© Aircraft Pictures, Melusine Productions, Cartoon Saloon

“O cinema de animação português é dos mais conceituados do mundo”: Entrevista a Fernando Galrito, diretor artístico do festival MONSTRA

Em antecipação ao Festival MONSTRA, a MHD esteve à conversa com o diretor artístico Fernando Galrito.

O festival de cinema de animação mais característico da cidade de Lisboa, MONSTRA, está de regresso para a sua 23.ª edição do festival. Sob o tema “Liberdade de Expressão”, no âmbito das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, o festival apresenta cerca de 400 filmes, dos quais se distinguem 27 estreias mundiais, 24 internacionais e 143 nacionais.

 

© Monstra 2024

O país convidado deste ano é a Irlanda, onde se vai colocar em foco o emblemático estúdio Cartoon Saloon. Para tal o festival contará com a presença de Tomm Moore, o seu cofundador, que foi também o responsável pelo design dos cartazes da edição deste ano.

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Para assinalar a chegada de mais uma MONSTRA à capital, a MHD esteve à conversa com Fernando Galrito, o diretor artístico do festival. O evento decorre de 7 a 17 de março de 2024, com uma cerimónia de abertura no Cinema São Jorge.




Fernando Galrito MONSTRA
Fernando Galrito, diretor artístico do Festival MONSTRA © Monstra’24

MHD: “Animation is Cinema. Animation is not a genre.” foi assim que Guillermo Del Toro começou o seu discurso quando recebeu o Óscar de Melhor Filme de Animação no ano passado por “Pinóquio”. Acredita que aquele estigma com a animação como sendo algo direcionado para crianças e não como uma forma de cinema ainda está presente na sociedade e até mesmo na cinefilia?

Fernando Galrito: Eu diria que está um bocadinho. Ao longo destes vinte cinco anos, nós sentimos que este estigma se tem suavizado, diria eu. De qualquer modo, ainda há, tanto da comunidade em geral e muitas vezes até da comunidade cinematográfica, as pessoas que fazem cinema de imagem real como nós chamamos. O cinema a motor, pensando nos antigos motores que puxavam pela película. Ainda há um estigma que o cinema de animação não é propriamente cinema, não é propriamente uma arte em si. E aquilo que foi muito interessante quando o Guillermo Del Toro disse essa frase, nós que fazemos animação também sentimos que foi uma ajuda imensa para nós porque ele disse tudo aquilo que alguém já deveria ter dito há muito tempo e vindo dele, tem sempre um outro peso como é óbvio. Efetivamente, nós há muitos anos que andamos a dizer isso. O cinema é uma forma de arte. O cinema de animação é uma forma de arte também e tem as suas especificidades…

Há esse estigma que vem um pouco da Walt Disney, talvez um pouco da Pixar também mas, na realidade o mundo da animação dirige-se também muito para todos os públicos e coloca questões muito interessantes também nos seus filmes e se olhamos para um género que está muito em evidência neste tempo e que se tem desenvolvido imenso que é a animação documental. Nós vemos hoje que há documentários feitos em animação que por vezes conseguem ir mais fundo na análise de temáticas do que às vezes a imagem real permite. E isso é muito interessante também de percebermos essa possibilidade que o cinema de animação abre, não só em termos artísticos, não só em termos narrativos e de contar histórias e boas histórias mas, também de falar de nós próprios enquanto seres humanos e na nossa relação com o mundo e outras culturas.

MHD: E de que forma é que a MONSTRA está a contribuir para combater esse estigma?

Fernando Galrito: A melhor forma de combater esse estigma é mostrar filmes, mostrar a grande diversidade que existe no mundo do cinema de animação e tentar chamar os espectadores do festival Monstra e do cinema de animação em geral para que as pessoas percebam que realmente estamos perante não só uma arte em si mas também uma arte que tem a capacidade de falar sobre os grandes temas do mundo, da atualidade e ao mesmo tempo uma grande capacidade criativa.

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Olhando para o exemplo do cinema de animação documental, apesar de usar personagens criadas através do desenho, do recorte, da marioneta ou digitalmente, a animação pode ser também uma forma de ir mais a fundo naquilo que é por vezes o olhar sobre a nossa relação com o mundo, com o outro, a nossa existência. O cinema de animação não só tem essa valência e o festival de animação Monstra tem, através dos filmes que projeta, mas também nas propostas que faz, especialmente, ao nível da transversalidade onde o cinema de animação em diálogo com outras artes se apresenta também como um espaço onde as pessoas que surgem das várias áreas: dança, arquitetura, pintura, encontram no cinema de animação uma forma de diálogo interessante e mais um apoio à sua própria criatividade dentro da sua área.




“Quando o Vento Sopra”, de Jimmy  Murakami © MONSTRA

MHD: Falando em como a animação trata de temas importantes, a “Liberdade de Expressão” é o tema deste ano do festival MONSTRA, integrando-se na comemoração dos 50 anos do 25 de Abril. De que forma é que este tema se reflete na seleção de filmes e atividades do festival?

Fernando Galrito: Diria que este tema é um tema recorrente quase em todas as edições do festival. Se não tivéssemos liberdade de expressão, se não tivesse havido 25 de Abril de 1974, se calhar não podíamos fazer este festival… se calhar nem poderia estar aqui a falar consigo com esta liberdade toda que temos para dizer aquilo que cada um de nós pensa. Nesse aspeto, mais uma vez, a liberdade de expressão está expressa no nosso programa com alguns momentos muito interessantes e muito especiais.

Logo no dia 7 de Março, no Cinema São Jorge na Sessão de Abertura, vamos abrir o festival com um filme chamado “A Revolução”, um olhar sobre a revolução portuguesa num filme realizado por jovens, todos eles nascidos mais de 25 anos depois da revolução portuguesa, tanto jovens portugueses que têm a cultura e nasceram já sob este espírito de liberdade que o 25 de Abril trouxe como jovens europeus de vários países tão distintos como a Bulgária, Turquia, Alemanha, Itália. Todos eles muito importantes e fizeram trabalhos muito interessante neste olhar sobre a revolução do 25 de Abril e é um filme que eu penso que instala no nosso festival esta ideia de liberdade de expressão, esta ideia de revolução.

Depois ao longo do festival, vamos ter na terça-feira dia 12 de Março, uma Mesa Redonda onde vamos abordar a questão da liberdade de expressão por pessoas que surgem da área da ilustração, do cinema de animação, da banda desenhada como André Carrilho, Cristina Sampaio, Nuno Saraiva, João Miguel Tavares, Luís Salvado, temos uma finlandesa Annika Dahlsten que também vai trazer o seu olhar de um país e de uma cultura diferente sobre a liberdade de expressão. Temos também uma masterclass do José Xavier, que é um realizador já octogenário, mas que por causa da ditadura portuguesa, acaba por ir para a França, um país democrático já na altura, porque não lhe deixavam fazer os filmes que ele queria fazer cá e foi aí que passou praticamente toda a sua carreira, mas regularmente vem a Portugal e estreia no nosso festival os seus filmes.

Este ano, mais uma vez, também vai na Sessão de Abertura estrear o seu último filme, que ainda por cima tem um título interessante para quem vive fora do país, “Saudade, talvez”. O festival vai encerrar com um filme feito por alunos da Escola Artística António Arroio, também sobre a temática da revolução olhada por jovens artistas que têm hoje 20 anos.

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MHD: Outro destaque do festival e que tem sido um destaque ao longo dos anos, é o país convidado. A MONSTRA já homenageou países como a Bulgária, Arménia, Itália e vários países da América Latina. Este ano, é a vez da Irlanda. O que é que motivou essa escolha?

Fernando Galrito: A Irlanda é um país interessante e tem até uma história muito parecida com a nossa. Inicia a sua história na animação, de uma forma suave, e que de repente há um Boom, primeiro causado pela vinda de um americano de origem japonesa, Jimmy Murakami, e que se instala e cria um estúdio, fazendo uma série de obras muito importante para a animação mundial como “Quando o Vento Sopra” que acaba por ser nos anos 60 um filme muito importante que olha para a questão da Guerra Fria.

Um filme muito interessante que despoleta a vinda de muitos realizadores e estúdios para a Irlanda, a partir daí há um Boom. E muito especialmente nos últimos 30/25 anos, nascem muitos estúdios e são esses estúdios mais jovens que nós vamos homenagear na nossa programação que é composta por quase 80 filmes, entre curtas e longas-metragens. Vamos fazer 16 sessões de cinema dedicadas à Irlanda com uma homenagem especial de um dos estúdios mais importantes hoje em dia na Irlanda, a Cartoon Saloon, de quem não só vamos passar curtas e quatro longas-metragens como também vamos trazer o Tomm Moore, cofundador do estúdio, que vai fazer uma masterclass na sexta-feira dia 8 e vamos passar os seus filmes, todos eles candidatos ao Óscar, “Wolfwalkers”, “A Canção do Mar” e “Brendan e o Mundo Secreto de Kells”  e ele vai falar um pouco sobre a sua obra no dia 8, que termina com um concerto de uma banda irlandesa que nos vai por a dançar ao som da música ilustrada por vários filmes de animação irlandeses. Um fim de dia irlandês também muito forte num festival que todo ele vai estar cheio de retrospetivas irlandesas.




“Wolfwalkers”,  de Tomm Moore e Ross Stewart© Apple TV+

MHD: Falando em Tomm Moore, do Cartoon Saloon, o design dos cartazes foi feito por ele. Como é que surgiu essa oportunidade?

Fernando Galrito: Há pouco eu falava de como o cinema de animação tem esta capacidade de diálogo e ligação com muitas artes. Pessoas que fazem cinema de animação são por norma pessoas de uma benevolência fantástica. Eu tinha-me cruzado com o Tomm Moore num festival de animação, de forma muito fugaz, falamos, conhecemo-nos e depois, dei-lhe um telefonema passado uns meses largos. Disse-lhe assim: “Olha nós vamos fazer uma retrospetiva dedicada à Irlanda e gostávamos que fosses tu a desenhar a Monstra e a Monstrinha para o festival. Porque ninguém melhor que tu pode fazer esse cruzamento entre a Irlanda e Portugal” e foi muito interessante que ele disse imediatamente que sim e dois dias depois, já estávamos a receber os primeiros sketches que ele tinha desenhado com as ideias que ele tinha para o cartaz. Por isso, foi sem dúvida uma coisa simples e o cartaz está aí, uma excelente homenagem por um lado aos oceanos que nos ligam, o oceano Atlântico que banha também em parte a Irlanda e também nos banha a nós, e depois aquela Monstra que tem uma nau na mão e que no fundo, também evoca a portugalidade nas suas viagens pelos oceanos e pelo mundo.

MHD: Por falar em portugalidade, de que forma a MONSTRA tem contribuído para promover e destacar o cinema nacional de animação?

Fernando Galrito: Eu costumo dizer que quando nós temos alguma dúvida a escolher um filme, escolhemos um português. Ou seja, a MONSTRA tem sido e continuará a ser um espaço onde o cinema de animação português tem um lugar de destaque tão grande como a cinematografia convidada, por exemplo. E mais uma vez isso acontece, nós temos uma competição exclusiva para filmes portugueses, temos a sorte de muitos realizadores portugueses escolherem o nosso festival para fazer as estreias mundiais das suas obras. Este ano, isso vai acontecer mais uma vez, já falei há pouco de “Saudade, talvez” do José Xavier, mas também podia falar de “A Menina com os olhos ocupados” do André Carrilho, que se estreia mundialmente no nosso festival. Vamos ter uma série criada em parceria com a Sardinha em Lata e a RTP, “O Diário de Alice” que vai ter a sua estreia também nos nossos ecrãs.

Vamos ter o realizador Diogo Viegas que vai falar e fazer umas ilustrações em frente ao público sobre o seu filme. Vamos ter uma estreia mundial do “O Estado de Alma” da Sara Naves, do último filme do Bruno Carnide, “A Rapariga que Caminhava sobre a Neve”. Um filme que evoca três grandes autores, e aqui voltámos à nossa conversa de início, da importância que o cinema tem para revelar questões ligadas às outras artes. Já fizemos com a dança, com o teatro, com o design, este ano vamos fazê-lo com a arquitetura e vamos estrear o último filme do nosso querido amigo e colega Miguel Pires de Matos “Eduardo, Walter e Leonidov“, que formam um conjunto de três arquitetos muito importantes na história mundial. O Eduardo Souto Moura, que criou a Escola da Bauhaus, o Leonidov que é um dos grandes arquitetos da escola russa do construtivismo. Todos os três influenciam e se influenciam de alguma forma ao longo da história. É um filme que não se pode perder e que é também uma homenagem do cinema de animação à grande arquitetura que se faz ainda hoje, o Souto Moura é um homem vivo e a construir, mas também aqueles grandes percursores da grande arquitetura mundial.

Por isso, o cinema de animação português está sempre presente na MONSTRA, com um espaço de destaque. Nós vamos ter na sexta-feira à tarde, um encontro com muitos estúdios que vão apresentar os projetos que estão em desenvolvimento, no sábado vamos fazer um encontro com os estúdios portugueses que estão a fazer coproduções com a Europa, um espaço muito importante para o desenvolvimento do nosso cinema de animação. E nas competições, vamos fazer a estreia portuguesa de um filme de Fernando Trueba e Javier Mariscal, “Mataram o Pianista”, que tem uma grande parte da animação do filme feita em Portugal, nos estúdios da Animanostra. Portanto, o cinema de animação português está sempre muito presente, com um espaço forte que vai desde a abertura ao encerramento, durante a semana. E também chamo a atenção já agora para uma programação que tem a ver com Portugal mas que tem a ver com a expressão portuguesa, o Anima CPLP, onde os países de expressão portuguesa estão representados com filmes brasileiros, moçambicanos, ou seja, estes países de expressão portuguesa também em destaque na MONSTRA.

MHD: Mencionou há pouco que em caso de dúvida escolhe o filme português… Quais são os principais critérios considerados na seleção e escolha da programação do festival? Como é que funciona a curadoria de cada secção de filmes exibidos?

Fernando Galrito: Nós temos três tipos de filmes que passamos, uns são os filmes do país convidado ou filmes que nós convidamos por causa de alguma secção que temos, como por exemplo o documentário na animação, o jazz e a animação, o terror na animação… Ou seja, vários géneros cinematográficos que se ligam e se cruzam com o cinema de animação. Aí temos um encontro forte com uma escolha de filmes dessas áreas. Depois temos os filmes que se inscrevem para as várias competições, o festival tem sete competições desde a MONSTRINHA até curtas de estudantes e longas-metragens profissionais, e estes filmes são depois escolhidos. Este ano, tivemos praticamente três mil inscrições, e destes três mil filmes, fazemos uma pré-seleção de mais ou menos 30/35 anos que depois selecionámos os 212 filmes que temos este ano nas várias competições. E essa seleção é feita tendo em atenção a qualidade da narrativa, da animação, da técnica. A importância da novidade, o que é que o filme traz de novo? E há pouco como dizia, quando temos dois filmes em pé de igualdade, uma qualidade muito próxima destas características, se há dúvida em escolher um ou outro, naturalmente que damos primazia, e não tenho medo de o dizer, ao filme português porque como estamos em Portugal é à nossa cinematografia que temos que dar um relevo especial, como é óbvio.

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© Monstra ’24

MHD: Falando agora um pouco sobre o percurso da MONSTRA, quando este se iniciou em 2000 como o primeiro Festival de Cinema de Animação de Lisboa, quais foram as principais dificuldades que encontrou?

Fernando Galrito: Nós estamos ligados com o cinema de animação desde muito pequeninos, eu fiz o meu primeiro filme raspado na película porque não tinha equipamento aos 8 anos de idade. E o cinema de animação sempre esteve muito ligado à minha vida, estudei cinema em França e fiz muitos workshops com crianças e jovens um pouco por todo o mundo inteiro. E houve uma altura da minha vida que tínhamos um grupo chamado “Expresso Oriente” que era composto por pessoas de muitas áreas, havia uma cantora da Gulbenkian, um antropólogo, um artista plástico, uma professora primária e depois estava eu, mais ligado à antropologia (que também estudei) e ao cinema e cinema de animação. E fazíamos “happenings” em muitos festivais, construíamos peças com as pessoas. E o movimento, a imagem em movimento, estava sempre muito presente nessas nossas criações, daí que há uma altura mais ou menos 1998/1999 que nós dissemos que era interessante que este grupo criasse um festival que juntasse estas artes todas e então, a arte que juntava as artes todas que nós fazíamos era o cinema de animação.

Em 2000, nós conseguimos convencer a Câmara Municipal de Lisboa, na altura como parceira, em que o festival nasceu ligado às festas da cidade no mês de Maio/Junho. Conseguimos então convencer também o Teatro Taborda e o Cinema São Jorge a deixar-nos fazer aí e a dar-nos algum apoio para fazer o festival. E o festival nasce no ano de 2000 com dois mil espectadores numa sala que não tinha sequer projeção de cinema, o projetor estava instalado à entrada da sala. Antes das pessoas entrarem, viam o projector, a película a cair e era um “happening” enorme fazer o festival nos seus primeiros anos. Felizmente, foi crescendo ao longo deste tempo e tornou-se esta MONSTRA de quatrocentos filmes a cada edição e o ano passado quase 70 mil espectadores nas várias propostas que o festival fez.

No ano 2000, nunca pensamos chegar até aqui mas, é com muito prazer que continuamos a fazê-lo e que reunimos uma equipa fantástica… As pessoas normalmente só me conhecem a mim, mas há uma equipa fantástica de muitas pessoas ao longo do ano e depois na altura do festival que se juntam. Durante a semana do festival, somos mais de cinquenta a pôr em pé esta proposta anual que é fazer chegar a muita gente o grande cinema de animação que se faz no mundo.

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MHD: Quando pensa nesta longa história do festival, existe algum filme ou momentos em particular que tiveram impacto significativo?

Fernando Galrito: Há muitos momentos significativos na história do festival. Eu diria que existe, por exemplo, no mundo porque o festival já esteve em todos os continentes e em 351 cidades a mostrar filmes de animação, maior parte portugueses, e a fazer workshops para vários públicos. Tem sido uma história muito interessante e existe no mundo por causa do festival MONSTRA uma dúzia de pessoas que mudaram totalmente a sua vida por causa do festival e isso é interessante, às vezes encontramos esses amigos e dizem, “por causa de ti, por causa do Festival MONSTRA, a minha vida mudou completamente”. O nosso colega, hoje diretor do festival também comigo, Miguel Pires de Matos, há poucos anos era um dos grandes arquitetos deste país e hoje em dia, é um dos grandes realizadores de cinema de animação.

Ou seja, a MONSTRA mudou em parte a sua vida também. Há uma senhora argentina que perdeu o marido e era uma produtora, estava um pouco perdida, e por causa de a termos convidado a fazer um cartaz para a MONSTRA, mudou completamente a sua vida e hoje em dia faz Monstras e Monstrinhas pelo mundo inteiro com exposições e o Jornal Clarim todos os Domingos publica uma ilustração dela. Inclusivamente, há um momento em que as pessoas não ficaram muito contentes, em que um dos nossos convidados se esqueceu do saco no aeroporto e fechamos o aeroporto de Lisboa por causa dele (risos). Ou seja, há muitas histórias interessantes no festival e muitas delas são motivadas pelos nossos amigos e pelos filmes que eles fazem, que nos fazem encontrar, encontrá-los e com eles criar momentos de amizade que se perduram ao longo de mais de 20 anos.

MHD: Para terminar, como é que a MONSTRA pretende continuar a evoluir e a destacar-se no cenário internacional da animação? Existe alguma nova iniciativa ou expansão que esteja a ser pensada?

Fernando Galrito: A MONSTRA tem esta base mas anualmente nós pretendemos, por um lado, criar novas parcerias através das nossas transversalidades. Por exemplo, este ano temos uma novidade, vamos falar sobre a Inteligência Artificial no cinema de animação, ou seja, uma questão que está aí permanentemente e que não podemos esquecer e que temos de falar e olhar para ela. Ver como é que podemos também defender os autores mas ao mesmo tempo, também perceber o que é que isto pode trazer de importante como muitas outras tecnologias já trouxeram para o cinema de animação e para a arte, em geral.

Há uma questão que nós gostávamos muito que se desenvolvesse ainda mais e começa a dar os primeiros passos, que é a questão da indústria… Termos mais longas-metragens, mais séries a serem realizadas e aí eu penso que o nosso papel é também trazer vários produtores um pouco da Europa toda e mostrar que é possível trabalhar com grandes produtores portugueses. Porque nós temos uma coisa que nem sempre as pessoas sabem que é o facto de que a animação portuguesa é das mais conceituadas do mundo inteiro. Por proposta nossa, este ano Portugal vai ser o país convidado do maior festival de cinema de animação do mundo, o Festival de Annecy. E não nos convidam porque estamos à beira mar, convidam-nos porque os nossos filmes têm muita qualidade e são muitos bons, assim como os nossos realizadores. E eu penso que o lado autoral está resolvido e bem resolvido, temos uma série de jovens e adultos consagrados na história do cinema de animação.

Agora, falta-nos criar também o lado da indústria e aqui a Irlanda pode ser um bom mote para olharmos e continuarmos a fazer mais longas, fizemos o ano passado duas excelentes. Temos que chegar a outros mercados e fazer séries, de forma a que este grupo de pessoas fantástico que nós temos e que anualmente criámos nas escolas de cinema de animação, tenham emprego o ano inteiro e não fujam para a Irlanda, por exemplo, onde há muitos amigos nossos que trabalham nas séries e nas longas irlandesas, ou para a Inglaterra e outros países do mundo. E para cativá-los, tem de ser a indústria a fazê-lo. E ao mesmo tempo, também temos que ser realistas, eu acho que os nossos impostos e o Estado não consegue pagar tudo o que é necessário, é obrigatório trazer também as grandes empresas que têm lucros com a nossa existência e que possam também pôr algum desse lucro na cultura, porque os realizadores portugueses já deram provas disso, de que são capazes de fazer produtos muito importantes e muito interessantes que mais tarde ou mais cedo, irão trazer o retorno investido neles. A iniciativa privada deve também correr algum risco na cultura e penso que é por aí que o festival também irá crescer, mantendo sempre uma ligação muito própria ao cinema de autor, cinema independente e ao diálogo entre artes.

Digamos que é na experimentação, que depois surgem as coisas mais industriais. Hoje em dia, vemos muita publicidade, muitos objetos que já não são artísticos mas sim comerciais, que nascem de experiências feitas nas áreas artísticas/ culturais. E o cinema de animação é uma dessas, nós hoje temos publicidades a carros em que não há nenhum carro no ecrã, são tudo modelações feitas digitalmente e depois animadas por grandes animadores e misturadas com imagens reais. E parece que vemos um grande carro a andar em grandes estradas, que às vezes também não existem. Tudo aquilo é modelado e criado digitalmente, porque é mais fácil e mais rápido, conseguindo criar-se tudo aquilo que se quer de alguma forma. Ou seja, isso nasce da experimentação e da criação primeiro artística e depois utilizada pela indústria. E é um pouco por aí que todos nós devemos pensar.

TEASER | CELEBRA A IRLANDA E A LIBERDADE COM A MONSTRA 2024

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