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TOP MHD | As Melhores Séries da Década

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2020 é o culminar de uma década de transformações ímpar no pequeno ecrã e, como tal, não a poderíamos deixar passar sem eleger as melhores séries que a compuseram.

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Artigo escrito por Miguel Pontares em colaboração especial com a MHD

Toda e qualquer década representa, per si, uma corrente de mudança na televisão. A humanidade muda e, em consonância, os autores bebem temas emergentes, as cadeias adaptam os conteúdos e a tipologia de oferta, e o talento flutua num mar de novas tendências, eternizando um conjunto de novas séries. Em boa verdade, poucas décadas registaram tamanha revolução no sector televisivo como a verificada nos últimos 10 anos – a caixa mágica evoluiu, com uma oferta muito mais rica e diversificada, competindo cada vez mais com o Cinema ao reunir valores de produção impensáveis (sim, HBO, estamos a falar de “Game of Thrones”) há alguns anos atrás; o espectador passou a ter liberdade para escolher o que quer ver, quando quer ver e como quer ver (preservar a respiração e digestão entre episódios ou devorar em modo bingewatch), uma alteração comportamental e sectorial progressiva a partir da estreia de “House of Cards” na Netflix em 2013; e se outrora as séries eram consideradas um meio de menor prestígio para os actores, hoje essa ideia pertence definitivamente ao passado, modificando-se esta postura sobretudo desde o momento em que Matthew McConaughey e Woody Harrelson entraram em “True Detective“.

True Detective
Matthew McConaughey e Woody Harrelson em “True Detective” |© HBO

Na década em que o streaming explodiu, as séries de procedimento e as sitcoms perceberam o seu perecível prazo de validade, em contraponto com as minisséries. E depois dos 10 anos anteriores em que “The Sopranos”, “The Wire”, “Breaking Bad” e “Mad Men” (as últimas duas divididas entre décadas) mostraram como fazer televisão e em que “Lost” estimulou o bichinho das teorias e dos fóruns de discussão, o intervalo de tempo sobre o qual reflectimos neste artigo foi marcado por muita qualidade. E foi esse o primordial critério (qualidade, sem descurar uma noção de consistência) na escolha das 10 Séries desta década, uma eleição que não deixou de ter em conta o impacto de determinados conteúdos no sector e o reflexo que certas séries foram de um todo maior, a nossa sociedade.

Como menções honrosas, à porta desta dificílima eleição, é justo não deixar jamais cair no esquecimento minisséries como “Chernobyl” e “The Night Of”, o pastiche saudosista e pop “Stranger Things“, a identidade visual da versão britânica de “Utopia”, “House of Cards” enquanto primogénito da Netflix e um drama fantástico nos seus primórdios, os planos-sequência de “Daredevil”, o erotismo intelectual de Mads Mikkelsen e Hugh Dancy em “Hannibal”, o labirinto paradoxal e germânico de “Dark” ou o portentoso desempenho, pouco conhecido, de Aden Young em “Rectify”. Se só existisse a 1.ª temporada de “True Detective” entraria sem discussão possível num Top-10, tal como “Fargo” se tivesse sido dada continuidade ao nível das duas primeiras temporadas. Para “Succession” e “Barry” este Top chega cedo demais, e assim as 10 melhores séries da década, pela sua qualidade, criatividade, coerência/ consistência e impacto são:




10. WATCHMEN (2019, HBO)

Watchmen
© HBO Portugal

Num ano brutal para as minisséries – conjugou a adaptação da BD de Alan Moore e “Chernobyl“, dois produtos com o carimbo HBO – Damon Lindelof (único autor que coloca duas séries neste Top) conseguiu o impossível. Se “Chernobyl2 se evidenciou como consumo obrigatório, produto perfeito e refinado da estirpe de “Band of Brothers” (2001), “Watchmen” serviu de alerta para uma América fragmentada, emoldurando uma reflexão corajosa sobre justiça, sobre o preconceito racial e podendo, talvez em conjunto com outra minissérie fortíssima embora angustiante (“When They See Us“), servir de bandeira do movimento Black Lives Matter.

Watchmen” respeitou o material original e, com algo (muito) diferente, captou muito melhor a alma ou essência da inigualável obra de Alan Moore e Dave Gibbons do que a longa-metragem de Zack Snyder, reprodução quase religiosa das míticas vinhetas e pranchas. Com uma banda sonora de luxo de Trent Reznor e Atticus Ross, e episódios históricos como “This Extraordinary Being” e “A God Walks into Abar”, a série ficará para sempre como uma espécie de jazz composto com todas as cores disponíveis na pauta.




9. BLACK MIRROR (2011 – presente, Channel 4 e Netflix)

black mirror
© Netflix

Assim como os anos 60 e 80 tiveram “The Twilight Zone” e Rod Sterling, nós temos “Black Mirror” saído da brilhante e ligeiramente perturbada mente de Charlie Brooker. Ocasionalmente mais deprimente do que este ano de 2020, “Black Mirror” marcou a década com os seus contos distópicos, satirizando um futuro sombrio com diferentes tecnologias como pano de fundo.

Entre antologias, universos paralelos e realidades estilhaçadas, Brooker tem apostado na conjugação entre espantosas inovações e os mais obscuros instintos humanos. Acreditando que mostrar o pior de nós num ecrã poderá trazer à luz o nosso melhor fora dele, “Black Mirror” tem servido de psicologia inversa e pedagogia através de terapia de choque. A discussão de qual o melhor episódio da série divide tudo e todos, embora “San Junipero”, o especial natalício “White Christmas” ou “The Entire History of You” sejam frequentemente aclamados, e reunindo a fase Channel 4 um compêndio mais consistente do que a fase Netflix, mais polida mas por vezes menos inspirada, corrosiva e marcante.




8. FLEABAG (2016 – 2019, BBC Three e Amazon)

Melhores séries 2019
© 2016 Amazon Studios

A caminho de um mundo – numa viagem ainda longe de estar completa – como sempre deveria ter sido, as mulheres têm ganho maior voz e palco nesta década televisiva. Quer através de séries lideradas por mulheres (“The Handmaid’s Tale“, “Orange is the New Black”, “Big Little Lies” ou “GLOW”), quer através dos desempenhos carismáticos de actrizes fantásticas e multifacetadas como Elisabeth Moss, Carrie Coon, Julia Louis-Dreyfus, Rachel Brosnahan ou Tatiana Maslany.

Mas perante o desafio de escolher A Voz feminina desta década, nenhuma deu mais gosto escutar do que a de Phoebe Waller-Bridge. “Fleabag” revelou-se uma jornada muito pessoal, com um humor muito britânico, pontuada pela distinta cumplicidade com o espectador (magistral gestão da quebra da quarta parede) e por uma descomplexada visão do mundo, pela perspectiva de uma protagonista fragilmente segura e de vulnerável confiança, com a necessidade de esconder atrás do escape da sexualidade e da descontracção de uma persona a dificuldade de se entregar, desarmada, em definitivo. Marcou pelo Hot Priest, pela verosimilhança da dinâmica familiar, pela honestidade inapropriada e sem tabus e, principalmente, pela amplitude de emoções exploradas, desde o confessionário à paragem de autocarro.




7. HALT AND CATCH FIRE (2014 – 2017, AMC)

melhores séries Halt and Catch Fire
© 2016 AMC Film Holdings LLC. All Rights Reserved.

“Halt and Catch Fire” foi nesta década a melhor série entre aquelas que nunca ninguém viu. O pretenso herdeiro de “Mad Men“, com Mackenzie Davis, Lee Pace, Scoot McNairy e Kerry Bishé num nível imaculado, triunfou ao transformar-se e evoluir (cada temporada foi superior à anterior, algo bastante raro em televisão), à imagem do período que homenageou.

Brilhou ao explorar algo improvável e pouco frequente em séries ou filmes: o falhanço. Focou-se na próxima ideia, na criação, na novidade, no timing; no processo de tentativa e erro, nas rivalidades profissionais e no conflito entre egos de um conjunto de pessoas sempre viradas para o futuro, mas cujo presente pessoal e profissional foi sempre cativante. Em Silicon Valley, com a nostalgia do som de um modem a ligar e de um mundo pré-Google, “Halt and Catch Fire” olhou para a era da inovação, para o caminho até maximizar o potencial e deu corpo e voz aos revolucionários invisíveis.




6. GAME OF THRONES (2011 – 2019, HBO)

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© HBO

É indiscutível: “Game of Thrones” foi o maior fenómeno televisivo da década, uma série épica sem igual no mediatismo, no esforço de produção e na legião de fãs. Este monumento televisivo, qual portento estético, mudou a forma de ver e fazer televisão, incendiou o Reddit com a mesma intensidade com que fez arder King’s Landing e nenhuma outra série exigiu tantos cuidados para evitar spoilers à segunda-feira.

O final deixou os espectadores frustrados graças à forma como as personagens foram atraiçoadas, num desfecho preguiçoso de tão apressado, fértil na subversão gratuita de expectativas e na incongruência narrativa. No entanto, a maior série da década (diferente de a melhor) será sempre inesquecível com 4 temporadas iniciais de uma coesão ímpar, mantendo-se a fasquia elevada até ao final da 6.ª temporada. Nenhuma outra série nos fez estimar um número tão amplo de personagens, e poucas nos destruíram (num bom sentido) como GoT conseguiu com a morte de Ned Stark, com o Red Wedding ou nos instantes finais do duelo entre Oberyn e The Mountain.




5. BOJACK HORSEMAN (2014 – 2020, Netflix)

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©Netflix

Um retrato da década sem um original Netflix não seria uma representação realista. De 2013 para cá, “House of Cards” e “Orange is the New Black” foram os títulos que colocaram a plataforma de streaming no mapa, e é legítimo que na hora de escolher o melhor original se defendam opções como “Stranger Things”, “The Crown“, “Dark”, “Mindhunter” ou “Daredevil”.

Mas “BoJack Horseman” merece esse estatuto. Num período em que “Rick and Morty” também revolucionou a animação e soube usar a sua multiplicidade de ferramentas, a série da Netflix pegou num cavalo antropomórfico contextualizado numa comédia animada e gerou algo absolutamente devastador a nível emocional. “Free Churro”, “The View from Halfway Down”, “Time’s Arrow”, “Fish Out of Water” ou “That’s Too Much, Man!” foram alguns dos episódios mais fascinantes desta década.

Sem nunca fugir à tentativa de colocar Horseman como um anti-herói da casta de Soprano, Draper ou Underwood, “BoJack” revelou-se uma hábil sátira a Hollywood, com um protagonista tóxico, irresponsável, egoísta, viciado e narcisista numa jornada profundamente carregada de existencialismo e niilismo, à procura de respostas e de um significado para a vida; preso ao passado, asfixiado pelo presente e ansioso pelo futuro.




4. BETTER CALL SAUL (2015 – presente, AMC)

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© Netflix

Quando parecia impossível Vince Gilligan e Peter Gould criarem algo do nível de “Breaking Bad”, eis que surgiu algo tão bom ou melhor num spin-off que vem dando peso e intensidade dramática a Saul Goodman, o advogado-caricatura e comic relief manhoso, outrora mero coadjuvante de Walter White e Jesse Pinkman.

Autêntica ilha no actual panorama televisivo, mestre a seguir a regra de ouro show, don’t tell numa exposição refinada e contida, “Better Call Saul” é uma narrativa escrita por cirurgiões, uma autêntica panela de pressão que navega num mar cinzento entre o que é certo e errado. Nenhuma série contemporânea comunicaria tão eficazmente a sua mensagem se retirássemos a todas o som, e nenhuma personagem feminina desta década seria capaz de competir com Kim Wrexler.




3. THE LEFTOVERS (2014 – 2017, HBO)

melhores séries the leftovers
© HBO

Aclamada pela crítica, desconhecida ou ignorada por muitos espectadores. Numa caminhada sui generis entre fé e cepticismo, o bizarro e o profundo, a realidade e a ficção, Damon Lindelof (autor de “Lost” e “Watchmen”) encostou as personagens e a audiência à parede ao perguntar como é que se sobrevive e que adaptação é possível a um mundo que viu desaparecer, sem explicação, 2% da sua população. O foco da série, no entanto, nunca foi o fenómeno em si, mas sim o luto e a capacidade (ou não) de seguir em frente.

A série que terá tido porventura o desempenho feminino desta década (Carrie Coon como Nora Durst) cresceu de ano para ano numa montanha russa de emoções pautada por mistério e pela simbologia de quem ousa apresentar um hotel como purgatório metafórico ou contextualizar uma busca espiritual numa viagem de barco onde decorre uma orgia em tributo a um leão.

Talvez o principal legado de “The Leftovers” seja uma lição: podemos por vezes não ter respostas, mas é importante que pelo menos deixemos de ter perguntas.




2. ATLANTA (2016 – presente, FX)

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© Copyright 2016, FX Networks. All rights reserved.

Saída da maravilhosa mente de um dos artistas mais completos da sua geração, Donald Glover AKA Childish Gambino, “Atlanta” só teve duas temporadas (2016 e 2018) e ainda está no ar, mas já fez o suficiente para merecer a distinção de uma das melhores séries da década. Absurda e excêntrica, perspicaz e pertinente, descomplexada, subversiva e a transbordar de criatividade, a série do FX (por cá disponível na FOX +) é um exemplo de uma nova tendência no ramo – comédias que se atrevem a sentir tudo, e que embora privilegiem um POV humorístico não se escondem de todas as outras camadas do prisma.

A rainha dos dramas de 20-30 minutos, mascarados de comédias, tem brilhado ao sair constantemente da caixa, colocando no ecrã sistematicamente algo novo, algo diferente, sem limites. Tendo no episódio “Teddy Perkins” o seu ponto alto até à data, “Atlanta” sabe o que tem para dizer, e fá-lo através da sinceridade e química dos seus intérpretes (Donald Glover, Brian Tyree Henry, Lakeith Stanfield e Zazie Beetz), sempre com respeito pelas noções de comunidade e bairro, numa colecção, carregada de liberdade e imaginação, de contos urbanos do século XXI. Como Glover uma vez disse, é “Twin Peaks” com rappers.




1. MR. ROBOT (2015 – 2019, USA Network)

melhores séries mr robot
© USA Network

Se “Game of Thrones” foi a série mais mediática da última década, “Mr. Robot” (um tesourinho à espera de ser descoberto para todos aqueles que nunca viram – está disponível na Amazon Prime) foi não só a série que apresentou maior qualidade como aquela que melhor fotografou a sociedade dos dias de hoje – um grito íntimo contra a solidão, contra o egoísmo, contra a desvalorização da doença mental, contra as desigualdades e contra o capitalismo.

A obra-prima de Sam Esmail (génio absoluto), com Rami Malek a brilhar mais alto que qualquer outro actor esta década na pele de Elliot Alderson, fez o que quis das emoções dos seus fãs, respeitou e valorizou as suas personagens secundárias, promoveu episódios-conceito e encontrou um lugar no hall of fame das séries ao compreender que tinha mais a ganhar ao ser character-driven e não plot-driven. Visualmente ímpar, com uma cinematografia de fazer inveja a toda a concorrência, “Mr. Robot” viverá sempre num túnel de fotogramas, memórias pintadas ao som de M83; e de hoodie e capucho escuro, qual super-herói com o seu uniforme de homem comum, Elliot Alderson soube dar-nos esperança. E disso, nesta altura, todos precisamos um bocadinho.

 

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