Roma da Netflix nos Óscares 2019

Óscares 2019 | Pode Roma fazer História?

Roma é um dos favoritos aos Óscares 2019 e pode tornar-se o primeiro filme não-anglófono a ganhar o Óscar de Melhor Filme.

Todos estão a falar de “Roma”, o novo filme do visionário Alfonso Cuarón! Além de ter sido a obra mais galardoada durante toda a Awards Season 2018/2019, “Roma” está agora nomeado para os Óscares 2019 e em 10 categorias. Surpreendentemente, está na corrida a Melhor Filme, onde concorre com “A Favorita”, “Assim Nasce Uma Estrela”, “BlacKkKlansman – O Infiltrado”, “Green Book – Um Guia para a Vida”, “Bohemian Rhapsody”, “Black Panther” e “Vice”. Entretanto, é de longe o favorito na categoria de Melhor Filme Estrangeiro, onde concorre em nome do México.

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“Roma” nos Óscares 2019

LEFFEST ’18 | Roma, em análise

Mas e se pararmos para pensar numa significativa vitória na categoria de Melhor Filme? O galardão não seria apenas uma mera conquista sem quaisquer repercussões. Na prática, a vitória de “Roma” simbolizaria o reconhecimento do cinema (e da cultura!) do México ao seu mais alto nível, além do reconhecimento do cinema hispânico e não-anglófono pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, e inclusive o reconhecimento (por direito!) da plataforma de streaming Netflix como uma das maiores produtoras da indústria do cinema na atualidade.

Mas será que a Academia estará disposta a quebrar muros ao cinema do exterior? E a abrir portas a novas formas de fazer e, sobretudo de ver cinema? Será “Roma” a fazer História nos Óscares 2019? E conheces exatamente todos os recordes de “Roma” na corrida aos Óscares 2019? Tentamos responder a estas perguntas e possibilidades no especial que preparamos a seguir.

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Alfonso Cuarón e o sonho de “Roma”

Roma nos Óscares

Com fortes tonalidades realistas, sobretudo pelo recurso ao preto e branco, a história de “Roma” está a percorrer o mundo por mostrar-se como um retrato fiel da vida no México. Mesmo assim, a pergunta de muitos espectadores que ainda não viram o filme é: porquê se chama “Roma”?

Na verdade, o título pode ser facilmente confundido com outro filme mais antigo: “Roma”, de Federico Fellini, um filme de 1972 com a participação de Marcello Mastroianni. Mas este “Roma”, de Alfonso Cuarón não tem nada que ver com Itália ou com a história desse país, aliás é uma história completamente original que não tem nenhum vínculo à obra felliniana. Talvez a pequena semelhança com o filme de Fellini seja o facto de ambos os realizadores aproveitarem-se de aspetos autobiográficos para retratar um país, uma cidade que é como quem diz as suas gentes. Alfonso Cuarón não esconde mesmo as influências de Federico Fellini em “Roma”, sendo este um dos grandes mestres da sétima arte que o mexicano admira.

No entanto, o “Roma” de Cuarón recebe o nome do bairro da Cidade do México onde a acção se desenrola. Esta é a zona onde vivia grande parte da classe alta mexicana durante a primeira década do século XX e onde ainda existem sumptuosas mansões e palacetes de forte inspiração europeia, inspirada pelo período de colonização. Com isto, Cuarón infiltra-nos numa história com fortes ressonâncias feministas.

Estamos na Cidade do México, na década de 1970. Cleo, de origem indígena, é empregada em casa de António e da sua esposa Sofia. Para além da responsabilidades domésticas, ela tem a seu cargo as quatro crianças do casal. Cleo é a primeira a levantar-se para acordar as crianças, alimentá-las e levá-las à escola e também a última a deitar-se depois de deixar tudo em ordem para o novo dia. Enquanto isso, o casamento está em ruptura e o país em mudança.

Sem demoras, o espectador mergulha nas memórias dos membros de uma família, mas também nas memórias do próprio realizador. Isto acontece porque em “Roma”, Cuarón viaja até às suas memórias do México, e a esse bairro onde cresceu. Mais precisamente na rua Tepeji, que aparece no próprio filme. Por sua vez, o luxuoso bairro é um símbolo perfeito para colocar em confronto diferenças sociais do país da América Latina. Se por um lado temos o luxo desse bairro, por outro temos Cleo e a sua amiga Adela, que é também empregada doméstica da casa, que partilham um minúsculo e cubículo quarto.

Roma nos Óscares

“Roma” é o projeto mais pessoal e difícil que Cuarón transpõe para o cinema, depois de 35 anos de carreira. Reconhecido por isso, Alfonso Cuarón acabou chamando espectadores para o seu “Roma”, até que inesperadamente conquista Veneza e domina nos prémios da crítica. O sucesso junto da crítica pode ser relembrado aqui.




Os recordes de Cuarón, acumulador de profissões

Óscares 2019
Alfonso Cuarón, Roma

É verdade, Alfonso Cuarón estabelece marcos invejáveis na história dos Óscares. Mestre em acumular funções na produção dos seus filmes, com “Roma”, Alfonso Cuarón igualou Warren Beatty como a pessoa com mais nomeações individuais aos Óscares da Academia por um único filme, precisamente em quatro categorias distintas. Warren Beatty foi mesmo reconhecido por duas vezes com quatro nomeações tanto por “O Céu Pode Esperar” (1978) como por “Reds” (1981) nas categorias de Melhor Filme, Melhor Realizador, Melhor Argumento Original e Melhor Ator.

Quanto a Alfonso Cuarón, o cineasta de 57 anos concorre a Melhor Filme, Melhor Realizador, Melhor Argumento Original e Melhor Fotografia. Faltou apenas a nomeação à categoria de Melhor Montagem para que conseguisse ser reconhecido pela Academia por todas as suas funções em “Roma”. Aliás, já por “Gravidade” havia ganho nessa categoria e também como Melhor Realizador.

roma

Na sua condição de diretor de fotografia, Alfonso Cuarón estabelece um outro recorde nos Óscares. É que nunca antes a Academia de Hollywood tinha nomeado um realizador que trabalhou como diretor de fotografia no seu próprio projeto!

“Roma” é o projeto mais pessoal e difícil que Cuarón transpõe para o cinema, depois de 35 anos de carreira.

Nos Óscares, Alfonso Cuarón aproximou-se do recorde de Walt Disney que obteve seis nomeações num único ano, o de 1954, mas por seis filmes distintos. Muito embora as nomeações de Walt Disney fossem nas mesmas categorias. Há que parabenizar Alfonso Cuarón pelo marco!




Hegemonia mexicana nos Óscares

Óscares 2019
Guilhermo del Toro, Alfonso Cuarón e Alejandro G. Iñarritu com os seus Óscares

“Roma” pode ser o primeiro filme mexicano e o primeiro filme da América Latina nomeado ao Óscar de Melhor Filme, mas a história do México nos Óscares da Academia de Hollywood não é recente. Poderemos remontar à primeira personalidade mexicana galardoada com um Óscar da Academia, nomeadamente a Emile Kuri (de dupla nacionalidade, mexicana e norte-americana) que venceu o Óscar de Melhor Direcção Artística por duas vezes, com “The Heiress” (1949) e “20.000 Léguas Submarinas” (1954). E talvez foram as categorias técnicas que deram mais Óscares a personalidades do México até ao momento.

Quanto às principais categorias como as de atuação, importa relembrar Antonio Rodolfo Quinn Oaxaca, mais conhecido por Anthony Quinn (1915-2001), o primeiro ator mexicano galardoado com o Óscar de Melhor Ator Secundário. Quinn seria ainda o primeiro ator mexicano nomeado ao Óscar de Melhor Ator, embora nunca tenha vencido. Já Salma Hayek por “Frida” (Julie Taymor, 2001) foi a primeira atriz mexicana nomeada ao Óscar de Melhor Atriz. Seria apenas Lupita Nyong’o (“Black Panther”) a primeira atriz mexicana (e queniana, uma vez que tem dupla nacionalidade) a ganhar um Óscar, na categoria de Melhor Atriz Secundária, pelo filme “12 Anos Escravo” em 2014, o mesmo ano em que Cuarón foi honrado.

Cuarón tornou-se no primeiro mexicano e primeiro latino-americano a ganhar o Óscar de Melhor Realizador por ‘Gravidade’ (2013)

Voltando a “Roma”, o filme pode ter um papel ainda mais determinante nos Óscares, isto porque o México nunca venceu na categoria de Melhor Filme de Língua Estrangeira. “Macario” (Roberto Gavaldón, 1960), foi o primeiro filme mexicano nomeado à categoria, seguindo de 8 filmes. Foram eles, “Ánimas Trujano” (1961), “Tlayucan” (1962), “Actas de Marusia” (1975), “Amores Perros” (2000), “El Crimen del Padre Amaro” (2002), “El laberinto del fauno” (2006) e “Biutiful” (2010). Assim, “Roma” marca a 9ª nomeação do país na categoria, podendo mesmo tornar-se o primeiro a vencer como Melhor Filme Estrangeiro. E as chances são muitas depois de ter conquistado dois Golden Globe Awards e quatro Critics’ Choice Awards, e ser reconhecido com um prémio especial do AFI – o American Film Institute.

Roma nos Óscares
Alfonso Cuarón nos Óscares 2014

Quanto à categoria de Melhor Realizador, viajemos até à cerimónia dos Óscares de 2014, em que, como já dizemos, Cuarón tornou-se no primeiro mexicano e primeiro latino-americano a ganhar o Óscar de Melhor Realizador por “Gravidade” (2013). Em 2015, foi a vez do seu amigo e compatriota, Alejandro Gonzalez Iñarritu ganhar o mesmo Óscar por “Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)”, que veio de mãos dadas com o Óscar de Melhor Filme. No ano a seguir, Iñarritu vez a dobradinha e voltou a ganhar o galardão de Melhor Realizador por “The Revenant – O Renascido”, tornando-se o primeiro mexicano e a primeiro latino-americano a ganhar dois Óscares nesta categoria consecutivamente.

No ano passado, a paixão da Academia pelos mexicanos continuou. Guilhermo del Toro venceria o Óscar de Melhor Realizador por “A Forma da Água”, que também venceu Melhor Filme. Para quem não sabe os três são grandes amigos e partilham os anos 80 como a década impulsionadora dos seus trabalhos como realizadores, além de serem grandes nomes dos estúdios americanos de Hollywood. Basta Alfonso Cuarón ganhar Melhor Realizador novamente para fazer história, ao perpetuar a hegemonia mexicana nessa categoria dos Óscares (são portanto 4 Óscares na categoria em cinco anos), algo sem precedentes nos 90 anos de existência da Academia.

Roma nos Óscares

Igualmente com “Roma”, a produtora Gabriela Rodriguez tornou-se a primeira mulher hispânica nomeada ao Óscar de Melhor Filme.

Yalitza Aparicio além de ser a primeira mulher indígena e a segunda mexicana nomeada ao Óscar de Melhor Atriz, é também a segunda atriz nomeada por um papel de estreia num filme falado numa língua não-inglesa. Catalina Sandino Moreno foi a primeira nomeada pelo colombiano “Maria Cheia de Graça” (2004).




E o Óscar de Melhor Filme vai para…Roma

Óscares 2019
Adela e Cleo em “Roma”

Em toda a história dos Óscares apenas uma dezena de filmes rodados em línguas distintas, que não a inglesa, conseguiram uma nomeação ao Óscar de Melhor Filme. Foram eles:

“Roma”, de Alfonso Cuarón perfaz o décimo lugar. O projeto e sonho de uma vida de Cuarón iguala o recorde estabelecido por “O Tigre e o Dragão”, uma vez que ambos os filmes foram nomeados a 10 Óscares da Academia. Com alguma surpresa nem todos esses filmes acima elencados receberam nomeações para Melhor Filme Estrangeiro. “Roma” é apenas o quinto a ser nomeado tanto para Melhor Filme como Melhor Filme de Língua Estrangeira depois de “Z – A Orgia do Poder”, “A Vida é Bela”, “O Tigre e o Dragão” e “Amor”. Os quatro ganharam na categoria de Melhor Filme de Língua Estrangeira. De referir, mesmo putativa co-produção, “Cartas de Iwo Jima” é uma criação totalmente de Hollywood, com realizador americano e até algum diálogo em inglês. É por isso, por exemplo, que nunca poderia ter sido nomeado para o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro. 

Além do mais, “Roma” vem acompanhado com o prémio máximo entregue pelo Festival de Veneza, o Leão de Ouro.  A propósito, também “A Forma da Água”, de Guilhermo del Toro venceu esse prémio e viria a triunfar nos Óscares. Já com o reconhecimento mexicano às costas, “A Forma da Água” foi o primeiro vencedor do Leão de Ouro repetir a proeza com os Óscares. A partir daqui poderemos verificar que Veneza está a suplantar Cannes em termos de relevância junto da indústria cinematográfica. Como sabemos, Veneza certamente tende a ser mais aberta a documentários, filmes de plataformas online e cinema latino que Cannes com suas tradições meio arcaicas e até um pouco sexistas e racistas. E isto pode servir como outro indicador de que “Roma” irá mesmo fazer história nos Óscares.

Festival de Veneza
Alfonso Cuaron

Foi a vitória de “Roma” no Festival de Veneza que fez despontar todo o mediatismo em torno do filme, algo como nunca antes foi visto, e que talvez não tivesse acontecido caso o filme não tivesse sido adquirido pela Netflix.

A consagração de “Roma” seria histórica não só para o México como para todo o cinema da América Latina, que foi muitas vezes menosprezado pelo Festival de Cannes, aliás na sua própria fúria contra a Netflix o festival recusou-se em mostrar “Roma”.

Vejamos ainda que politicamente, a vitória de “Roma” como Melhor Filme seria um marco do México, tendo em conta os ideais da administração de Donald Trump que não são desconhecidos a ninguém. A vitória serviria até como bofetada em alguns críticos norte-americanos, que criticaram o filme pela sua falta de explicação de um contexto histórico, quando na verdade este é um filme feito para mexicanos, sobre algo que o público mexicano já conheceria.

Roma nos Óscares

Essa questão de um filme feito para mexicanos sobre mexicanos é particularmente importante nesta Awards Season 2018/2019. Da facto, na última edição dos Golden Globes, “Bohemian Rhapsody” foi presenteado como Melhor Filme de Drama, um filme feito sobre um ícone queer que para a comunidade cinéfila e crítica queer foi um insulto homofóbico. A HFPA também premiou “Green Book – Um Guia para a Vida”, um filme sobre o racismo que é todo ele contado da perspetiva branca, um filme sobre história afro-americana que se rejeita o diálogo com a audiência que supostamente deveria representar. Ou seja, dentro desta linha, “Roma” acaba por ser um triunfo na representação não só dos mexicanos como dos indígenas mexicanos, filmado intrinsecamente do ponto de vista mexicano e justificando o cinema como retrato absoluto de arte de expressão pessoal.




“Roma” e a aclamação da Netflix

Netflix
Netflix

Outra grande razão para celebrar “Roma” como um filme histórico nos Óscares é que se tornou o primeiro filme original distribuído pela Netflix a conseguir uma nomeação ao Óscar de Melhor Filme. Esta seria a validação final da indústria em relação a Netflix, que no passado dia 22 de janeiro, ironicamente no mesmo dia do anúncio dos nomeados às estatuetas douradas, uniu-se à MPPA. A Motion Picture Association of America representa os seis maiores estúdios de Hollywood, são eles a Disney, a Paramount, a Sony, Fox, a Warner Bros. e a Universal. Com esta adesão, a Netflix confirma o seu poder como empresa cinematográfica e como grande produtora de conteúdos, tornando-se mesmo a primeira plataforma de streaming a assumir tal designação.

E de mãos dadas com Cuarón, a Netflix assumiu o compromisso para com os seus assinantes e “Roma” chegou à plataforma de streaming em Portugal no passado dia 14 de dezembro. Obviamente, a Academia de Artes e Ciências de Hollywood continua a exigir que os seus filmes considerados para o Óscar de Melhor Filme sejam estreados em salas de cinema norte-americanas. Essa missão poderia ser aparentemente impossível no caso de “Roma”, mas que a Netflix levou a cabo sem cessar. “Roma” estreava no passado mês de novembro em 100 salas no solo norte-americano, e em aproximadamente outras 500 salas espalhadas por 40 países diferentes. A estreia nos EUA aconteceu a 21 de novembro, no mesmo dia que estreava no seu país natal, o seu sucesso foi impressionante que conseguiu que se vendesse todos os bilhetes para cinemas de Los Angeles e Nova Iorque. Em Portugal a estreia aconteceu no LEFFEST 2018 em Sintra (lê a crítica do Cláudio Alves aqui) e só nos cinemas Monumental e Ideal é que o filme teve direito a estreia.

De década em década, o cinema foi-se transformando e crescendo, cortando o cordão umbilical com o passado e o velho, ao mesmo tempo que lhe prestando homenagem, resultado da necessidade de novos e distintos prismas, culturais e também sociais.

Assim, historicamente falando 2018 ficará marcado como o ano de negociação entre a Netflix e as distribuidoras responsáveis pelas salas de cinema, que durante meses tentaram chegar a um acordo necessário que não convencesse apenas uma das duas partes. A Netflix esteve relutante em ceder terreno para as salas tradicionais, sobretudo pelo seu compromisso com os quase 140 milhões de subscritores. Por outro lado, alguns cinemas e distribuidores nos Estados Unidos recusaram-se a exibir “Roma”, se o período de exclusividade em sala, que varia de três a quatro semanas, não fosse respeitado. Daí que nem todos os caminhos fossem dar a “Roma”.

Óscares 2019
Será Roma o primeiro filme Netflix a ganhar o Óscar de Melhor Filme?

Mas do que convencer distribuidoras, a relutância face a “Roma” é certamente acompanhada de algum medo, como se o filme de Cuarón fosse assassinar o cinema tradicional, quando esta necessidade cíclica dos cineastas romperem com o passado não é de hoje, e muito menos fruto apenas das intenções da Netflix de crescer como produtora.

Desde os seus primórdios, e em várias partes do mundo, o cinema como qualquer outra arte, viu-se permanentemente confrontado com rompimento de movimentos estéticos dispostos a romper com dogmas anteriores. De década em década, o cinema foi-se transformando e crescendo a todos os níveis, cortando o cordão umbilical com o passado e o velho, ao mesmo tempo que lhe prestando homenagem, resultado da necessidade de novos e distintos prismas culturais e sociais. Mas na sua própria fúria contra a Netflix, o Festival de Cannes recusou-se em mostrar “Roma”. E Cannes, que costuma ser um festival de eleição de filmes distintos dos padrões de indústria, era o festival natural para apresentar um filme como “Roma”, o que não acabou por acontecer.

Parece que no caso de aceitação dos filmes das plataformas de streaming a Academia de Hollywood não pode ser criticada. Em 2016, “Manchester By The Sea”, produzido pela Amazon Studios foi o primeiro filme de uma plataforma de streaming nomeado ao Óscar de Melhor Filme, além de que ganhou duas estatuetas douradas, para Melhor Ator e Melhor Argumento Original. Este ano foi a Hulu a estrear-se nas nomeações aos Óscares, com uma nomeação à categoria de Melhor Documentário por “Minding the Gap”.

Netflix cinemas
Netflix

E a verdade é que no seu currículo, a Netflix conta com 15 nomeações aos Óscares sem contar com as deste ano (outras 15). Desde 2014, a Netflix esteve nomeada a sete Óscares de Melhor Documentário, vencendo em 2018 por “Icarus”, e a três Óscares de Melhor Curta-Metragem de Documentário, vencendo em 2017 por “The White Helmets”. Um outro filme histórico da Netflix junto dos membros da Academia foi “Mudbound: As Lamas do Mississipi”, nomeado a 4 Óscares da Academia: Melhor Atriz Secundária, Melhor Argumento Adaptado, Melhor Canção Original e Melhor Fotografia. O drama estabeleceu recordes para todos os seus nomeados. Isto porque, por exemplo, foi através de um filme Netflix que uma mulher foi nomeada pela primeira vez ao Óscar de Melhor Fotografia!

A Netflix parece assumir-se como legítima justiceira, porque quase que nos obriga a abrir os olhos para tudo aquilo feito no cinema fora dos mandamentos da máquina hollywoodesca. E se 2018 marcou a Netflix, 2019 pode repercutir a Odisseia da Netflix, com a vitória de “Roma” nos Óscares. Bem a propósito, a chuva de Óscares para a Netflix não fica por aqui! A produção “A Balada de Buster Scruggs”, dos irmãos Joel & Ethan Coen (sim, os mesmos nomes por detrás do oscarizado “Este País Não É para Velhos”) conseguiu três nomeações, entre elas Melhor Argumento Adaptado.

Enfim, passo a passo, a Netflix vai conquistando tudo e todos, certificando-se que conhece as regras dos Óscares e estreando os seus filmes em simultâneo no serviço de streaming, como nas salas de cinema. A verdade é que não só caminhamos, como já vivemos numa época em que há uma conciliação entre o streaming e as salas de cinema, que conquista sobretudo o público mais jovem desviando da sala escura.




“Roma” e a paixão pelo cinema em Cuarón

Óscares 2019

Mesmo com a Netflix por detrás de “Roma”, o filme não deixa de transpor a paixão de Alfonso Cuarón pelo cinema dito tradicional. O cinema revela-se um símbolo particular do filme. Isto porque as visitas ao cinema não são apenas uma fuga para a carga de trabalhos domésticos de Cleo, mas também para as crianças sob os seus cuidados. “Roma” evidencia assim a ideia de que o cinema coexiste dentro do próprio cinema, com Cuarón meticulosamente homenageando alguns dos seus próprios filmes.

Numa das cenas do filme, as crianças vão assistir a “Trapped in Space”, que não é mais nada menos do que um dos filmes favoritos de Cuarón, no qual se inspirou para realizar “Gravidade”. Há ainda referências aos seus filmes anteriores: a cena do nascimento é semelhante a uma que ocorre em “Os Filhos do Homem” (2006) e, como ocorre em “Y tu mamá también” (2001), uma mulher é abandonada pelo marido.

Enfim, em “Roma” Alfonso Cuarón relembra-nos como é viver o cinema na sala escura mas, imprevistamente pelo apoio da Netflix o cineasta passa a exclamar por diversidade na indústria cinematográfica e nos olhos dos espectadores. Conseguirá “Roma” abrir os olhos aos votantes do Óscar de Melhor Filme? Descobriremos no próximo dia 24 de fevereiro.

 

Acreditas que será “Roma” o projeto vencedor do Óscar de Melhor Filme?

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