A realizadora Chloé Zhao na antestreia drive-in de "Nomadland", em setembro de 2020 |©Searchlight Pictures

Óscares 2021 | Realizadoras na corrida, presente e futuro do cinema no feminino

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As nomeações aos Óscares 2021 aludem a uma potencial alteração estrutural em Hollywood.  Duas realizadoras competem pelo galardão na respetiva categoria e o cinema no feminino ganha visibilidade. 

No epicentro da discussão encontramos a urgência de uma maior representatividade em diversas frentes, a qual tem vindo a ser apregoada ao longo dos últimos anos. A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood tem conseguido responder ao sinal dos tempos. As matérias de género são um exemplo pertinente desta evolução positiva.

Celebramos, por isso, as artistas atrás da câmara que se têm vindo a afirmar numa atividade cuja estrutura de produção (e capacidade de decisão) sempre esteve do lado do homem. Salientamos os ventos de mudança e refletimos acerca do papel que as mulheres terão daqui para a frente na máquina de sonhos de Hollywood.

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2020/2021 – UMA TEMPORADA DE PRÉMIOS ATÍPICA COM VÁRIOS TRUNFOS

Nomeações aos Óscares 2021 Nomadland
Óscares 2021 realizadoras: Frances McDormand e a realizadora Chloé Zhao no set de “Nomadland” | © NOS Audiovisuais

O ano cinematográfico é, por norma,  marcado por um percurso longo de festivais que culmina em distinções atribuídas por diversos círculos de críticos e múltiplas Academias, até chegar à Academia que mais poder tem na indústria cinematográfica (quiçá a nível global) –  a Academy of Motion Picture Arts and Sciences de Hollywood, que todos os anos entrega os cobiçados Oscars.

Entre cancelamentos, adiamentos e edições incomuns, os tão importantes festivais de cinema conseguiram sobreviver e ainda assim produzir concorrentes de peso para esta edição dos Óscares. Por exemplo, uma das “fábricas de indie darlings“, o norte-americano Sundance Film Festival escapou ao início do caos COVID e estreou, em janeiro de 2020, “Minari”, de Lee Isaac Chung,  (filme nomeado a seis estatuetas) e também “Uma Miúda com Potencial“, de Emerald Fennell (que chega aos Óscares com 5 indicações).

Nomadland – Sobreviver na América”, de Chloé Zhao (6 nomeações), chegou a 11 de setembro de 2020 a edições inventivas do canadiano TIFF e do lendário Festival de Cinema de Veneza ( o mais antigo festival cinematográfico do mundo). Pé ante pé, o mundo do cinema reajustou-se uma e outra vez a um ano verdadeiramente devastador para a indústria.

Nesta temporada cinematográfica de 2020/2021 os grandes filmes de estúdio foram em parte retirados da equação. A Netflix ganhou terreno nos Oscars, é verdade (se ganhou, com 35 nomeações),  mas ao longo dos vários meses de corrida, num ano em que tudo se atrasou para tentar compensar a crise pandémica, houve espaço para deixar entrar novo talento (seja ele junto da equipa artística ou técnica).




UMA HISTÓRIA RECENTE PROGRESSISTA: NOVAS REGRAS E NOVAS VONTADES 

realizadoras
Em 2018 Greta Gerwig tornou-se, pelo seu trabalho em “Lady Bird”, a quinta mulher nomeada a Melhor Realização em 90 anos de história dos Oscars |©NOS Audiovisuais

No âmbito de um ano repleto de provações, mas com inúmeras grandes obras cinematográficas , solidificou-se outro aspecto preponderante nos últimos anos que aqui salientamos: uma maior presença feminina em diversos papéis atrás da câmara.

Este espírito evolutivo surge no âmbito de uma transformação história, que preconiza uma Holywood distinta. Uma vez que os Óscares marcam o tom para o comportamento da própria indústria, mantendo-se relevantes não obstante as vozes dissonantes, a temporada de prémios referente ao ano de 2020/2021 dá continuidade a uma alteração de paradigmas.

Falamos das novas regras de inclusão da Academia, anunciadas em setembro de 2020 pelo presidente David Rubin. As mudanças só entram em vigor a partir de 2024, preparando a adaptação a uma nova realidade, mas o impacto do novo ponto de vista faz-se já sentir. Tal é verdade para as estatuetas douradas, mas provoca também um inevitável efeito dominó.

A partir de 2024 os filmes submetidos aos Óscares terão de cumprir novos critérios. Da equipa técnica, à artística, quer estejamos a falar da produção ou do “talento” (elenco), em todos os aspectos da criação de um filme teremos de ver representadas mulheres, pessoas com deficiências, pessoas LGBTI e pessoas não-brancas.

Desde as repercussões do hashtag #oscarssowhite (persistência de clara maioria de nomeados brancos nas categorias centrais), até ao escândalo do Movimento #Metoo (movimento com um âmbito muito mais vasto do que Hollywood, mas que não obstante denunciou os abusos sexuais numa indústria que sempre os ignorou, e que por consequência colocou em evidência a clara não-representatividade da figura feminina atrás da câmara e a sua falta de poder), há mais de cinco anos que uma transição se tem vindo a sentir.




CINEMA NO FEMININO: O ÚLTIMO ANO CINEMATOGRÁFICO (1)

One Night in Miami Regina King Óscares 2021|realizadoras
Kingsley Ben-Adir em “Uma Noite em Miami..”., de Regina King | © Prime Video

 

À medida que continuamos a esperar um que um dia sejam só  apelidadas “directors” (realizador, no inglês, não acarreta género) e não “female directors” (mulheres realizadoras), por agora celebramos a maior notoriedade da figura da mulher e notamos como esta consegue trazer a sua própria sensibilidade para a criação artística, pintando as experiências com novos pontos de vista. Perspetivas estas que durante tanto tempo foram subjugadas ao male gaze (olhar masculino que objetifica a mulher e a reduz a um certo grau de passividade). Não obstante, as realizadoras em destaque neste último ano provaram também que a dicotomia perspetiva feminina/ masculina não é um binário inviolável (bem longe disso). Se o bom cinema não tem género,  todos e todas merecem igual oportunidade de o criar.

Muitas foram as mulheres atrás da câmara que mereceram destaque na presente award season (temporada de prémios). Algumas delas estreantes na cadeira da realização. É o exemplo de Regina King, realizadora de “Uma Noite em Miami. King é um poderio de atriz, vencedora do Óscar de Melhor Atriz Secundária por “Se Esta Rua Falasse”, e uma figura assinalável no cinema norte-americano. Depois de ter já realizado um documentário e diversos episódios de séries, Regina, que celebrou em janeiro o seu 50º aniversário, prova que nunca é demasiado tarde para enriquecer um trajeto meritório. “One Night in Miami”, para ver na Amazon Prime Video,  adapta uma peça de Kemp Powers num relato fictício acerca de uma noite de reflexão e debate entre enormes ícones do Movimento dos Direitos Civil nos EUA: Muhammad Ali, Malcolm X, Sam Cooke e Jim Brown.

Apesar de King não figurar na lista de Óscares 2021 realizadoras na corrida, nos Globos de Ouro integrou uma tríade de realizadoras nomeadas para Melhor Realização, ao lado de Chloé Zhao e Emerald Fennell. Foi a primeira vez que três realizadoras estiveram presentes nesta lista. Até 2021, os Globos apenas haviam indicado 6 mulheres nesta categoria (com Kathryn Bigelow e Barbra Streisand nomeadas duas vezes).




CINEMA NO FEMININO: O ÚLTIMO ANO CINEMATOGRÁFICO (2)

 

Outro filme que muita tinta (salvo seja) fez correr neste último ano cinematográfico foi “First Cow”, uma obra da afamada casa de produção e distribuição  “A24” (a qual tem alterado significativamente o panorama do indie americano desde a sua criação em 2012). Esta longa-metragem começou o seu circuito de festivais em 2019 e estreou comercialmente em vários países no verão de 2020. Está por chegar a Portugal e ainda não tivemos a oportunidade de ver a obra de  Kelly Reichardt, um belíssimo Western invulgar nomeado para mais de 150 prémios ao longo desta temporada.

“First Cow” pode ter falhado as cerimónias mais mainstream como os Óscares, Globos de Ouro ou BAFTA. Contudo, esta pérola indie destacou-se como um dos filmes do ano pela National Board of Review e reuniu aclamação em diversas outras frentes. A obra segue para os Film Independent Spirit Awards com indicação a Melhor Filme, Melhor Realização para Kelly Reichhardt e ainda Melhor Ator Secundário para Orion Lee. Os Spirit são uma espécie de “Óscares alternativos”, tipicamente entregues um a dois dias antes da cerimónia dos Óscares (este ano calham a 23 de abril, dois dias antes dos Oscars 2021). Aqui são premiadas obras independentes de baixo orçamento e, embora por norma os nomeados se afastem dos indicados aos Óscares, tem havido alguma coincidência ao longo dos últimos anos.

First Cow
“First Cow”| ©70ª Berlinale

Reichardt  (“Wendy & Lucy)” destacou-se ainda na Berlinale, com a nomeação a Melhor Filme, por este “First Cow”.




CINEMA NO FEMININO: O ÚLTIMO ANO CINEMATOGRÁFICO (3)

Na realização, mas também em múltiplas outras peças do puzzle que é processo criativo, diversas mulheres deixaram a sua marca no mundo do cinema (não só em Hollywood) em 2020/2021.

A organização Women in Film (WIF), a qual atua na demanda por equidade na indústria do audiovisual, destaca a representação positiva de mulheres na presente temporada. A sua lista contempla as conquistas de artistas em diversas áreas: da realização à representação, passando pela edição de som, imagem, fotografia, maquilhagem, design de produção, entre diversas outras funções fulcrais.

Muitos foram os reconhecimentos para artistas no cinema nos meses inaugurais desta temporada, os quais adivinhavam já novos padrões : no Festival de Veneza, em setembro de 2020, o Leão de Ouro foi para a sino-americana Chloé Zhhao, por “Nomadland”. A realizadora a chinesa Ann Hui e atriz  norte-americana Tilda Swinton foram reconhecidas com prémios de carreira.

O TIFF – Toronto International Film Festival – um dos mais importantes festivais de cinema da América do Norte, o qual decorreu em setembro do ano passado, entregou o Prémio do Público a Chloé Zhao. Já o segundo lugar nesta categoria central foi para a adaptação teatral de Regina King.

Segundo lugar também para Tracey Deer, realizadora canadiana que utiliza a sua experiência como membro da tribo indígena Mohawk para criar cinema político e incisivo, como é o caso deste “Beans” (2020). O filme retrata a história real de uma disputa entre duas comunidades Mohawk e as forças governamentais no Quebec dos anos 1990.Destaque também, no TIFF, para a vitória de Michelle Latimer para Melhor Longa-Metragem Canadiana com “Inconvenient Indian”, obra documental que explora a colonização cultural do povo indígena da América do Norte.

Os círculos de críticos dos EUA, que se multiplicam às dezenas, são também um barómetro relevante para a evolução da temporada e singularizam algumas das obras mais relevantes do ano. No New York Film Critics Circle Awards, em dezembro, Zhao e Reichhardt foram uma vez mais galardoadas pelo seu trabalho , respetivamente com as distinções de Melhor Realização e Melhor Filme. Eliza Hittman levou Melhor Argumento pelo filme que também realizou “Never Rarely Sometimes Always”, um dos grandes trunfos desta temporada de prémios.

Aproveitamos, por isso, para deixar algumas notas acerca deste trabalho. Uma vez mais, tal como aconteceu com o trabalho de Kelly Reichardt, Hittman não chegou às premiações mais conhecidas. Não obstante, o seu drama tocante acerca de um grupo de adolescentes da Pensilvânia Rural que viaja para Nova Iorque em busca de ajuda médica após uma gravidez não desejada foi uma das obras mais louvadas do ano.

Never
‘Never Rarely Sometimes Always’-70ª Berlinale |©BBC Films

“Never Rarely Sometimes Always” é mais um filme que tristemente ainda não chegou a Portugal. A longa-metragem estreada em Sundance, vencedora do Grande Prémio do Júri na Berlinale e ainda nomeada ao Urso de Ouro, encontra-se indicada a sete Spirit Awards, entre eles Melhor Realização e Argumento para Hittman ou Melhor Fotografia para Hélène Louvart. As duas produtoras do filme encontram-se também nomeadas na categoria principal, neste que é um filme profundamente específico na abordagem da experiência feminina e que promete tornar-se um símbolo no cinema que toca em matérias de igualdade de género.




CINEMA NO FEMININO: O ÚLTIMO ANO CINEMATOGRÁFICO (4)

Rapper aos 40 award season cinema no feminino
© Behind the scenes RADHA BLANK (realizadora, argumentista, protagonisra) Cr. JEONG PARK/NETFLIX ©2020

(In)Felizmente não conseguimos celebrar todas as artistas que receberam distinções ao longo desta temporada de prémios. Não obstante, aqui ficam mais algumas das notáveis criadoras.

Assinala-se também o hino de libertação auto-biográfico de “The 40-Year-Old Version” (em português “Rapper aos 40”) comédia dramática Netflix protagonizada, escrita e realizada por Radha Blank. No filme dá vida a Radha, uma cineasta nova-iorquina que procura desesperadamente conseguir ser descoberta antes dos 40. Para atingir o seu objetivo reinventa-se como a rapper RadhaMUSPrime.  Parece que o conseguiu com este filme bem recebido, vencedor de Melhor Realização de Filme Dramático em Sundance e pelo qual se encontra nomeada ao BAFTA para Melhor Atriz ou ainda para Melhor Primeiro Filme nos Spirit. É uma lufada de ar fresco, entre tão pouca disponibilidade de títulos, afirmar que o filme pode ser visto na Netflix portuguesa!

Já a Produtora/ Realizadora/ Diretora de Fotografia Kristen Johnson também teve um ano satisfatório com o documentário que escreveu, realizou e produziu – “Dick Johnson is Dead”, um dramedy (filme que casa drama e comédia) original sobre uma filha que ajuda o pai a preparar-se para o fim da sua vida. Nesta narrativa única, a realizadora encena a morte eminente do pai de forma criativa e dá-lhe um outro significado. Este filme nomeado aos Spirit e para os PGA (prémios dos produtores de Hollywood) pode ser visto na Netflix nacional.

 




CINEMA NO FEMININO: O ÚLTIMO ANO CINEMATOGRÁFICO (5)

saint maud critica motelx
“Saint Maud” assinala a estreia da realizadora Rose Glass no universo das longas-metragens | © MotelX

 

Este ano também “Saint Maud”,  escrito e realizado por Rose Glass, deu que falar entre os amantes de filmes de terror. Esta obra britânica, produzida pela conceituada Film4 e distribuída nos EUA pela A24, segue uma enfermeira devota que se torna perfeitamente obsessiva no seu esforço para salvar a alma de uma doente moribunda. A Academia Britânica de Cinema nomeou “Saint Maud” para Melhor Filme Britânico do Ano e Melhor Estreia Britânica na Realização (esta é a primeira longa-metragem de Glass, que arranca a sua carreira com duas nomeações aos BAFTA). Esperemos que o polémico “Saint Maud”, que muito depressa esgotou a sua passagem pelo Motelx a 11 de setembro de 2020 e que vimos por essa ocasião, assegure distribuição em Portugal quanto  antes.

Já a comédia dramática “Se Tu Soubesses… “ , de Alice Wu, estreou na Netflix em maio de 2020 e conseguiu alguma tração ao longo do ano cinematográfico. Wu venceu o prémio de Melhor Longa-Metragem Narrativa em Tribecca e o filme destacou-se ainda nos GLAAD (Gay & Lesbian Alliance Against Defamation) e está nomeado para Melhor Argumento nos sempre inclusivos e diversificados Spirit.

O drama “I Carry You With Me”, de Heidi Ewing,  realizadora nomeada ao Óscar em 2017 pelo documentário “Jesus Camp”, destaca-se nos Film Independent Spirit Awards com nomeações para Melhor Edição e Melhor Primeiro Filme (fição). Esta obra estreada em Sundance (onde venceu o Prémio do Público e uma distinção de inovação na categoria “Best of Next!”,) e que muito viajou por festivais a nível internacional, narra o amor épico entre dois homens ao longo das décadas.

“Miss Juneteenth” é outro filme celebrado em 2020 pela sua representação da experiência feminina, escrito e realizado pela talentosa novata Channing Godfrey Peoples. Nele, uma mãe solteira e antiga participante de concursos de beleza prepara a sua filha rebelde para o evento “Miss Juneteenth”. Segue com quatro nomeações para os Spirit (incluindo Melhor Atriz, Melhor Primeiro Argumento e Melhor Primeiro Filme). Destacou-se ainda, entre outros, nos prémios “Gotham”, onde venceu na categoria de Melhor Atriz.

Muitas outras realizadoras obtiveram destaque ao longo deste último ano atípico. Não podendo cobrir a sua totalidade, debruçamo-nos agora sobre aquelas que chegaram às nomeações para os Óscares 2021.




ÓSCARES 2021 REALIZADORAS NA DIANTEIRA (1)

A Despedida Awkwafina
“The Farewell”, em português “A Despedida”, de Lulu Wang, foi um dos grandes snubs (esquecidos) na corrida aos Óscares em 2019/2020 |@NOS Audiovisuais

Nos Óscares 2021 realizadoras marcham rumo a uma indústria menos desequilibrada. Seguem suportadas por novas campanhas que procuram, ativamente, inverter a ausência de verdadeira igualdade entre géneros. A organização “Women in Film” lançou, tendo em vista a temporada de 2020/2021, a campanha “Vote for Women”. Este foi o segundo ano consecutivo da iniciativa, depois de em 2019 a Hollywood Foreign Press Association (organizadora dos Golden Globes) não ter nomeado qualquer mulher na categoria de Realização.

O boletim criado pela WIF permite a identificação do trabalho realizado por mulheres em todas as categorias para lá da representação. Esta campanha de consciencialização teve resultados estupendos, especialmente se considerarmos a evolução de zero realizadoras nomeadas para Melhor Realização nos Globos e Óscares em 2020 para três nos Globos de Ouro e duas nos Óscares em 2021 (pela primeira vez em ambos os casos).  A organização defende que “todo o trabalho de mulheres atrás da câmara permitiu tornar a paisagem cinematográfica de 2020 possível”.

Na temporada de 2019/2020, a mudança positiva que se havia verificado na indústria, com uma maior inclusividade da figura feminina atrás da câmara, não se concretizou nos Óscares. Os trabalhos de realizadoras como Lulu Wang (“A Despedida”) , Marielle Heller (“Um Amigo Extraordinário“), Mati Diop (“Atlantique”), Olivia Wilde (“Booksmart”) ou Greta Gerwig (“Mulherzinhas”), entre outros nomes, acabaram por não receber o reconhecimento devido apesar das campanhas fortes (por exemplo no caso de “A Despedida”, de Wang, a A24 investiu fortemente e ainda assim acabou com zero nomeações aos Óscares).




ÓSCARES 2021 REALIZADORAS NA DIANTEIRA (2)

zatanna Uma Miúda com Potencial
Óscares 2021 realizadoras “Uma Miúda com Potencial”, o grito de revolta feminina que lança Emerald Fennel na realização ©2020 Focus Features, LLC.

Agora, não só os Óscares 2021 têm duas realizadoras nomeadas, como as suas obras foram altamente consideradas no âmbito desta corrida. Emerald Fennell (“Promising Young Woman”) arrecada três nomeações  – como realizadora, produtora e argumentista da sua primeira-longa metragem. Já Chloé Zhao (“Nomadland”) segue com 4 nomeações(!), somando Melhor Montagem às categorias em que Fennell também se encontra nomeada. Depois da vitória nos Producer Guild Awards, premiação que desde 1989 apenas não coincidiu com o resultado dos Óscares 10 vezes, “Nomadland – Sobreviver na América” segue como o grande favorito à atribuição da principal estatueta da noite.

A distinção positiva do trabalho de realizadoras em 2020/2021 sugere a quebra de um ciclo vicioso. Apenas cinco mulheres tinham sido nomeadas nesta categoria até agora, pautando-se estas nomeações por uma natureza esporádica: Lina Wertmüller (a primeiríssima, em 1977, por “Pasqualino das Sete Beldades”), Jane Campion (por “O Piano”, em 1994), Sofia Coppola (tornou-se a primeira mulher nomeada para Realização, Produção e Argumento no mesmo ano, em 2004, com “O Amor é um Lugar Estranho”), Kathryn Bigelow (a primeira vencedora de sempre, em 2010, com “Estado de Guerra”) e Greta Gerwig (nomeada 8 anos depois da vitória de Bigelow por “Ladybird”).

As longas-metragens das criadoras mais nomeadas aos Óscares 2021 tratam temáticas deveras distintas.  “Nomadland” é uma obra contemplativa sobre nómadas dos tempos modernos. É tanto uma crítica societária como uma carta de amor aos que conseguem reconfigurar o seu destino perante as mais adversas e cruéis circunstâncias. A narrativa sobre a falência do sonho americano é devastadoramente bela, ancorada pela presença de marcantes não-atores e uma sempre imbatível  (e aqui particularmente naturalista) Frances McDormand como a protagonista Fern.

“Uma Miúda com Potencial” explora os receios mais profundos vividos pelas mulheres. “Promising Young Woman” é tanto um drama, como uma comédia, um thriller, com um toque de revenge movie psicadélico e inebriante. Fennell cria uma experiência surreal, divertida, mergulhada em cultura pop e nostalgia millennial e capaz de nunca minimizar a sua raison d’être. O maior grito de revolta dos Academy Awards em 2021?




ÓSCARES 2021 REALIZADORAS NA DIANTEIRA (3)

 

quo vadis aida critica
Óscares 2021 realizadoras: “Quo Vadis, Aida?” de  Jasmila Zbanic| © Digital Cube

 

Os Óscares 2021 marcam por estatísticas inéditas na representação feminina no total de categorias. Em 2021 76 nomeações foram para mulheres, num total global de 70 nomeadas.

Óscares 2021 realizadoras nomeadas (para lá das diversas indicações de Fennel e Zhao):

Na categoria de Melhor Filme Internacional encontramos o aclamadíssimo drama histórico de guerra “Quo vadis, Aida?”. A obra escrita e realizada pela cineasta Jasmila Zbanic representa a Bósnia-Herzegovina em 2021. Para além da nomeação ao Óscar conta também com a nomeação para Melhor Realização e Melhor Filme Não em Língua Inglesa nos BAFTA. Adicionalmente, competiu em Veneza pelo Leão de Ouro.  Esta é a história pesada de um genocídio narrada do ponto de vista de Aida, uma intérprete das Nações Unidas que testemunha o temível Massacre de Srebrenica de 1995. A nossa análise a esta longa-metragem dilacerante pode ser lida aqui. 

 

Ainda na corrida para Melhor Filme Internacional, que parece mais que fechada para o explosivo e (da forma mais literal) inebriante “Mais uma Rodada” (“Druk”), a realizadora  Kaouther Ben Hania representa a Tunísia com o seu drama “The Man Who Sold His Skin”, obra premiada nos Festivais de Veneza e Estocolmo. Esta é a história de um impulsivo sírio que deixa o seu país para fugir à guerra. Para viajar livremente pela Europa aceita que as suas costas sejam tatuadas por um infernal artista contemporâneo que transforma o seu corpo numa prestigiada peça de arte. Depressa o jovem Sam compreende que esta decisão lhe trará tudo menos liberdade.




ÓSCARES 2021 REALIZADORAS NA DIANTEIRA (4)

Óscares 2021 realizadoras na corrida
Óscares 2021 realizadoras: “Time”, de Garrett Bradley |©Amazon

Entre outras presenças femininas fortes encontramos a jovem realizadora Garrett Bradley. A cineasta conhecida por amalgamar diversos géneros cinematográficos, estudando o quotidiano através de um ângulo sociopolítico, está nomeada pela longa documental  “Time”. Uma narrativa de intervenção aclamada e descrita por alguns como um “documentário lírico”.

Acompanha a história verídica de Fox Rich, uma empreendedora mãe de seis filhos, ao longo das duas décadas.  Fox procura que o seu marido, Rob G. Rich, seja libertado da Penitenciária do Louisiana, conhecida geralmente como Angola. Encontra-se a cumprir 60 anos de prisão por um crime que ambos cometeram nos anos 1990, num momento de desespero. O relato de Bradley retrata a resiliência deste casal e é um original Amazon Prime Video (já disponível na plataforma). “Time” recebeu prémios em Sundance, nos Prémios Gotham e foi nomeado aos Spirit antes de enquadrar a lista seletiva de documentários indicados aos Oscars 2021. 




ÓSCARES 2021 REALIZADORAS NA DIANTEIRA (5)

crip camp netflix
“Crip Camp: Uma Revolução na Inclusão” © Patti Smolian/Netflix

 

Nesta esfera das longas-metragens documentais testemunhamos uma presença de realizadoras que suplanta grande parte das categorias. Quatro dos cinco filmes nomeados foram realizados ou co-realizados por mulheres. Para além de “Time” encontramos ainda nos Óscares 2021 realizadoras nomeadas por:

  • “The Mole Agent” – obra escrita e realizada pela cineasta e produtora chilena Maite Alberdi. “El Agente Topo”, no original, acompanha um investigador privado contratado como agente infiltrado num lar de idosos com o intuito de descobrir se os cuidadores estão a maltratar os idosos.
  • “Crip Camp: a Disability Revolution” – co-escrito e co-realizado por  James Lebrecht e Nicole Newnham. “Crip Camp: Uma Revolução na Inclusão” está disponível na Netflix, contou com produção executiva por parte dos Obama, e é um dos favoritos à vitória nesta categoria. Transporta-nos para os anos 70, para a revolução Hippie, e para um campo de férias revolucionário  junto de jovens com deficiências.

 

 

  • “A Sabedoria do Polvo” – por fim, outro potencial favorito à vitória no campo do documentário (venceu já nos PGA, Producer’s Guild Awards , nesta categoria) é o invulgar “My Octapus Teacher”, escrito e realizado por James Reed e por Pippa Ehrlich. Após anos a mergulhar nas águas da África do Sul , Craig Foster vê a sua atenção captada por um  polvo fêmea. Acompanha-a durante meses e acaba por ganhar a confiança deste animal, criando um forte laço de amizade improvável entre humano e animal selvagem. “A Sabedoria do Polvo”, no português, pode ser visto na Netflix.



O FUTURO DO CINEMA NO FEMININO E OS FRUTOS DE UMA INDÚSTRIA PÓS #METOO

A expressão “Me Too” foi usada pela primeira vez em 2006 por Tarana Burke, ativista norte-americana que cunhou o termo. A fundadora do Movimento Me Too utilizou este vocábulo para criar consciencialização para o abuso feminino. Em outubro de 2017 esta hashtag foi utilizada no Twitter e Facebook e gerou a atenção de milhões de utilizadores e utilizadoras.

Uma torrente de denúncias contra o produtor e co-fundador da Miramax, Harvey Weinstein, condenado em 2020 a 23 anos de cadeia por violação e abuso sexual, deram origem a um poderoso movimento em Hollywood. Muitas outras vítimas se chegaram à frente, homens e mulheres, desmascarando uma indústria fundamentada em abusos sistemáticos.

A igualdade de género em matérias relacionadas com a própria estrutura de produção não tardou a juntar-se à conversação, levando a que os produtores de Hollywood começassem a contratar mais argumentistas, realizadoras, diretoras de fotografia e técnicas de diversas outras áreas para as suas produções. De acordo com um artigo da Harvard Business School, os produtores que haviam colaborado com Weinstein tornaram-se eles próprios ainda muito mais propícios a contratar mulheres para papéis de relevo atrás da câmara. Contudo, este mesmo estudo depreendeu que são as produtoras as mais propícias a contratar mulheres. Estando estas em minoria, adivinha-se ainda um longo caminho pela frente.

Gal Gadot Óscares 2021 realizadoras
Patty Jenkins e Gal Gadot, tour de Wonder Woman 1984 | © NOS Audiovisuais

Não obstante, cada vez mais os filmes female lead (liderados por mulheres) encontram o seu lugar nas bilheteiras. Em 2020, um ano atípico no que toca a estreias nas salas, “Birds of Prey” de Cathy Yan, protagonizado e produzido por Margot Robbie, foi um dos filmes mais lucrativos do ano. O mesmo aplicou-se ainda a “Mulherzinhas”, de Greta Gerwig, que continuou a lucrar de uma exposição pós-Óscares. “Mulher Maravilha 1984“, de Patty Jenkins, foi vítima do COVID-19 no que diz respeito aos seus lucros em bilheteira. Não obstante, tornou-se um enorme sucesso quando chegou ao streaming.

Em 2021 Chloé Zhao verá nos cinemas a sua estreia nos grandes filmes de estúdio com “The Eternals”. A realizadora de “Nomadland – Sobreviver na América” passa deste ensaio reflexivo para uma produção Marvel de enorme envergadura (ancorada por nomes como Angelina Jolie ou Kit Harrington). Já “Black Widow/Viúva Negra”, adiado para o verão de 2021, assinala a primeira longa a solo da Viúva Negra e conta com a realização de Cate Shortland (aclamada pelo drama de época“Lore”).

Ponderando mais filmes realizados por mulheres a ver em 2021/2022 destacamos, entre outros:

  • “Bergman Island” (2021) – o primeiro filme em língua inglesa da aclamada realizadora francesa Mia Hansen-Løve (“Eden”, “O que Está por Vir”). Protagonizado por Mia Wasikowska e Tim Roth.
  • “Don’t Worry Darling” (2021) – depois da comédia adolescente  de qualidade”Booksmart”,  Olivia Wilde regressa à realização com um thriller protagonizado por Florence Pugh, Harry Styles e Chris Pine. Pugh dá vida a uma dona de casa, na década de 1950, que se depara com um segredo perturbador.
  • “In the Same Breath” (2021) –  Nanfu Wang, realizadora do galardoado “One Child Nation” (disponível na Amazon Prime Video), regressa ao registo documental com um retrato da propagação do COVID-19 da China aos Estados Unidos da América.
  • “Land” (2021) – a Focus Features lança, em 2021, a estreia de Robin Wright no campo da realização depois de uma longa carreira na representação. Esta é a história de uma mulher refugiada nas Rocky Mountains depois de uma tragédia indelével.
  • “Candyman” (2021) – de Nia DaCosta, autora do Western “Little Woods”, mais uma mulher a realizar em breve uma grande produção Marvel. Neste caso, “Capitã Marvel II”(2022). “Candyman” é a muito aguardada sequela do filme de terror de 1992 e conta ainda com argumento de Jordan Peele (“Foge”).

 

 

  • “Red, White and Water” (2021) – da autoria de Lila Neugebauer. A vencedora de um Óscar Jennifer Lawrence (“Mãe!”) e a vencedora de um Emmy Samira Wiley (“The Handmaid’s Tale”) protagonizam esta história sobre traumas no seio da comunidade do exército dos Estados Unidos. Contará com distribuição A24 nos EUA.
  • “The Power of the Dog” (2021) – de uma das pouquíssimas realizadoras nomeadas a Melhor Realização nos Oscars, Jane Campion, vem um drama sobre dois irmãos que gerem um grande rancho no Montana. As desavenças começam quando um deles se casa.
  • “The Mad Woman’s Ball” (TBD, Amazon) – Mélanie Laurent, atriz marcante em filmes como “Sacanas Sem Lei” ou “Assim é o Amor”, tem vindo a percorrer uma jornada notável enquanto realizadora e protagoniza e realiza agora um drama sobre uma mulher institucionalizada injustamente num hospital psiquiátrico que de lá procura escapar.
  • “Mona Lisa and the Blood Moon” (TBD) – assinala-se o retorno de Ana Lily Amirpour (“Uma Rapariga Regressa de Noite Sozinha a Casa”) com uma obra situada no reino do fantástico sobre uma rapariga com poderes especiais que escapa de um asilo psiquiátrico e tenta sobreviver em Nova Orleães.

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Será a representatividade feminina nos Óscares 2021 uma promessa para o futuro? 

A 93ª edição da cerimónia acontece na madrugada de 25 para 26 de abril. Conta com emissão nacional garantida pela RTP.

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