 é um musical, o que lhe dá um novo brilho e energia. O filme foi indicado a seis Óscares, mas não venceu nenhum, apesar de ambos os atores terem saído vitoriosos na noite dos Globos de Ouro.

De resto, mantém-se mais fiel ao original do que as versões que se seguiram, as quais escolheram focar-se na indústria musical, apesar de manterem a mesma dinâmica entre os dois protagonistas. Contudo, essas já não têm direito ou sentido nesta lista.




LUZES SEM RIBALTA (1957)

The Smallest Show on Earth
Luzes sem Ribalta (1957) |©British Lion Films

Viajamos agora dos Estados Unidos até ao Reino Unido para olhar para uma comédia da autoria de Basil Dearden. Este não é um filme sobre a indústria ou actividade de fazer filmes, mas antes sobre o negócio da exibição. Em “Big Time Operators” (título americano) ou “The Smallest Show on Earth” (mais apelativo título original).

Seguimos um jovem casal recentemente casado. O casal da vida real Bill Travers e Virginia McKenna dão vida a Matt e Jean Spencer, um casal de classe média que procura sobreviver com uma atividade pouco lucrativa. Matt é argumentista, e o dinheiro não abunda.

Um dia, recebem um telegrama acerca de um tio distante que faleceu, deixando a Matt a sua herança, um negócio próprio, um pequeno cinema em Sloughborough. O casal muda-se então para esta localidade, na expectativa de uma nova vida de grandeza, apenas para descobrirem que este é um cinema decrépito, com um staff ineficiente. Decidem vendê-lo, mas as coisas não correm como planeado…

Começam assim a viver um dia-a-dia dominado pelas lides implícitas a donos de um cinema: questões relacionadas com projeção, som, selecção de filmes. Este último é o problema mais pertinente. As más finanças do cinema apenas lhes permitem adquirir Westerns americanos de Série B. As margens de lucro são inexistentes e algo terá de mudar nesta gerência. “The Smallest Show on Earth” coloca-nos numa ponte entre o passado e o futuro, entre os novos donos e os funcionários idosos, nostálgicos em relação às décadas iniciais do mudo.




A VÍTIMA DO MEDO (1960)

Filmes sobre cinema
Karlheinz Böhm em “A Vítima do Medo” (1960) |©The Criterion Collection

A produção britânica “Peeping Tom” é  bastante interessante, explorando a indústria cinematográfica e, mais em particular, a arte de fazer filmes recorrendo a um dos ângulos mais perversos a partir dos quais podemos reflectir acerca da mesma, como um elemento de voyeurismo. A câmara como uma entidade que segue e espia o sujeito, como um acessório que evidencia e alimenta uma perversidade patológica. Uma descrição melodramática? Talvez, mas a verdade é que “A Vítima do Medo”, no português, foi um filme que muito dividiu as audiências, habituadas nos anos 50 a registos cinematográficos mais leves.

Aqui, Michael Powell conta-nos a história do técnico de cinema Mark Lewis, que trabalha para um estúdio de cinema no Reino Unido. Nos tempos livros, fornece à loja de pornografia local fotos eróticas e filmes. Michael, um solitário sujeito sexualmente reprimido, aprecia a natureza fundamental do medo. Como adulto, tornou-se um assassino em série, que mata mulheres e filma os seus últimos suspiros com a sua câmara de 16 mm. A sua paixão são filmes domésticos, a preto e branco, que captam a natureza do terror.

“Peeping Tom” praticamente destruiu a carreira do seu autor, mas mais tarde tornou-se uma obra de culto e um enorme fenómeno, considerado por muitos uma obra prima. Uma leitura frequente do filme remete-nos para a sua natureza voyeurista , que torna os espectadores eles próprios “peeping toms”, voyeurs que retiram prazer a partir da observação dos outros. Será que não serão todos os espectadores de cinema igualmente culpados deste pecado? Um filme que explora ideias que poderiam originar a redacção de teses sem fim.




QUE TERIA ACONTECIDO A BABY JANE? (1962)

História dos Óscares
“Que Teria Acontecido a Baby Jane”? | © Warner Bros.

Não sendo propriamente um filme sobre a arte de fazer filmes, não deixa de ser uma interpretação do que foi ser uma atriz desta enorme máquina dos estúdios, à saída da era de ouro, que é normalmente balizada entre os anos 20 e os anos 60, sendo este período final um de transição, tanto no cinema europeu como norte-americano. 

“What Ever Happened to Baby Jane?”, de 1962, foi um filme de série B de terror/thriller que se tornou um inesperado sucesso, conquistando público, crítica e a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, valendo a nomeação a 5 Óscares, incluindo Melhor Atriz para Bette Davis, numa altura em que a sua carreira se encontrava em declínio. Levou até a estatueta para Melhor Guarda-Roupa.

Um filme a preto e branco, de baixíssimo orçamento, este futuro clássico ajudou muito na imortalização das atrizes Bette Davis e Joan Crawford, e também a sua rivalidade eterna durante e depois das filmagens. A série de Ryan Murphy, “Feud“, reflecte sobre as gravações deste filme, e defende que o Estúdio alimentou esta relação conflituosa entre as duas para vender o filme, e para reforçar a própria animosidade entre irmãs que vemos no ecrã.

A obra de Robert Aldrich centra-se em duas irmãs, ambas atrizes. O seu momento ao sol já passou há muito, e Blanche (Crawford)  e “Baby” Jane Hudson (Davis) vivem juntas numa mansão decrépita em Hollywood. Jane começou por ser a mais famosa, mas Blanche tornou-se mais famosa ao longo dos anos, criando um ressentimento em Jane. Blanche está agora  misteriosamente numa cadeira de rodas e Jane toma o controlo das suas vidas. Aqui, temos a descida até à loucura.

A narrativa de Baby Jane interliga-se com a rivalidade e disputas fora do ecrã, tornando esta obra ainda mais notoriamente um produto e um reflexo da sua indústria.




O DESPREZO (1963)

Le Mépris - filmes sobre cimema
Brigitte Bardot e Jack Palance em “O Desprezo ” de Jean-luc Godard (1963) |©Rialto Pictures

Se há uma coisa, entre tantas outras, que define as artes e o cinema nos anos 60, é um movimento de libertação de constrangimentos e amarras, e uma capacidade de reinvenção. A Nouvelle Vague e os seus impulsionadores, entre eles Godard, pensaram muito sobre o que é o cinema, sobre a validade desta forma de arte, e analisaram os filmes como talvez ninguém tivesse feito até então. Não fossem muitos deles em primeiro lugar críticos, como sabemos, e como é o caso de Godard.

“O Desprezo”, uma co-produção entre a França e a Itália, dentro da lógica “meta” desta corrente, é um filme totalmente sobre cinema. Sobre as ruínas dos grandes estúdios na sequência da guerra, passando por cenários como a Cinecittà  italiana. É também uma narrativa que pensa a adaptação de um documento escrito para filme. “O Desprezo” é como que uma adaptação de uma adaptação…de uma adaptação.  É um filme sobre mitologias, sobre aventuras épicas, e o cinema parece ser uma delas (uma mitologia e uma aventura épica).

É um filme no qual assistimos à realização de um filme, e onde a figura da estrela de cinema é também ela explorada, de uma forma provocadora. “Le Mépris” vence ainda por casar esta natureza técnica com uma narrativa melancólica, e por apresentar um delicioso cameo de Fritz Lang como o realizador.




FELLINI 8 ½  (1963)

Guillermo del Toro
“Fellini 8 1/2” | © Archives du 7e Art/Cineriz

Continuamos em 1963, com outro clássico absoluto, “8½” de Federico Fellini, um dos maiores mestres irrefutáveis do cinema italiano, quiçá simplesmente do cinema.

Marcello Mastroianni é Guido, um realizador de cinema que procura relaxar entre projectos. Embora diversos dos seus frequentes colaboradores o procurem em busca de trabalho, nada lhe surge. Enquanto procura inspiração, pensa sobre os grandes acontecimentos da sua vida, sobre as mulheres que amou, e sobre as mulheres que perdeu. Este é um filme honesto, auto-referencial, uma espécie de autobiografia filmada de Fellini, na qual pensa sobre o processo de criar para cinema.

Este é um filme franco, honesto, feito sem pretensão, que nos deixa entrar nos bastidores deste fascinante e complexo mundo.




A NOITE AMERICANA (1973) 

Day For Night filmes sobre cinema
“A Noite Americana “(1973) |©The Criterion Collection

Os filmes dos grandes vultos da Nouvelle Vague têm, em grande parte, uma natureza reflexiva sobre o cinema, e por vezes são até situados nas gravações de obras cinematográficas, como é o caso deste “A Noite Americana”, já num período mais tardio, 1973, uma obra escrita e realizada por François Truffaut.

Esta comédia romântica dramática situa-se nas gravações de “Je Vou Presente Pamela”. Esta é a história de uma inglesa casada, que se apaixona e foge com o pai do seu marido, um francês. Paralelamente, vemos as filmagens que decorrem, a forma como toda a equipa interage, e também temos algumas pistas sobre as suas vidas privadas, que acabam por ter impacto nas próprias gravações. Assim, vemos um realizador a tentar lidar com um conjunto de crises no set, enquanto tenta terminar o seu filme.

O poster inglês do filme indica esta obra como “um filme para pessoas que adoram filmes”. Truffaut dá ele próprio vida ao realizador do filme dentro do filme, tornando-o ainda mais “meta”.




O SEGREDO DE FEDORA (1978) 

Filmes sobre cinema segredo de fedora
“O Segredo de Fedora ” (1978)| ©Olive Films

Voltamos a Billy Wilder, um dos realizadores mais importantes dos Estados Unidos na época clássica, e chegamos a “Fedora”, um filme que acaba por ter alguns pontos de contacto com o seu “Sunset Boulevard”, isto porque Wilder apreciava criar filmes acerca não apenas da indústria cinematográfica, mas sobre showpeople. Sobre cantoras, e atrizes, produtores, realizadores, argumentistas, sobre o microcosmos que conhecia e sobre o mundo fascinante das artes e do mundo do espectáculo.

Este drama romântico acompanha o produtor Barry ‘Dutch’ Detweiler, que tenta aliciar Fedora, uma atriz com bastante prestígio, mas que vive uma vida de reclusão. Procura ativamente que ela saia da reforma e participe no seu projecto. Aqui, tal como em “Crepúsculo dos Deuses”, o filme é liderado por Holden. Martha Keller, por outro lado, deu vida à excêntrica Fedora e, entre diversos personagens secundários, Henry Fonda representou o Presidente da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood.




AMADOR (1979) 

Camera Buff Filmes sobre Cinema
“Amador” (1979) |© Film Polski

Com “Amador” (“Amator” no seu original, ou no seu título internacional “Camera Buff”) recebemos nesta lista a obra do realizador Krzysztof Kieslowski , um vulto gigantesco do cinema polaco, responsável pela maravilhosa trilogia das cores. Kieslowski deixou-nos infelizmente bastante cedo, em 1996 aos 54 anos. Contudo, a sua obra vive e é recordada como poucas o são.

Neste filme, acompanhamos a história de Filip, que compras uma câmara de filmar de 8mm aquando do nascimento do seu primeiro filho. É a primeira câmara da sua cidade, e por isso é nomeado fotógrafo oficial. Começa a ser enviado a festivais de cinema regionais, o que abre os seus horizontes. Tem a oportunidade assim de mostrar os seus trabalhos, que continuam a ser dominados por conflito doméstico e dilemas filosóficos.

O nosso protagonista começa a ver o mundo (literalmente) através de uma lente diferente, e o momento em que compra a sua câmara torna-se formativo de muitas formas distintas. Esta comédia dramática diz-nos muito sobre a paixão pela realização, e muito sobre a reacção institucional que surge na sequência desta paixão.




O ESTADO DAS COISAS (1983)

The State of Things - filmes cinema
“O Estado das Coisas” (1982) |© Wim Wenders Stiftung

Wim Wenders gravou mais do que um filme em Portugal, com a então Madragoa Filmes.  No ano em que se assinalaram os 25 anos desde “Viagem a Lisboa“(1994), marcado por uma exibição do filme no LEFFEST, com a presença de Wim Wenders, e um concerto a marcar o reencontro de Wenders com Teres Salgueiro dos Madredeus, houve ainda tempo para voltar a exibir a primeira colaboração entre Paulo Branco e Wim Wenders.

Se “Viagem a Lisboa” foi gravado na capital, “O Estado das Coisas” foi gravado perto de Sintra, e assim, a mudança do LEFFEST de Estoril para Sintra em anos recentes serviu na perfeição esta exibição. Perto de onde o filme foi gravado, Wim Wenders voltou a apresentá-lo em 2019.

Em “O Estado das Coisas” assistimos a um filme sobre a gravação de um remake de um clássico de série B, “The Survivors”, o novo filme, recupera “Day the World Ended” de Roger Corman. O dinheiro acaba, o produtor desaparece, e a equipa fica à espera, sem rumo. Até ao momento em que o realizador, Friedrich Munro ( o mesmo de “Viagem a Lisboa”) decide regressar a Los Angeles para procurar o seu colaborador.

O “Estado das Coisas” é um marco importante na carreira de Wenders, e na narrativa dos filmes gravados no nosso Portugal, tendo esta obra saído vencedora de Veneza, em 1982, distinguida com o Leão de Ouro.




CINEMA PARAÍSO (1988) 

Cinema Paraíso - filmes cinema
“Cinema Paraíso” (1988) |©Miramax

Aqui chegamos a mais um título fundamental numa lista deste género. “Cinema Paraíso” é o derradeiro filme sobre o qual todos pensamos, ou muitos de nós pensamos, ao reflectir sobre verdadeira arte que pense a arte de fazer filmes, de forma intensa, apaixonada, livre de preconceito e arrogância.

Este belo filme de  Giuseppe Tornatore   permite-nos recuperar o momento em que nasce a paixão pelo cinema, e simultaneamente provoca uma nostalgia por um mundo que já não existe. Deixa uma saudade irreparável da ideia romântica do projecionista, que agora é apenas um técnico que carrega num botão, mas antes era muito, muito mais. Relembra-nos o carinho que nutríamos pelas salas de cinema de exibição independente onde crescemos a ver filmes. Algumas delas já não existem, e a sua natureza pessoal e única foi substituída, em grande parte, pela impessoal natureza genérica dos grandes conglomerados que exibem em centros comerciais.

“Cinema Paraíso” faz-nos sonhar novamente, e leva-nos para um mundo mágico que nos passa a pertencer brevemente. É-nos apresentado Salvatore Di Vitta, um importante cineasta italiano, que recebe um telefonema a informá-lo de que o projecionista local que o deixava ver todos os filmes do Cinema Paraíso, onde trabalhava, tinha morrido. Salvatore dava pelo nome de Totó na infância, e é precisamente para esse tempo na sua vida que somos transportados, bem como para o seu último adeus no presente.

Um filme essencial, uma homenagem ao cinema, vencedor do Prémio do Júri em Cannes, foi também o grande vencedor dos BAFTA desse ano, saiu vitorioso nos European Film Awards e  levou ainda a estatueta em nome da Itália nos Óscares. “Cinema Paraíso” só se torna mais pertinente à medida que o tempo passa, tornado-se o mundo que retrata cada vez mais distante.




BARTON FINK (1991) 

John Turturro
John Turturro em “Barton Fink” (1991) | ©20th Century Fox

Da mente dos frequentemente brilhantes irmãos Coen, chega-nos “Barton Fink”, uma comédia dramática com um cheirinho a thriller, situada em 1941.

Seguimos a narrativa da personagem titular, Fink (John Turturro), um argumentista intelectual que se muda de Nova Iorque para Los Angeles para escrever um filme sobre wrestling. Hospedado no bizarro Hotel Earle, Barton é assolado por um bloqueio criativo. Progressivamente, Barton torna-se cada vez mais removido do seu guião e mais entregue à sequência bizarra de acontecimentos que se desenrolam em seu torno.

“Barton Fink” continua a ser um dos filmes mais bem recebidos da dupla, nomeado a três Óscares e recebido em Cannes com os prémios de Melhor Ator, Melhor Realizador e a Palma Unânime entre os membros do Júri para Joel Coen, o irmão creditado pela realização. 



O JOGADOR (1992)

História dos Óscares
“O Jogador” (1992) | © New Line Cinema

De Robert Altman, surge-nos uma comédia dramática criminal repleta de cameos, onde nos focamos mais uma vez no sistema de estúdios de Hollywood e nos seus meandros suspeitos. Seguimos a vida de um executivo, que está a receber ameaças de morte de um argumentista a quem recusou um guião, mas qual deles?

Uma comédia mordaz que ridiculariza um sistema num tempo para lá do seu auge. O filme foi nomeado a três Óscares, nomeadamente Melhor Realização. Nos Globos de Ouro, levou o prémio de Melhor Comédia e Melhor Ator de Comédia para Tim Robbins no papel do executivo de uma grande produtora Griffin Mill. 



ED WOOD (1994) 

Ed Wood
“Ed Wood” (1994)  |©Touchstone Pictures

Uma comédia dramática biográfica que nos apresenta um dos registos mais sóbrios da carreira de Tim Burton. Depp está perfeito no papel de Ed Wood, o esforçado realizador Edward D. Wood Jr., cuja vida é aqui representada. Este é representado como alguém que muito tentou chegar ao topo, mas que acabava sempre a afundar novamente. É uma comédia algo negra, que retrata um sujeito excêntrico com uma filmografia bizarra, em suma, um autêntico outcast, um rejeitado eterno.

Este filme documenta os esforços cinematográficos de Wood, e como os seus amigos e desconhecidos se esforçaram para que este pudesse criar uma série de filmes de pequeno orçamento. Um filme sobre a paixão pelo cinema, e que funciona de uma forma quase pervertida e anti-climática. É uma obra sobre alguém que se dedicou profundamente à sua paixão, e que muito pouco conseguiu com isso. É o posto da história inspiradora de Hollywood, mas talvez por isso mereça ainda mais a sua voz.




VIAGEM A LISBOA (1994) 

Viagem a Lisboa
“Viagem a Lisboa” (1994) |©LEFFEST

“Viagem a Lisboa” é um filme que dá continuidade a personagens já existentes no mundo cinematográfico do grande Wim Wenders,  Phillip Winter e Friedrich “Fritz” Monroe, e as coloca numa altura de profunda transição em Portugal e em Lisboa, num momento de modernização, e num momento em que a sua câmara, e a câmara dos seus personagens, veio captar uma forma de viver que parece não ser a mesma que existe passados 25 anos.

Uma obra com pouco enredo, sobre um realizador que pede ajuda ao seu amigo técnico de som para uma crise criativa pela qual está a passar, enquanto em Lisboa. Esse amigo segue-o até à nossa capital, onde o procura incessantemente até descobrir que este procurou fundir-se com a cidade depois de concluir que a imagem filmada com a mediação do olhar do homem era impura.

Um filme que deve algo a correntes do passado, como as sinfonias urbanas, porque embora siga princípios distintos tem na base a mesma ideia, seguir os sons e os ambientes de uma cidade, personagem principal acima do homem. Aqui, a cidade é descoberta através das câmaras e acima de tudo da música dos Madredeus. Aqui, o filme comunica uma inequívoca paixão pela imagem, embora procure compreender os seus limites.

Incluí, diga-se de passagem, uma ótima sequência de cameo protagonizada por Manoel de Oliveira.




 VIAGEM AO PRINCÍPIO DO MUNDO (1997)

Cinemateca Portuguesa
Marcello Mastroianni em “Viagem ao Princípio do Mundo” (1997) |© Alambique

Da autoria de Manoel de Oliveira, e porque esta lista precisa de mais títulos nacionais, chega-nos uma obra autobiográfica, onde Manoel de Oliveira é o próprio sujeito da sua obra.

O ator italiano Marcello Mastroianni  (“8½”, “A Doce Vida”) dá vida ao realizador Manoel, tendo sido este o seu último trabalho, antes de falecer aos 72 anos em 1996, sem ver o lançamento do filme. Já Manoel, como sabemos, viveu até aos 106, sempre no ativo, e terá para sempre o título honroso de ser o único realizador no ativo desde o mudo ao digital, ou pelo menos assim é aceite por uma generalidade de pessoas. Mesmo que não seja verídico, é um feito notável.

“Viagem ao Princípio do Mundo” é muito um filme sobre memória. Manoel viaja com a sua equipa, por Portugal, em busca das origens de Afonso, um ator francês cujo pai emigrou de Portugal para França. No decurso desta viagem, vai recordando a sua própria juventude. Um filme que serve como testemunho.




INADAPTADO (2002) 

História dos Óscares
“Inadaptado” (2002)|  © Sony Pictures

Mais para o final desta lista, chegamos finalmente ao século XXI. Começamos com Spike Jonze, um autor determinante no decurso das últimas décadas.  Em “Inadaptado”, Nicolas Cage entrega uma das prestações da sua vida no papel de Charlie Kaufman.

Charlie Kauffman é, desde já, o argumentista real deste “Inadaptado”, ou antes, co-argumentista e o escritor de “Queres ser John Malkovich?” (1999), colaborador de Jonze. Este pequeno pedaço de informação torna o filme desde logo bem mais meta, não fosse o seu último filme “Being John Malkovich”, suficientemente auto-reflexivo.

Nesta obra, Charlie Kaufman, enquanto o seu último filme ainda está em produção, é contratado para adaptar o livro “The Orchid Thief”. Charlie quer ser fiel na sua adaptação, mas está a ter dificuldades, que são agravadas por detalhes da sua vida pessoal.




UM PEIXE FORA DE ÁGUA (2004) 

Life Aquatic Filmes sobre Cinema
“Um Peixe Fora de Água “(2004) |©Touchstone Pictures

Escrito por Wes Anderson a meias com o realizador Noah Baumbach, “The Life Aquatic With Steve Zissou” (2004) é uma obra encantadora, e talvez uma das mais excêntricas da muito excêntrica carreira de Wes Anderson.

Seguimos um meta-filme, acompanhando as aventuras de Steve Zissou , um oceanógrafo interpretado por Bill Murray. Acompanhamos as gravações do seu mais recente documentário, numa altura em que a sua carreira tem sido dominada por fracassos, com percalços diversos, pouco dinheiro para as produções e, claro, o mistério residente que molda a acção, o seu melhor amigo foi devorado por um tubarão no decurso destas gravações, e a vingança é prioritária.

Um filme extravagante sobre a realização de um outro quiçá ainda mais, onde o brasileiro Seu Jorge canta músicas de Bowie em português, e onde todos os personagens são caricaturas deliciosas, como é habitual na obra do realizador norte-americano.




INLAND EMPIRE (2006) 

filmes sobre cinema
Laura Dern em “Inland Empire” (2006) |©Inland Empire Productions

Este não é o único filme de Lynch que pensa o mundo do espectáculo, mas é um com um enredo particularmente perverso.

Uma co-produção entre a França, Polónia e Estados Unidos, um filme falado em inglês e polaco, sobre uma atriz que se prepara para o maior papel da sua vida, e que acaba por ver a sua vida transformada na da personagem ficcional que está prestes a gravar. O bizarro toma conta da sua vida, à medida que descobre mais sobre a versão original que está a recriar nesta obra. Uma produção polaca condenada, nunca terminada devido a uma enorme tragédia…

Um filme sobre a realização de um remake, onde uma atriz se prepara para interpretar uma outra atriz, com quem começa a estabelecer pontos de ligação.  Um drama misterioso com algum terror à mistura que pensa o processo de criação e nos apresenta, pelo caminho, uma ótima prestação da grande Laura Dern.




CADA UM O SEU CINEMA (2007) 

Filmes sobre cinema
“Cada um o Seu Cinema” (2007) |© Cannes Film Festival

Esta colectânea compila um conjunto de 33 curtas-metragens, realizadas por grandes vultos, sobre o que é e o que significa o Cinema para diferentes realizadores.

Uma obra criada a propósito do aniversário do Festival de Cannes, celebrando então os seus 60 anos, e a qual cobre aspectos distintos da arte de fazer cinema. Especialmente interessante para amantes e estudiosos da sétima arte, “Cada Um O Seu Cinema” contém curtas de autores tão díspares como Jane Campion, os irmãos Coen, os irmãos Dardenne, Cronenberg, Manoel de Oliveira, Ken Loach, Gus Von Sant, Lars Von Trier, Roman Polanski, entre muitos outros ícones.

Um registo sobre diversas formas distintas de fazer e ver cinema, que promete enriquecer quem o vê, propondo uma experiência distinta.




A INVENÇÃO DE HUGO (2011) 

Avanços Tecnológicos no cinema
Asa Butterfield em “A Invenção de Hugo” (2011) | © GK Films

“Hugo” é um dos filmes mais fora de “carácter” da autoria de Martin Scorsese. A violência, os gangsters, os homens corruptos de fatos, são substituídos por magia, encantamento e pela paixão pela História do Cinema nesta fábula que o realizador dedicou aos seus netos.

Este filme procura mostrar, da forma mais leve e didáctica possível, como foram os primórdios do cinema, focando-se particularmente nas belas curtas-metragens iniciais de Georges Méliès, aqui interpretado pelo britânico Ben Kingsley.  O filme é protagonizado pelo órfão Hugo Cabret, um menino orfão que vive numa estação de comboios na Paris de 1930. A sua vida muda para sempre quando conhece Méliès, ou pelo menos a versão fantasiosa de Méliès criada por Scorsese neste seu acolhedor filme familiar.

“A Invenção de Hugo” é baseado no best-seller de Brian Selznick, que se inspira na verdadeira história do cineasta Georges Méliès. Este filme foi, sem surpresa, um verdadeiro sucesso nos Óscares, arrecadando 5 estatuetas.




O ARTISTA (2011) 

História dos Óscares
“O Artista” (2011)|  © The Weinstein Company

Aqui fica também o filme que “Roubou” ao último filme mencionado a estatueta principal da noite dos Óscares. “O Artista” foi outro dos grandes vencedores em 2012, num ano particularmente dominado por filmes que pensam a indústria. “O Artista” pensa um dos momentos mais críticos deste mundo do cinema, a transição para o som, que muito fez vacilar inúmeras carreiras.

Acompanhamos George Valentin (Jean Dujardin) na Hollywood de 1927, neste filme vencedor de 5 Óscares produzido pela desgraçada The Weinstein Company, retratando um tempo em que o som prometia muito, mas para alguns não era mais que uma fase incómoda e passageira, uma fase passageira que arrasou com estrelas estabelecidas quando o imperativa da novidade se fez ouvir.

Uma narrativa alegre, animada, sobre uma questão complexa na indústria que retrata, e que certamente tocou os membros mais seniores da Academia.




SUPER 8 (2011) 

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Francois Duhamel – © 2011 Paramount Pictures. All Rights Reserved.
Neste ano onde surgiu tanto cinema notável sobre cinema (” A Minha Semana com Marilyn” também foi lançado em 2011, se precisarem de mais provas), J.J Abrams, com Spielberg como produtor,  lançou um simples mas eficaz filme adolescente com um espírito que atualmente está muito em voga, o espírito de “IT”, de “Stranger Things”, que coloca um bando de pré-adolescentes a brincar com gadgets  e acessórios dos anos 80, enquanto desvendam um mistério num cenário de ficção científica ou terror.
Estamos no verão de 1979, e um grupo de amigos testemunha um acidente de comboio suspeito, enquanto gravavam um filme em super 8, investigando posteriormente eventos inexplicáveis que se multiplicam na sua pequena vila. Este não é um filme sobre a arte de fazer cinema, mas um que usa a câmara como uma fiel e digna testemunha, evidenciada e destacada.




AO ENCONTRO DE MR.BANKS (2013) 

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“Ao Encontro de Mr.Banks “(2013) |© Walt Disney Studios

Com “Saving Mr.Banks” chegamos a mais uma obra familiar sobre a História do Cinema, onde uma agradável comédia biográfica nos ensina algo acerca dos desafios que são contemplados no decurso do processo de adaptação de uma obra.

Aqui assistimos a um divertido duelo de titãs entre Tom Hanks, que interpreta Walt Disney e Emma Thompson, que dá vida a P.L. Travers, autora dos livros que criaram a personagem Mary Poppins. Ao longo de duas horas de filme observamos Disney a tentar convencer Travers a adaptar a obra ao grande ecrã, estando a escritora para lá de reticente. Sabemos como esta batalha acaba, e embora este não seja um filme muito determinante, não deixa de ser divertido e informativo.

Valeu a Thomas Newman uma nomeação ao Óscar pela sua música e a Emma Thompson uma nomeação ao Globo de Ouro, mas foi ainda assim considerado um “oscar bait” falhado. Talvez não seja um “grande filme”, mas é um filme pertinente e que faz chegar uma história interessante a uma grande audiência.




 VIS-À-VIS (2013)

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“Vis-à-vis” (2013) |©Antitalent Produkcija

Um filme no qual os protagonistas não merecem nomes, sendo eles: realizador, ator principal, ator famoso, produtor… Um filme de Nevio Marasovic, que pensa o processo de criação do filme, isolando-o de tudo o resto. o realizador está a trabalhar num novo filme, e convida o protagonista para uma ilha remota, para que possam trabalhar no argumento. Devido ao isolamento no período do inverno. precisam de aprender a lidar com as suas frustrações pessoais, cada vez mais interligadas às questões do enredo do filme.

Uma obra que procura ser universal no tratamento da temática da criação artística. Este filme é de certa forma auto-biográfico para o seu realizador, mas em certos aspectos mais gerais, poderia pertencer a outro criador.




MAPA PARA AS ESTRELAS (2014) 

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Robert Pattinson em “Mapa para as Estrelas” (2014) | © Prospero Pictures

Uma comédia dramática criada por Cronenberg, onde recupera a sua colaboração com Robert Pattinson e nos apresenta um role de personagens caricatos que se movem no mundo excêntrico de Hollywood.

Vemos esta manifestação de excesso através dos olhos de um motorista, Jerome Fontana, interpretado por Pattinson, um jovem que sonha com uma carreira como ator.  Julianne Moore é a grande estrela do filme, interpretando um dos papéis mais explosivos da sua carreira.




BIRDMAN OU ( A INESPERADA VIRTUDE DA IGNORÂNCIA) (2014) 

© 2014 – Fox Searchlight

“Birdman” é um filme que entra novamente num dos universos preferidos da Academia de Hollywood. O filme vencedor do Óscar de Melhor Filme em 2015 reflecte sobre uma estrela fora do seu auge, que procura voltar às luzes da ribalta. Um exercício estético e narrativo exímio criado por  Alejandro G. Iñárritu, “Birdman” é mais um filme sobre teatro do que sobre cinema, mas é acima de tudo uma obra sobre o “show biz”.

Michael Keaton é impecável no papel de Riggan, um ator que é famoso por um papel que desempenhou no cinema há mais de 20 anos, o do super-herói “Birdman”, um fenómeno blockbuster que teve direito a duas bem-sucedidas sequelas. Para sempre, Riggan Thomson ficou associado a este “Birdman”, e acabou por se ver desvanecido no personagem. Agora, na meia idade, prepara-se para estrear a sua primeira interpretação na Broadway, tentando finalmente afirmar-se como artista. Contudo, terá de lidar com muitos obstáculos: críticos arrogantes, a sua própria família, a máquina que precisa de colocar em funcionamento ou a simbiose bizarra que tem com o seu personagem “Birdman”.

Filmado numa ilusão de um único single shot (plano-sequência sem cortes), “Birdman” é uma experiência alucinante e um exercício que pensa a experiência artística e a sua delicada natureza.




EU, O EARL E A TAL MIÚDA (2015)

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“Eu, o Earl e a Tal Miúda “(2015) |©Fox Searchlight Pictures

“Me & Earl & The Dying Girl ” é possivelmente um dos melhores filmes alguma vez feito sobre uma miúda a morrer com cancro. Não explora a doença de forma decadente, e por muito que nos faça soluçar e chorar um bom choro reparador, não é melodramático. É uma comédia dramática com o selo típico de Sundance, que na verdade é, de forma inesperada,  não sobre cancro em crianças, mas sobre a arte de fazer filmes.

É acima de tudo sobre o impacto que o cinema tem nas nossas vidas. O cinema é a estrela do momento mais bonito e devastador do filme, e é a atividade favorita do nosso protagonista. Neste filme da autoria de Alfonso Gomez-Rejon (realizador de múltiplos episódios de “American Horror Story”) e escrito por Jesse Andrews, baseado no seu romance bestseller, seguimos um estudante de liceu, Greg, que passa a maior parte do seu tempo a fazer paródias de filmes clássicos com outro jovem, Earl. A sua vida muda para sempre quando se torna amigo de uma colega, Rachel, que acabou de ser diagnosticada com leucemia. 

É um filme repleto de humanidade, e onde o cinema é uma ferramenta perfeita para testemunhar os laços entre seres humanos.




LA LA LAND – A MELODIA DO AMOR (2016) 

Damien Chazelle @ Lionsgate
© Lionsgate

“La La Land – A Melodia do Amor” é entendido por alguns como um filme simples, um merecedor segundo lugar, vítima de uma grande embrulhada nos Óscares. A verdade é que este filme, estreado em Veneza, onde Emma Stone venceu Melhor Atriz como antecipação premonitória do seu Óscar, merece ser destacado pela sua natureza original, a qual muitos poderão não captar. Este é um musical criado originalmente para o cinema, sobre o cinema, e que não leva a indústria de que fala demasiado a sério, prestando homenagem mas utilizando também um tom irónico no que diz respeito ao tratamento dos personagens clichés que estão presentes na Hollywood do século XXI. É esta uma combinação muito rata.

Falamos de um musical onde o cuidado dedicado ao pormenor é notório, e onde de facto o argumento fica em segundo lugar face ao espectáculo visual e à experiência musical rica. A história é muito simples, é uma de sonhos e ambições, que se repete, uma e outra vez. O sonho de ser algo mais, de deixar uma marca permanente na cultura, no mundo, de ser recordado, de ser imortalizado pelas luzes e câmaras de filmar, de permanecer para sempre no tecido cultural.

Esta é uma obra com um sentimento clássico notório, mas que ao mesmo tempo só poderia existir, e só faria sentido existir no século XXI. É evidente que foi um realizador jovem que pensou este mundo, estando este filme na mente de Damien Chazelle desde os tempos de faculdade. Um verdadeiro apaixonado por cinema e pela “La La Land”, a Los Angeles de Hollywood e todo o seu simbolismo, “La La Land” é uma homenagem à história do cinema, que tem como principal virtude a sua arrebatadora sequência final, o Epilogo, belo e repleto de referências cinematográficas sem fim.




OLHARES LUGARES (2017) 

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“Olhares Lugares” (2017) |© Le Pacte

Chegamos a mais um dos poucos títulos do género documentário contidos nesta lista. É importante inclui-lo, pois Agnès Varda foi deste sempre uma força da natureza, uma mulher forte numa altura e num movimento dominado por homens, a Nouvelle Vague francesa dos anos 60. Este seu penúltimo filme, antes de morrer este ano aos 90 anos, mostra uma vez mais o seu carácter distinto, notável, e coloca também em frente ao ecrã a sua cineasta, mostrando a vitalidade imensa que tinha ainda no final da casa dos 80.

Era Varda um dos últimos grandes vultos da Nouvelle Vague, e aqui, recorda alguns elementos do seu trajecto em conjunto com um aliado improvável, o seu co-realizador J.R, um artista de murais. Juntos, viajam por França com uma cabine fotográfica portátil, fotografando pessoas por todo o país. Pelo caminho, a antiga veterana e o jovem artista partilham as suas opiniões sobre o mundo, em conversas dignas que, de facto, mereceram ser filmadas.

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A magia do cinema é pensada pelos seus criadores desde os primórdios da sua atividade, e será sempre um material rico para a própria criação artística.

Que outros filmes deveriam integrar esta lista?

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