Cailee Spaeny em "Priscilla" |© A24

Priscilla de Sofia Copolla, a Crítica | Quando Cailee Spaeny é a maior estrela de Graceland

“Priscilla” inverte o rumo habitual do drama biográfico: em vez de se focar na grandiosidade, no extraordinário e no culto das figuras que marcaram a cultura popular, apresenta-nos a intimidade nua de uma personagem olhada com menos atenção. Sofia Coppola dá à jovem Priscilla Presley espaço para sair da sombra de Elvis, honrando assim as figuras femininas que se escondem atrás de grandes homens. 

Elvis Presley, o Rei do Rock’n’Roll, é uma daquelas figuras tão estruturantes para a cultura do século XX, que foi capaz de ascender ao estatuto mítico de pessoa imortal. As teorias da conspiração não são poucas, e muitos imaginam vê-lo aqui e ali. A recusa de aceitar que os excessos cometidos o levaram a uma morte precoce aos 42 anos de idade prevalece. Quem vive a um ritmo alucinante nem sempre tem direito a uma vida plena. Como seres humanos, temos um apetite voraz e queremos tudo. Inclusive, queremos acreditar que podemos viver no limite e nunca ver as luzes dos holofotes a desligarem-se. Tal não aconteceu para Elvis, mas a sua lenda ficou.

Sofia Coppola Graceland
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Com “Priscilla”, o mais recente drama da autoria de Sofia Coppola, a lenda de Elvis perde poder. Esta figura endeusada torna-se um mero homem. Um homem com fragilidades, demónios, difíceis manifestações de apego emocional e laivos de narcisismo. Vemos tudo isto a partir do olhar da sua jovem esposa, que aprisionou na mais bela das jaulas – a mítica propriedade de “Graceland”.

Há muitos filmes sobre Elvis e a sua lenda. Tão recentemente quanto 2022, Baz Luhrmann, realizador rei do excesso e da opulência, realizou uma clássica biografia musical sobre o ícone, a qual foi indicada a 8 Óscares e elevou Austin Butler ao estatuto de super-estrela de cinema. Aqui, Elvis foi pintado quase como um mártir. Aqui, a história do seu primeiro encontro com Priscilla e o início da sua relação foi ignorada, o desconforto colocado de lado. Aqui, como em muitos outros retratos, surgiu a ameaça de simplificarmos o que uma figura pública foi no seu âmago.




Priscilla

Na realidade, “Priscilla” não podia ser mais distinto do ainda fresco na memória “Elvis”. Demarca-se de tantas outras biografias por escolher, com coragem e desafio, ser intencionalmente pequeno na sua escala. Apesar de Jacob Elordi, grande ídolo juvenil em rota de ascensão depois de “Saltburn”, ser bastante eficaz no seu retrato do Rei do Rock, a verdade é que esta narrativa e o seu ponto de vista não lhe pertencem. O argumento de Sofia Coppola baseia-se antes no livro de memórias “Elvis and Me”, publicado por Priscilla Presley (produtora executiva da longa), ex-mulher de Elvis, no ano de 1985 (8 anos depois da morte do cantor e mais de uma década depois do divórcio).

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Cronologicamente delineado, o filme começa em 1959, quando Priscilla e Elvis se conheceram na Alemanha. Já uma grande estrela aos 24 anos de idade, Presley encontrava-se a cumprir o serviço militar obrigatório e foi por lá que travou conhecimento com a jovem, filha de um militar. Na altura, Priscilla tinha apenas 14 anos e era ainda uma estudante do 9º ano.

A longa-metragem mostra-nos o secretismo da relação deste par, bem como o desconforto palpável sentido através da diferença de idades. Para o sucesso desta dinâmica, contribuem em grande parte as prestações de Jacob Elordi e particularmente de Cailee Spaeny (justamente vencedora da Volpi Cup no Festival de Veneza). Apesar de muito próximos em idades na vida real – Elordi tem 26 anos e Spaeny 25 – o casting e a interpretação da atriz contam uma história diferente.

priscilla critica leffest

“Priscilla” apresenta-nos várias décadas de evolução do relacionamento de Elvis e da sua única esposa, com arranque em 1959 e fecho com o seu divórcio em 1973. São 14 anos de uma narrativa pessoal dura, ao longo dos quais vemos uma menina dar lugar a uma mulher.




Cailee Spaeny é soberba neste retrato, conseguindo convencer nas duas peles. As várias fases do seu desenvolvimento são palpáveis, e a sua vontade de prevalecer num ambiente inóspito é notável. Embora o tempo cronológico não acompanhe o tempo narrativo, e Spaeny não envelheça realmente ao longo da obra, sentimo-la a crescer e esta transição tão dinâmica, aparentemente simples, raramente é tão bem conseguida no grande ecrã meramente através do trabalho da caracterização.

Infelizmente, com o seu retrato pouco favorável de Elvis, o filme de Sofia Coppola acabou por se tornar uma ovelha negra da atual temporada de prémios e chegar aos Óscares sem quaisquer nomeações. Cailee Spaeny e o guarda-roupa que a levam de menina a mulher mereciam a distinção e louvores mais generalizados.

Priscilla Elvis Presley Sofia Coppola
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Um pouco à semelhança do que Pablo Larraín e Natalie Portman fizeram com “Jackie”, Coppola e Spaeny dão verdadeira voz à jovem que se tornou a senhora de “Graceland” , mesmo sem nunca dominar este espaço místico ao qual se confinou.

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A cadência de “Priscilla” faz-se de silêncios, de espaços vazios, de ausências e de pequeníssimas afirmações de individualidade. A jovem Priscilla Beaulieu vagueia por uma imensa propriedade onde nunca verdadeiramente pertenceu, à espera de um homem que vive a mais completa das vidas fora de portas e que regressa à sua companheira de domesticidade para os momentos mortos e de relaxamento. Para a cumplicidade atrás de portas fechadas.

Ao fim de contas, a Priscilla de Coppola não é muito diferente da sua “Marie Antoinette” (2006). Uma jovem mergulhada em profundo tédio, presa numa situação extraordinária onde tem dificuldade em assumir controlo sobre o governo da sua vida. Onde a moda e a apresentação pessoal se tornam escudos mas também formas de estar. Refúgios.




Sofia Coppola Cinemas
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Mas onde Coppola já foi anacrónica no passado, por exemplo em “Marie Antoinette”, lá está, aqui cria um retrato quase imaculado das décadas de 50 e 60, com particular ênfase para os figurinos e penteados (já a música, essa não deixa de tocar no habitual anacronismo). Stacey Battat veste Priscilla Presley e, com cada fato meticulosamente criado, confere-lhe especificidade.

No final da obra saímos atordoados: como terá sido, tentar forjar um sentido de identidade ao crescer, como adolescente, na sombra de um grande ícone? “Priscilla” apresenta-nos esta jornada de forma tão plena que sentimos estar a ver o interior da alma da nossa protagonista.

TRAILER | PRISCILLA É UMA ENTRADA PRECIOSA NA FILOMOGRAFIA DE SOFIA COPPOLA

Priscilla” chegou aos cinemas nacionais a 7 de março de 2024. Pode e deve ser visto no grande ecrã, oferecendo um novo olhar sobre um conto endiabrado de tabloides. 

Priscilla
Priscilla

Movie title: Priscilla

Movie description: Quando a adolescente Priscilla Beaulieu conhece Elvis Presley numa festa, o homem que já é uma meteórica estrela de rock and roll revela uma personalidade totalmente inesperada nos momentos privados: uma paixão empolgante, um aliado na solidão, um melhor amigo vulnerável. Através dos olhos de Priscilla, Sofia Coppola mostra-nos o lado invisível de um grande mito americano, acompanhando o longo namoro e o turbulento casamento de Elvis e Priscilla, desde que se conhecem numa base militar alemã até à casa de sonho em Graceland, neste retrato profundamente sentido e deslumbrante do amor, da fantasia e da fama.

Date published: 7 de March de 2024

Country: EUA, Itália

Duration: 113'

Author: Sofia Coppola

Director(s): Sofia Coppola

Actor(s): Cailee Spaeny, Jacob Elordi, Ari Cohen

Genre: Drama, Biografia, Romance

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  • Maggie Silva - 85
85

CONCLUSÃO

“Priscilla” narra a jornada muito pessoal e subjectiva da jovem noiva de Elvis, criando espaço para representar o que correria o risco de ficar para sempre no domínio da domesticidade. Assim, Sofia Coppola continua uma jornada clara de representação da psique das suas personagens centrais.

Pros

  • Deslumbrante, credível e capaz de enfeitiçar a câmara – Caille Spaeny como Priscilla;
  • Uma banda-sonora que fez das tripas coração para se manter interessante, mesmo depois do património de Elvis declinar a utilização das suas músicas neste filme;
  • O guarda-roupa que ajuda a desenhar a figura de Priscilla e a afirmar a sua individualidade num cenário desafiador.

 

Cons

  • Elvis Presley, no coração desta versão da história da sua esposa, acaba por poder surgir como algo caricatural ou pelo menos representado pela rama. Mas, ao fim de contas, esta não é a sua vez de figurar nas luzes da ribalta.
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