"Nomadland - Sobreviver na América" | © Searchlight Pictures

Óscares 2021 | Post-Mortem da Cerimónia e da Temporada

Chegámos ao fim da temporada de prémios com o nosso comentário post-mortem sobre os vencedores e derrotados dos Óscares 2021. 

Foram finalmente entregues os Óscares 2021 que encerram a temporada de prémios 2020/2021 da maneira mais surreal e estranha possível. A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas soube celebrar a diversidade, os melhores filmes do ano, e conseguiu oferecer uma cerimónia com muitas das caras de Hollywood sem máscaras e sem que se tenham perdido nas configurações tão aborrecidas das sessões Zoom. Os Óscares da Academia mostraram a razão de serem ‘os prémios’ mais importantes da indústria e levantaram várias questões que precisam de ser mencionadas e debatidas. Por essa razão, e para fazermos jus à tradição partilhamos contigo este post-mortem original.

Depois de “Parasitas” ter arrecadado inesperadamente 4 Óscares em 2020 – Melhor Filme, Melhor Realizador, Melhor Argumento Original e Melhor Filme Internacional -, a pressão sobre os vencedores dos Óscares 2021 era gigantesca. A Academia de Hollywood precisava de manter o seu sentido de inclusão, ao mesmo tempo afastando-se daquilo que assistimos ao longo da temporada. Os Óscares, fortemente afetados pelas mudanças na indústria, precisavam de deixar morrer o passado, a tradição mais arcaica e abrir portas às novas potencialidades da sétima arte. O inesperado aconteceu a 25 de abril e muitos gritos de espanto e euforia foram ouvidos. Durante mais de 4 horas de emissão dos Óscares, houve uma contínua procura pela autenticidade dos prémios da Academia, evidenciando como as estatuetas douradas são ainda relevantes.

Gotham Awards
Frances McDormand em “Nomadland” © Fox Searchlight Pictures

Apesar da previsibilidade das vitórias de “Nomadland – Sobreviver na América” nos Óscares 2021 foram celebrados atores, atrizes e técnicos que não estávamos nada à espera. Anthony Hopkins superou merecidamente o favoritismo de Chadwick Boseman no Óscar de Melhor Ator por “O Pai” (na maior reviravolta do ano) e Frances McDormand arrecadou com alguma surpresa o Óscar de Melhor Atriz por “Nomadland”, um filme que é todo carregada por ela. A derrota mais descabida foi a de Diane Warren que perdeu na categoria de Melhor Canção Original, juntando-se a Glenn Close na lista de artistas vivos com mais nomeações aos Óscares sem qualquer vitória. Enquanto não ouvimos a música de Warren em palco, Glenn Close também nomeada, abanou o rabo e lá apresentou-nos o momento mais divertido da noite.

Acompanhámos a 93ª edição dos prémios da Academia com o coração nas mãos, sem que nunca tivéssemos visto clipes ou sequências dos filmes nomeados. Ao contrário de outros anos, a cerimónia procurou humanizar os artistas, repescando um pouco das suas biografias e referindo os seus primeiros trabalhos em cafés, restaurantes ou call-centers, e eliminou os filmes. Não tivemos vedetas nem exploração exagerada do conceito de star-system, tivemos o mero reconhecimento de pessoas que lutaram e continuam a lutar pelos seus sonhos e ambições, algumas das quais até subiram ao palco sem maquilhagem. De qualquer maneira, foi curioso a Academia ter decidido ir além dos filmes, mas houve certamente muitos espectadores que mudaram de canal ou simplesmente foram dormir. O público norte-americano precisa de mais cinema, por isso a cerimónia terminou em tom amargo onde fazia falta mais uma colher de açúcar.

Lê Também:   Óscares 2021 | Uma passadeira vermelha muito colorida

Em tempos de COVID-19 e vacinação, a transmissão ao vivo dos Óscares precisava de ser diferente dos Globos de Ouro, dos SAG e dos BAFTA e exigia algo mais para manter as audiências espalhadas por todo o mundo colocadas à televisão. Foram convidados vários artistas para o Dolby Theatre, para a Estação Ferroviária de Los Angeles, para o British Film Institute em Londres, e para outros locais do mundo. Os produtores da cerimónia Jesse CollinsStacey Sher, o one and only Steven Soderbergh e o realizador Glenn P. Weiss, tentaram fazer o melhor e conseguiram juntar os rostos mais amados do cinema para provar que é possível a realização de espectáculos televisivos de maneira original e igualmente emocionante em tempos de pandemia, não tivessem sido eles os responsáveis pelo filme-fenómeno “Contágio”, estreado há 11 anos atrás e espécie de presságio à realidade dos dias de hoje.

Foi também uma extraordinária noite de Óscares para as plataformas de streaming. Este ano, mais do que nunca, os espectadores tiveram a possibilidade de ver os filmes nomeados em plataformas de streaming e video-on-demand e, portanto, a maioria das obras eram conhecidas pelo grande público (sabe como ver todos os filmes dos Óscares 2021 aqui). Aliás, os filmes nomeados poderiam ter estreado única e exclusivamente através streaming e isso não era uma questão, nem um problema.

os 7 de chicago netflix
“Os 7 de Chicago” | ©Niko Tavernise/NETFLIX

O resultado? A Netflix saiu a ganhar e levou o Óscar em 7 categorias, não por “Os 7 de Chicago“, que saiu com as mãos vazias nas 6 categorias para as quais estava nomeado. Foi invulgar ver um filme vencedor do SAG de Melhor Elenco sem uma vitória nos prémios da Academia. Nos últimos anos, “Parasitas” (2020), “Black Panther” (2018) ou “O Caso Spotlight” tiveram um boost para os Óscares com a vitória do SAG de Melhor Elenco. Foi porventura um espelho daquilo que havia acontecido no ano passado com “O Irlandês” de Martin Scorsese, e não houve chances nem tempo, para homenagear a obra de Aaron Sorkin. Enfim, muito aconteceu e muito poderás descobrir nos próximos parágrafos, com vídeos e comentários exclusivos.

Ainda não conheces todos os vencedores da 93ª edição dos Óscares da Academia? Consulta a lista completa de vencedores e prepara-te para o post-mortem mais honesto. Como habitual, as conclusões finais à cerimónia dos Óscares e à temporada de prémios pela MHD são da autoria do nosso Coordenador de Cinema & Streaming Virgílio Jesus. Uma vez que havia de fazer esta análise garantimos-te que foram vistos todos os filmes nomeados e vencedores aos Óscares 2021, assim como acompanhada a cerimónia em direto.

A transmissão dos Óscares 2021 em Portugal foi assegurada pela RTP1, numa emissão especial feita desde o Cinema São Jorge e apresentada pelo crítico de cinema Mário Augusto e pela apresentadora Catarina Furtado.

Depois desta introdução segue as setas para conheceres os grandes destaques, os vencedores e derrotados da 93ª edição dos Óscares da Academia, assim como os melhores discursos.




COVID-19 e os Óscares 2021

Nos últimos anos, a cerimónia dos Óscares provou que não é necessário um anfitrião divertido ou polémico para a realização de um bom espectáculo televisivo. Este ano, novamente não tivemos apresentador nem apresentadora e lidámos bem com isso. Contudo, não poderemos deixar de abordar a realização pioneira de uma cerimónia televisiva em tempos de pandemia COVID-19, com centenas de convidados, todos eles previamente testados e sujeitos a dias de quarentena. Em plena vacinação massiva nos EUA, a cerimónia dos Óscares 2021 recebeu o estatuto de emprego, e tudo foi rodado como um autêntico filme. Com segurança e distanciamento social, nada foi virtual.

A primeira protagonista da noite mais longa do ano foi a atriz e realizadora Regina King (vencedora do Óscar de Melhor Atriz Secundária por “Se Esta Rua Falasse“), que agarrou numa das estatuetas e percorreu os corredores da Union Station de Los Angeles enquanto os nomes dos apresentadores e responsáveis técnicos pela cerimónia apareciam e desapareciam em várias cores. Este começo magistral em plano sequência evidenciava assim que teríamos um programa filmado em homenagem à arte das imagens em movimento, nos mais precisos movimentos de câmara e jogos de luzes. Foi brilhante e bem editado.

Awards Season
Regina King em “If Beale Street Could Talk” | ©Annapurna Pictures

Não existiram apresentações dos filmes, mas vimos um filme em si mesmo. A Academia escolheu uma poderosa atriz e realizadora para segurar um Óscar e a dar o pontapé de saída. Por sua vez, tivemos direito a um monólogo no qual abordou os tempos instáveis que ultrapassamos, de longa incerteza profissional e até de falta de proximidade para com os outros. Porém, e como diz o ditado: “the show must go on…“. Estamos todos cansados da dor provocada pela pandemia, e a 93ª edição dos Óscares foi o momento certo para a celebração da arte e daquilo que queremos para o futuro.

Há quem diga que a cerimónia dos Óscares 2021 perpassou a ideia de que Hollywood é um mundo à parte e despegado de tudo o resto. Não deixa de ser um pouco verdade, mas foram estes seres talentosos que permitem uma experiência televisiva com sentido de futuro. Tivemos a prova que as cerimónias televisivas de celebração da arte continuam a ser possíveis, com cuidadas restruturações, e não precisam de ser tão aborrecidas nem sinónimo de Zoom. Depois de Regina King, subiram ao palco Laura Dern, Don Cheadle, Bryan Cranston, Bong Joon-ho e Sharon Choi, Riz Ahmed, Reese Witherspoon, Marlee Martin e Jack Jason, Steven Yeun, Brad Pitt, Halle Berry, Harrison Ford, Viola Davis, Zendaya, Angela Bassett, Rita Moreno, Renée Zellweger e Joaquin Phoenix. Todos fizeram parte da nova normalidade da TV norte-americana com anedotas e curiosidades dos nomeados nas 23 categorias existentes este ano nos Óscares.

Lê Também:   Óscares 2021 | Onde ver os nomeados e vencedores

Tendo em conta os ajustes à situação pandémica houve uma boa compensação. Falamos do facto dos discursos dos vencedores não terem sido interrompidos por sons de uma orquestra desejosa por apressar a conclusão da cerimónia. Todos puderam falar em palco de maneira simples, comovente ou engraçada, provando que o mais importante nos Óscares é a voz dada aos artistas, um dos setores mais marginalizados nos últimos meses. A 93ª edição dos Óscares lembrou-nos que é possível a mistura certa de glamour (já analisámos os melhores looks), com uma mensagem positiva para aqueles que fazem da cultura a sua profissão.

minari critica
“Minari” | © A24

Em relação às audiências dos Óscares 2021, apenas 9,85 milhões de telespectadores assistiram à cerimónia do domingo. Na verdade, temos uma quebra superior a 59% se compararmos com os 23,6 milhões de telespectadores que se mantiveram conectados aos Óscares 2020. Isto não é nenhuma surpresa, afinal as audiências das cerimónias de prémios continuam a perder vários pontos, sobretudo nas terras do tio Sam.

Não queremos criticar a presença dos filmes nomeados, mas nunca mais estiveram nomeados do género de  “Titanic” (1997) “O Senhor dos Anéis” (2001-2003) ou “Braveheart” (1995) grandes êxitos da história do cinema contemporâneo. A maioria dos nomeados aos Óscar de Melhor Filme eram pequenas produções e, neste preciso momento poderemos dizer que não existe nenhum magnata com a força de Harvey Weinstein a conseguir apelar à indústria e ao público. Em ano de COVID-19 essa é uma não-questão, pois foram escassos os blockbusters estreados em sala ou a esgotar estes espaços culturais (nem “Tenet” ando lá perto).

Relativamente às audiências portuguesas de entrega dos Óscares 2021, a cerimónia e a Passadeira Vermelha teve em média 63 mil telespectadores, um número inferior aos 100 mil telespectadores que assistiram os Óscares na SIC em 2018.

Os Óscares 2021 concluíram a temporada de prémios mais longa e eclética de sempre, com filmes lançados em 14 meses (de 1 janeiro de 2020 a 28 de fevereiro de 2021), algo que permitiu incluir títulos estreados este ano como “Uma Miúda Com Potencial“, “Minari” ou “Judas and The Black Messiah” na corrida ao Melhor Filme. Sem mais demoras comentemos o vencedor desta categoria: “Nomadland – Sobreviver na América”.

Continua com a leitura deste post-mortem dos Óscares 2021 através das setas. 




“Nomadland” a América é das mulheres

Não poderemos negar o grande peso de “Nomadland – Sobreviver na América” na escolha da Academia de Hollywood para o Óscar de Melhor Filme. É apenas a segunda produção, depois de “Estado de Guerra” nos Óscares 2010 dirigido por uma mulher a vencer o Óscar de Melhor Filme, o primeiro filme realizado por uma mulher de cor a vencer e o primeiro realizado por uma mulher estrangeira (Chloe Zhao nasceu na China como Zhào Tíng e cresceu no Reino Unido) a triunfar na categoria. Não nos esqueçamos que desde 1929, apenas 7 mulheres tinham sido nomeadas para o Óscar de Melhor Realizador. E entre as vitórias de Kathryn Bigelow e Chloé Zhao existem uma lista longa de 90 homens e uma distância de 10 anos, muito intensos e controversos.

Antes de seguirmos, revê a atribuição do Óscar 2021 de Melhor Filme por Rita Moreno, uma das atrizes do novo “West Side Story” de Steven Spielberg. Este foi o antepenúltimo Óscar entregue na noite   rompeu com uma tradição da Academia, poucas vezes quebrada. Sabias que desde 1972, quando Charlie Chaplin recebeu o Óscar Honorário, o Óscar de Melhor Filme era sempre entregue em último lugar?

“Nomadland” vence o Óscar de Melhor Filme

“Nomadland – Sobreviver na América” recebeu apenas 3 Óscares da Academia: Melhor Filme, Melhor Realizador e Melhor Atriz Principal, mas acumula uma autêntica avalanche de outros 227 prémios. Na realidade, o abraçar de “Nomadland – Sobreviver na América” fez-se em todos os principais galardões da Awards Season 2020/2021 desde o 77º Festival de Veneza onde ganhou o Leão de Ouro, aos Globos de Ouro no passado mês de fevereiro (Melhor Filme de Drama), sem esquecer as últimas edições dos BAFTA, dos USC Scripter Awards, dos Producers Guild Awards e dos Directors Guild Awards. Talvez a certeza de que conquistaria a estatueta dourada manteve-nos mais vincados durante toda a temporada. Fomos percebendo que um pequeno filme, sobre a força transformativa de uma viagem poderia chegar tão longe.

Nomadland – Sobreviver na América” é um trabalho de mestria na realização, e embora não fosse o nosso favorito (fizemos um artigo de quem deveria vencer em todas as categorias dos Óscares 2021), está à altura do desafio, sendo um ótimo seguidor às vitórias do sul coreano “Parasitas” de Bong Joon-ho no ano precedente. “Nomadland – Sobreviver na América” é um filme com tons de realismo lírico e western,  com profundas inspirações na cinematografia de Terrence Malick,  que corta definitivamente com as narrativas tradicionais que normalmente tendem a sair vencedoras do Óscar de Melhor Filme. O filme agarra nos cinemas europeu e asiático, através da presença massiva de não atores na sua trama, para dar-nos a uma jornada de uma mulher ‘sem-casa’, sem nunca perder a esperança. A cada nova visualização, “Nomadland” faz-nos erguer a cabeça, faz-se continuar o percurso onde todos nos encontraremos no final da estrada.

Nomadland” é um dar nome à terra dos nómadas que se fizeram à estrada para superar os problemas, transtornos e traumas da sua vida. O diálogo de “Nomadland – Sobreviver na América” para com o nosso tempo é também um dos seus maiores triunfos e a Academia sabia disso. Ao longo do filme, percebemos esta necessidade de nos conectarmos mais com a natureza, com os outros seres humanos e pensar menos em bens materiais, em coisas que se esvanecem e que se estragam com o tempo e perdem o seu valor. Este é também um aplaudir das narrativas centradas em mulheres e será preciso recuar aos Óscares 1984 para termos um filme vencedor do Óscar de Melhor Filme cuja narrativa é focalizada realmente em mulheres – falamos precisamente de “Laços de Ternura” (James L. Brooks, 1983).

A importância de “Nomadland – Sobreviver na América” nesta categoria é realmente um chegar à frente dos filmes indies feitos nos EUA, como já havia acontecido com “Moonlight” nos Óscares 2017 ou com Birdman nos Óscares 2015. Como distribuição da Searchlight Pictures (a ex-Fox Searchlight Pictures, e atualmente pertencente à The Walt Disney Studios, divisão da The Walt Disney Company). “Nomadland” é desde “Chicago” o primeiro filme com rótulo Disney a vencer o Óscar de Melhor Filme.

A Searchlight Pictures não é nenhuma desconhecida nestas andanças da Academia, e os seus patrões Nancy Ultey e Steve Gilula são bem populares junto dos membros, arrecadando o principal galardão com “Quem Quer Ser Bilionário?” nos Óscares 2009, “12 Anos Escravo” em 2014, “Birdman” na edição de 2015 e “A Forma da Água” na edição de 2018. Para ganhar o Óscar o caminho de luz está garantido pela distribuidora Searchlight Pictures.

Lê Também:   Óscares 2021 | Os grandes vencedores das estatuetas douradas

Chloé Zhao vence o Óscar de Melhor Realizador

Mais admirável, “Nomadland” não estreou diretamente na plataforma de streaming Disney Plus, e foi cimentando o seu caminho para os Óscares através da passagem pelos festivais de cinema (passou no LEFFEST 2020). Desta forma, se a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas tinha oportunidade de atribuir o Óscar de Melhor Filme a uma obra estreada em streaming acabou por não fazê-lo. O desejo subentendido dos membros da Academia de ver os filmes no grande ecrã, foi defendido por Frances McDormand quando recebeu o Óscar de Melhor Filme como produtora. Não é preciso um grande orçamento – em “Nomadland” foram gastos apenas 5 milhões de dólares – para o público continuar a ir às salas para ver esse filme e outros dos nomeados naquela noite.

 “Por favor, assistam ao nosso filme no maior ecrã possível e em breve levem todos os que conhecem, lado a lado, para aquele espaço escuro e assistam a todos os filmes representados aqui esta noite”. Frances McDormand nos Óscares 2021.

Não houve prova maior de que as vitórias de Chloé Zhao nos Óscares 2021 redefinirão o futuro dos prémios da Academia e até da indústria. O seu próximo filme, atualmente em pós-produção é a grande produção da Marvel Studios “Eternals”, protagonizado por Angelina Jolie. E assim como o Óscar de Melhor Filme foi entregue antes do previsto, também nós terminamos esta análise sobre o grande vencedor dos Óscares mais cedo. Fechado o capítulo sem surpresas de “Nomadland”, afirmamos o quanto este Óscar foi bem entregue – abriremos um parêntesis à frente para analisar a vitória de McDormand.

Se ainda não viste “Nomadland – Sobreviver na América” não te esqueças que esta produção da Searchlight Pictures com distribuição nacional da NOS tem feito um enorme sucesso na reabertura das salas portuguesas. Está em exibição nos principais cinemas do continente e das ilhas e podes (re)ver o trailer legendado oficial abaixo.

O que estás a pensar deste nosso post-mortem? Ainda não refletimos sobre tudo por isso continua com as setas de análise à 93ª edição dos Óscares. 




O peso da diversidade nos Óscares

Os Óscares 2021 foram diversos e foram também dispersos em termos de género, raça e idade. Para além das vitórias de “Nomadland”, temos que destacar o recorde de Emerald Fennell ao vencer o primeiro Óscar atribuído na noite: o Óscar de Melhor Argumento Original. Com o ousado e tão necessária “Uma Miúda Com Potencial”, Emerald Fennell tornou-se apenas a primeira mulher a vencer a categoria a solo desde Diablo Cody em 2008 com “Juno”.

Depois das vitórias nos BAFTA, nos Critics Choice Awards e nos Writers Guild Awards era mais que certa a vitória desta cineasta britânica com potencial, mais conhecida do grande público por dar vida a Camilla Parker Bowles da terceira e quarta temporadas de “The Crown”.

Emerald Fennell sai a vencer nos Óscares

Enquanto aguardamos pela estreia de “Uma Miúda Com Potencial” nas salas de cinema portuguesas, vale a pena viajar no tempo e perceber a importante entrega deste Óscar. Será preciso recusar a 1991 quando Callie Khouri tornou-se na primeira mulher a vencer o Óscar de Melhor Argumento Original por um guião escrito a solo. Seguiram-se Jane Campion com “O Piano” nos Óscares 1994, Sofia Coppola com “Lost in Translation – O Amor é Um Lugar Estranho” nos Óscares 2004 e a já referida Diablo Cody. Assim, Emerald Fennell é apenas a quinta mulher a receber o galardão, seguindo-se a Bong Joon Ho e Han Jin Son, os primeiros argumentistas asiáticas (e também os primeiros coreanos) a vencerem o Óscar de Melhor Argumento Original em 2020.

A diversidade nesta edição continua… Mia Neal e Jamika Wilson de “Ma Rainey: A Mãe do Blues tornam-se as primeiras mulheres negras a vencer o Óscar na categoria de Melhor Maquilhagem e Penteados, prémio partilhado com o maquilhador espanhol Sergio Lopez-Rivera. O discurso de Mia Neal pode ser revisto a seguir e foi um dos pontos altos da noite.

Mia Neal e Jamika Nelson em destaque no Óscar

Depois de três nomeados negros na categoria do Óscar de Melhor Curta-Metragem, Travon Free – um dos cineastas por detrás de “Dois Perfeitos Estranhos” -, tornou-se o primeiro a vencer na categoria (o prémio foi dividido com o co-realizador Martin Desmond Roe). O artista fez um alerta para os assassinatos levados a cabo pela polícia norte-americana, que em média mata 3 afro-americanos por dia durante um ano.

Vimos também Daniel Kaluuya a ganhar o Óscar de Melhor Ator Secundário por “Judas and The Black Messiah”, tornando-se apenas o sexto ator negro a ser reconhecido nessa categoria interpretativa. Por sua vez, Yuh-jung Youn triunfou ao receber Óscar de Melhor Atriz Secundária, tornando-se apenas a segunda mulher asiática e a primeira coreana a vencer o Óscar de interpretação (depois de A primeira a vencer foi Miyoshi Umeki nos Óscares 1958). Houve muita espontaneidade no discurso destes dois atores que sem quaisquer surpresas saíram a ganhar nesta noite.

Daniel Kaluuya vence o Óscar 2021 de Melhor Ator Secundário

Por sua vez, “Soul” venceu o Óscar de Melhor Banda-Sonora, composta por Atticus Ross e Trent Reznor em parceria com Jon Batiste, apenas o segundo compositor negro a vencer na categoria com 86 anos – Herbie Hancock foi o primeiro no longínquo ano de 1986 pelo filme “À Volta da Meia-Noite”, do recentemente falecido Bertrand Tavernier). H.E.R., a jovem compositora de 23 anos já vencedora do Grammy, recebeu o Óscar de Melhor Canção Original por “Fight for You” e desta forma a hastag #OscarsSoWhite – surgida há cinco anos atrás – parece ser apenas um pesadelo distante.

Lê Também:   Óscares 2021 | Viola Davis em Ma Rainey: A Mãe dos Blues

Yuh-Jung Youn vence o Óscar 2021 de Melhor Atriz Secundária

Estamos aqui a referir a cor destes artistas, mas o que queremos dizer verdadeiramente é que o talento vem de qualquer parte, não importa o berço… Queremos muito, como referiu Mia Neal, que estas vitórias deixem de ser revolucionárias nos prémios da Academia e passem a ser simplesmente normais, mas para isso há que perceber a sua necessidade. Todos nós somos humanos e há que abraçar as diferentes facetas da indústria, porque assim estarão a ser representadas as mais heterogéneas individualidades. Portanto, há que referir o quanto o caminho para a diversidade na edição dos Óscares da Academia 2021 não nos parece forçado. A vitória de estatuetas douradas por pessoas de cor é uma prova da reafirmação das novas vozes do cinema, aquelas que anteriormente colocadas em off pelos grandes magnatas, produtores e distribuidores precursores de um conservadorismo e de um modo de contar histórias com o qual já ninguém se identifica.

Nas redes sociais e noutras publicações portuguesas infelizmente essa diversidade é colocada em causa e muitas vezes vista como prejudicial ao desenvolvimento das tramas e uma barreira à criatividade. Há quem diga que os Óscares são sinónimo do novo politicamente correto, mas na MHD somos de opinião diferente e esta diversidade não é senão uma consequência direta dos novos membros da Academia, que deixaram de ser maioritariamente brancos e conservadores republicanos e passou a ser mais dos afro-americanos, dos membros de minorias e até dos estrangeiros. Não estaremos a fomentar uma arte melhor? Mais criativa? Mais abrangente e global?

Os Óscares como os maiores prémios de Hollywood têm o dever de romper com a tradição e abraçar o nosso presente, os indivíduos à procura de um espaço público para exporem os seus pensamentos, a sua voz. Quem não gosta disso, pode muito bem limitar-se a fazer as suas listas pessoais de melhores do ano. Os membros da Academia sabem bem qual o papel de uma estatueta dourada, e apesar de nenhum ator negro ter ganho o Óscar de Melhor Ator ou Melhor Atriz – Chadwick Boseman e Viola Davis eram os favoritos depois das vitórias nos SAG Awards – há que entender que a diversidade sempre esteve presente e até essas categorias foram muitíssimo bem entregues e quebraram algumas barreiras, sobretudo se consideramos o feito Frances McDormand e ainda mais a idade de Anthony Hopkins. Nos Óscares 2021 houve espaço para todos.

© Warner Bros.

A diversidade nos Óscares 2021 não foi apenas sentida no lado dos vencedores e dos nomeados. Bong Joon ho apresentou o Óscar de Melhor Realizador em coreano, com tradução para o inglês a cargo da nossa intérprete preferida Sharon Choi. Já Marlee Matlin (a primeira e única atriz surda vencedora do Óscar de Melhor Atriz por “Filhos de um deus menor” em 1987) apresentou as categorias de documentário em linguagem gestual americana. A atriz é uma das protagonistas do filme “CODA”, o novo filme da Apple TV+ que deverá ganhar destaque nos Óscares 2022.

Além disso, de acordo com a Ruderman Family Foundation, a 93ª edição dos Óscares teve pela primeira vez um intérprete ASL na sala de imprensa, um palco acessível com uma rampa (preparada para uma eventual vitória do documentário “Crip Camp: Revolução pela Inclusão” e seus protagonistas) e legendas ocultas e descrições de áudio patrocinado pela Google. O abraçar da diversidade faz-se à frente e atrás das câmaras e o facto desta ser um critério determinante para as nomeações nos próximos anos dá-nos a certeza que os Óscares continuarão ser ainda mais pertinentes.

E por falar em diversidade sabias que a Netflix foi a plataforma de streaming mais galardoado nos Óscares 2021? Segue as setas para conheceres em quais as categorias. 




A celebração da Netflix junto da Academia

A inclusão estabelecida pelos Óscares 2021 tem sido um dos pilares empresariais de uma das produtores e distribuidores de cinema nomeadas: a Netflix (basta vermos os seus posts nas redes sociais e no Linkedin). Se nos Óscares 2020, só ganhou 2 prémios – Melhor Atriz Secundária para Laura Dern e Melhor Documentário para “Fábrica Americana” – e a sua influência foi colocada em causa, a plataforma de streaming encabeçada por Ted Sarandos, ganhou inúmeros votos em 2021. Assim, conseguiu arrecadar o número perfeito de prémios: 7 estatuetas douradas.

A Netflix foi mesmo o estúdio de cinema com mais galardões nos Óscares 2021, seguido de perto pela Disney com 5 prémios e depois pela Warner Bros. com 3 prémios. A Sony Pictures Classics recebeu dois prémios por “O Pai” e a Amazon Prime Video também foi celebrada com “Sound of Metal” em duas categorias.

Mank em destaque nos Óscares 2021

Desde 2013, com a sua primeira nomeação com o documentário “The Square” a Netflix já havia arrecadado 8 galardões, sendo o mais importante atribuído a Alfonso Cuarón pela realização de “Roma” nos Óscares 2019 (nesse ano foi celebrada em 4 categorias). Agora praticamente duplicou os seus prémios e tem 15 Óscares no total. Não esqueçamos que já na altura das nomeações para esta 93ª edição dos prémios dourados, a plataforma de streaming liderava com 36 dos seus artistas (pelo menos um em 22 de 23 categorias) e 17 filmes em competição. Os destaques óbvios foram dados a “Mank” e “Os 7 de Chicago”, ambos nomeados a Melhor Filme, mas não esqueçamos “Ma Rainey: A Mãe do Blues”, um dos mais comentados projetos do último ano.

Apesar de ainda não ter recebido o Óscar de Melhor Filme, a jornada para o sucesso da Netflix parece fazer-se aos poucos e foram várias as categorias técnicas celebradas pela tão amada plataforma. Relembra todos os oscarizados da Netflix nesta edição a seguir.

Lê Também:   Wolfwalkers, em análise | Melhor Filme de Animação

Óscares 2021 vencidos pela Netflix

  • Melhor Maquilhagem e Cabelos: Sergio Lopez-Rivera, Mia Neal e Jamika Wilson por“Ma Rainey: A Mãe do Blues”
  • Melhor Guarda-Roupa: Ann Roth por “Ma Rainey: A Mãe do Blues”
  • Melhor Documentário: Pippa Ehrlich, James Reed e Craig Foster por “A Sabedoria do Polvo”
  • Melhor Curta-Metragem: Travon Free e Martin Desmond Roe por “Dois Perfeitos Estranhos”
  • Melhor Curta-Metragem de Animação: Will McCormack e Michael Govier por “Se Acontecer Alguma Coisa, Adoro-vos”
  • Melhor Design de Produção: Donald Graham Burt e Jan Pascale por “Mank”
  • Melhor Fotografia: Erik Messerschmidt por “Mank”

O filme “Mank” sobre a luta pela autoria do argumento de “Citizen Kane – O Mundo a Seus Pés” liderava em 10 categorias, mas apesar de só ter ganho duas estatuetas, prova que Hollywood gosta da Netflix. É evidentemente uma das salas de cinema online mais fácil para visionar filmes, uma das plataformas de streaming que aposta fortemente em marketing e, ao longo de oito anos de história junto da Academia, conseguiu superar as expetativas e as inúmeras críticas de que foi alvo. Deveremos agradecer Hollywood pela aceitação de uma plataforma tão popular.

Mesmo assim, podemos simplesmente dizer que este não era o ano dos filmes Netflix nos Óscares. “Mank” e “Os 7 de Chicago” são obras praticamente dominados por homens, com histórias algo confusas e um argumento  algo tradicionalista com um certo classicismo norte-americano à mistura. A Netflix não tinha nos Óscares 2021 um filme nomeado à altura do brilhantismo de “Roma”, de Alfonso Cuáron e portanto foram justas as vitórias em categorias técnicas. Num ano tão complicado para a arte, seria ainda mais estranho a Academia entregar o galardão de Melhor Filme a obras com explosões de diálogos e onde falta alguma emoção. Se havia algum Martini seco nesta cerimónia eram mesmo estes filmes realizados por David Fincher e Aaron Sorkin – curiosamente falamos da dupla de “A Rede Social”, o grande derrotado nos Óscares 2011.

Queres conhecer mais sobre o impacto da Netflix junto da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas? Lê o nosso post-mortem dos Óscares 2010 aos Óscares 2020.

A análise aos vencedores da 93ª edição dos Óscares da Academia segue em frente. Continua com a leitura do nosso artigo. 




Os imprevisíveis Óscares 2021 de Melhor Atriz e Melhor Ator

Já nos apontamentos finais dos Óscares 2020 tínhamos comentado o fator surpresa necessário à cerimónia das estatuetas douradas. Voltou a acontecer este ano e portanto a cerimónia do ano passado não foi isolada. Desde os Óscares 2019, quando “Roma” perdeu na categoria de Melhor Filme para “Green Book” e Glenn Close perdeu na categoria de Melhor Atriz para Olivia Colman, a Academia tem sido imprevisível na atribuição de alguns Óscares principais. É evidente esta procura pela naturalidade e legitimidade destes prémios, para manter o público conectado e os mais puros cinéfilos entretidos com choros e saltos à mistura (sim, continuam-nos a emocionar com os Óscares).

oscares leffest nomadland sobreviver na américa
©Leffest/ NOS Audiovisuais

Os Óscares 2021 conseguiram surpreender pela positiva nas categorias de Melhor Atriz e Melhor Ator Principais. Nunca antes tivemos uma corrida tão emocionante! Os produtores da Academia Jesse CollinsStacey Sher e Steven Soderbergh reconheceram a devida importância desses galardões, e arrastaram a sua atribuição para os penúltimo e último lugares respetivamente.

O Óscar 2021 de Melhor Atriz era tão incerto que sem sequer havia unanimidade ao longo da temporada. Nos Globos de Ouro, foi Andra Day a vencedora por “Estados Unidos vs. Billie Holiday”, nos SAG foi Viola Davis por “Ma Rainey: A Mãe do Blues”, nos BAFTA foi Frances McDormand por “Nomadland” e nos Critics Choice Awards e nos Spirit Awards foi Carey Mulligan por “Uma Miúda Com Potencial”. Frances McDormand tornou-se, desta maneira, a única atriz vencedora do Óscar de interpretação principal apenas com a vitória nos SAG.

A sua vitória foi justa e deu para perceber o amor dos atores por esta veterana atriz, agora a intérprete feminina viva com mais Óscares de Melhor Atriz, depois do sucesso de “Fargo” na edição de 1997 e “Três Cartazes à Beira da Estrada” na edição de 2018. Katharine Hepburn, com quatro prémios, foi quem venceu mais prémios nesta categoria. Ironicamente, Frances McDormand nunca perdeu uma corrida ao Óscar de Melhor Atriz, apesar de ter sempre perdido a corrida ao Óscar de Melhor Atriz Secundária por “Mississippi em Chamas” (1988), “Quase Famosos” (2000) e “North Country – Terra Fria” (2005). Ainda mais impressionante, Frances McDormand junta-se a Vivien Leigh, Luise Rainer, Sally Field e Hilary Swank, na lista de atrizes com múltiplas vitórias do Óscar de Melhor Atriz sem nunca terem perdido a respetiva corrida.

Querem algo ainda mais chocante? Frances McDormand não fez campanha. Em Veneza, onde “Nomadland” estreou, a atriz saiu de mãos vazias pois, foi a também nomeada da noite Vanessa Kirby quem arrecadou o VOLPI Award. Pior, a sua aparição nos Óscares foi a única em termos de grandes cerimónias de prémios dos últimos meses. Frances McDormand é semelhante a Meryl Streep e onde quer que vá todos a conhecem.

Não queremos passar ao lado da oportunidade de referir o quanto a atriz lidera “Nomadland“, onde oferece, sem qualquer dúvida, o melhor papel da sua carreira. Temos uma McDormand desprovida de maquilhagem, de agressividade e onde abandona aquele lado com certos gestos e discursos exagerados, mostrando a simplicidade e a pureza de uma mulher em recuperação. Sem papas na língua e com palavras de “Macbeth”, Frances McDormand ganhou merecidamente o prémio.

Frances McDormand vence o Óscar 2021 de Melhor Atriz

Claro que a vitória de Viola Davis ou Andra Day poderia romper com a maldição de insucesso de mulheres de cor no Óscar de Melhor Atriz (Viola Davis era a nossa favorita), mas “Nomadland – Sobreviver na América” sempre foi amado ao longo da temporada e, portanto, os votantes tiveram mais do que tempo de ver este maravilhoso filme, mais do que todos os outros nomeados.

Seria estranho ver uma narrativa toda a ela centralizada numa mulher a ganhar o Óscar de Melhor Filme e a perder o Óscar de interpretação. Frances McDormand venceu também outro Óscar, como produtora desta obra, a primeira vez que aconteceu na história dos prémios. Uma longa-metragem já não ganhava os Óscares de Melhor Filme e Melhor Atriz em simultâneo desde “Million Dollar Baby – Sonhos Vencidos” (Clint Eastwood, 2004). “Nomadland” é o 12º filme na história dos Óscares a receber essa honra, com três desses filmes também vencedores do Óscar de Melhor Ator. Em comparação, 27 filmes ganharam os Óscares de Melhor Filme e Melhor Ator, tendo sido “O Artista” (2011), com Jean Dujardin o último caso. Se quiseres poderás recuperar a imprevisibilidade do Óscar de Melhor Atriz num artigo que publicamos de antevisão à categoria.

Depois de McDormand tivemos o maior choque da noite, quando Chadwick Boseman perdeu o Óscar para Anthony Hopkins. Os produtores da cerimónia Steven Soderbergh, Stacey Sher e Jesse Collins decidiram colocar a entrega deste prémio em último lugar, pensando, sem qualquer certeza, que Boseman iria ganhar. Seria uma maneira bonita de terminar a noite, de honrar um artista que desapareceu muito cedo, aos 43 anos vítima de cancro. O ator tinha o amor dos Globos de Ouro, dos Critics Choice e até dos SAG. Ou seja, venceu a maioria dos prémios principais e mesmo durante os prémios das primeiras associações recebeu várias vezes o prémio de Melhor Ator ou de Melhor Ator Secundário por “Da 5 Bloods – Irmãos de Armas”.

A primeira grande derrota de Boseman tinha acontecido somente nos BAFTA, onde Hopkins ganhou com alguma surpresa, mas todos pensávamos que isso estava relacionado com a sua nacionalidade britânica. A 93ª edição dos Óscares da Academia terminou assim com um certo vazio, não pela derrota de Boseman e vitória de Hopkins (atenção foi a mais justa da noite), mas pelo prognóstico precipitado feito pelos produtores Jesse CollinsStacey Sher e Steven Soderbergh. Ora, como Anthony Hopkins não estava presencialmente nem virtualmente presente, a vitória foi um grande vazio na sua conclusão. Pelas redes, corria mesmo o rumor de que Olivia Colman deveria aceitar o prémio em nome de Hopkins, mas parece que Joaquin Phoenix não sabia disso ou talvez tenha recebido ordens superiores para terminar mais cedo. Seguiram-se minutos empolgantes e o público no Twitter adepto do Black Panther Chadwick Boseman quis iniciar uma manifestação. Não é justo, quando Hopkins é um grande monstro cheio de talento da sétima arte.

Anthony Hopkins com a elegância galesa revelou no seu Instagram um vídeo de agradecimento à Academia, prestando a devida homenagem a Chadwick Boseman, cuja viúva Simone Ledward Boseman estava uma vez mais pronta para discursar e levar-nos às lágrimas com o seu sofrimento – nem Boseman, nem Sean Connery, nem Christopher Plummer, nem Olivia de Havilland, nem nenhum dos artistas falecidos teve a homenagem certa com a seção “In Memoriam” a mais cruel de que há registo nos últimos anos por mostrar poucos segundos (novamente sem sequências de filmes) os rostos de quem partiu.

Lê Também:   Óscares 2021 | Quem vai ganhar vs. Quem deveria ganhar

Anthony Hopkins vence o Óscar 2021 de Melhor Ator

Hopkins junta-se assim à lista de atores com múltiplos Óscares de interpretação e a Jack Nicholson e Daniel Day-Lewis como os únicos interpretes vivos com 2 estatuetas douradas de Melhor Ator. Anthony Hopkins é merecidamente o mais velho vencedor do Óscar de Melhor Ator, além de ser o mais velho vencedor de uma categoria interpretativa, depois de Christopher Plummer arrecadar a honra com “Assim é o Amor” nos Óscares 2012.

A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas mostra que não há idade para a reforma, além de atribuir o prémio a uma prestação que não quer fazer esquecer a população mais idosa que se viu bastante afetada fisicamente e psicologicamente pela pandemia COVID-19. “O Pai” é o mais sincero apelo a que todos nós deveremos cuidar quem sofre com a demência, quem se esquece do sangue que flui nas suas veias e quem quer segurar-se à vida, sem perceber as suas fragilidades. Anthony Hopkins para além de ser o Melhor Ator nos Óscares oferece o melhor desempenho de 2020, numa prestação que vale a pena descobrir quando “O Pai” chegar às salas de cinema em Portugal na próxima semana.

A imprevisibilidade da temporada de prémios poderá resumir-se desta forma: dos 6 vencedores dos Globos de Ouro 2021 de interpretação em cinema, apenas Daniel Kaluuya venceu o Óscar; dos 4 vencedores dos BAFTA Awards 2021 de interpretação os mesmo 4 foram vencedores das estatuetas douradas. Por último, dos 4 vencedores dos SAG Awards 2021 de interpretações a solo, apenas 2 venceram o Óscar. Não é preciso voar a um ano tão distante para observarmos a mesma situação. Quem não se lembra da temporada de prémios de 2018 quando Rami Malek (“Bohemian Rhapsody”) e Mahershala Ali (“Green Book”) venceram o SAG e o Óscar e Glenn Close (“A Mulher”) e Emily Blunt (“Um Lugar Silencioso”) venceram o SAG, mas perderam o Óscar para Olivia Colman (“A Favorita”) e Regina King (“Se Esta Rua Falasse”)? Blunt nem sequer tinha sido nomeada aos Óscares e King não foi nomeada aos SAG. Outros anos com a mesma situação foram os de 1995, 1998 e 2007.

Enquanto “Nomadland – Sobreviver na América” beneficiava da adoração massificada pela obra, “O Pai” oferecia igualmente uma história original, além de percebermos o quão relevante é o lançamento mais tardio de um filme na temporada. O factor de última hora resultou na aclamação imediata da interpretação de Anthony Hopkins, e tendo em conta que estávamos diante a temporada de prémios mais longa de sempre, os últimos foram os primeiros. Assim como McDormand, Anthony Hopkins assegurou a sua vitória nos Óscares com apenas o BAFTA. Os BAFTA 2021, mesmo com toda a diversidade, que parecia afastá-los um pouco da temporada, lá conseguiram ser muito importantes na corrida à estatueta dourada.

Tivemos um flashback no exato momento em que Glenn Close perdeu para Olivia Colman nos Óscares 2019, sendo exatamente dela e da atual maior perdedora dos Óscares da Academia no nosso último ponto deste post-mortem.




Diane Warren e Glenn Close nos Óscares 2021

Os Óscares 2021 foram todos bem entregues, à excepção do Óscar 2021 de Melhor Canção Original, uma das vitórias mais estranhas e talvez das piores da história recente da Academia. H.E.R. venceu o galardão por “Fight For You” (em colaboração com D’Mile e Tiara Thomas), um hino à luta pelo fim da segregação racial e pelos direitos humanos, com fortes associações às políticas e desejos de Fred Hampton. “Fight For You” era provavelmente a pior nomeada nesta categoria, e dificilmente seria de prever a sua vitória. Nem era visto como alternativa… Não que a música seja totalmente péssima ou não tenha o seu lado popular e catchy. O problema é que “Fight For You” não tem qualquer importância para a trama do filme que representa, sendo um complemento fraco à sua história. É uma boa canção para ouvir na rádio, mas não é uma boa canção cinematográfica, numa categoria que poucos parecem entender.

A vitória de “Fight For You” nos Óscares 2021, a nosso ver aconteceu como uma prova da paixão da Academia pelo filme “Judas and the Black Messiah” e porque os votantes da categoria queriam que a sua premissa fosse celebrada noutra categoria além do Óscar de Melhor Ator Secundário (para Daniel Kaluuya). Não esqueçamos de H.E.R. como intérprete e responsável pela música “I Can’t Breathe“, vencedora do Grammy Award 2021 de Melhor Canção Original, numa música protesto surgida em consequência do homicídio de George Floyd por um polícia norte-americano considerado recentemente culpado pelo crime. A Academia foi demasiado evidente nesta procura por um sentido de justiça e enganou-se seriamente nesta categoria. Com a vitória H.E.R. é a pessoa mais jovem de sempre a vencer um Óscar – tem apenas 23 anos. Chegou-lhe demasiado cedo.

Sentimos a dor da tão talentosa Diane Warren, que à 12ª nomeação aos Óscares continua a ser a pessoa viva mais nomeada de sempre aos Óscares sem uma única vitória. Este era o seu ano ao lado da igualmente célebre estrela mundial Laura Pausini. Só a presença de Pausini era um forte indicador que estávamos perante de uma canção de artistas com renome internacional, ao nível de Lady Gaga e Elton John, interpretes de “Shallow” e “(I’m Gonna) Love Me Again”, as canções vencedoras dos últimos anos. Bastava acompanhar as redes sociais de Warren e Pausini nas últimas semanas para perceber como estavam bastante confiantes perante reconhecimento (Warren fez uma dedicatória ao seu pai que celebraria o seu aniversário a 25 de abril) e, como se costuma dizer, saiu-lhes o tiro pela culatra. A Academia disse “nós não” e esqueceu por completo esta canção. Borrou as chances de ser diferente e aplaudir a música internacional num idioma não-inglês. Estamos estão enfurecidos, que chamamos a esta vitória uma fraude.

Abaixo poderás ouvir a música de Diane Warren e Laura Pausini do filme “Uma Vida à Sua Frente” num misto de italiano e inglês e que marcou o regresso de Sophia Loren ao ecrã, pós 10 anos sem participar numa longa-metragem. Apesar de terem perdido o Óscar, Laura Pausini e Diane Warren ganharam o Globo de Ouro e estão igualmente nomeadas ao David di Donatello.

Lê Também:   Time, em análise | Melhor Documentário

Laura Pausini e Diane Warren, “Io Sì”

Para mais, tínhamos uma canção internacionalmente popular na corrida aos Óscares: “Húsavík” que representava o filme sobre o Festival Eurovisão da Canção. Se fosse para honrar a melhor música com o significado e a conciliação para com a narrativa sua, “Húsavík” deveria ter ganho o Óscar. “Húsavík” define por completo o processo de transformação pelo qual passam as personagens da comédia “Festival Eurovisão da Canção: A História dos Fire Saga” distribuída pela Netflix.

Fãs de várias partes do mundo sentiam as palavras de Molly Sandén, uma das melhores artistas europeias já participante do Junior Eurovision Contest, em 2006, onde deu a Suécia a sua melhor pontuação de sempre, colocada em 3º lugar. Com ela somos transportados ao nosso lar, ora chamado Húsavík, outras vezes chamado Portugal, América ou simplesmente Terra.

Molly Sandén, a atuação com Húsavík

Foi ainda mais decepcionante a decisão dos produtores da cerimónia em decidirem colocar as atuações das nomeadas ao Óscar de Melhor Canção Original no pré-programa e não na cerimónia principal em si. Como seria de esperar, reduziu a cerimónia aos discursos não deu oportunidade aos nomes de Molly Sandén; Celeste, H.E.R., Leslie Odom, Jr., Laura Pausini, Diane Warren e Daniel Pemberton de brilharem.

A performance de “Húsavík” foi feita por Molly Sandén junto de um coro de crianças na baía da cidade de Húsavík, na Islândia, onde decorre a história do filme “Festival Eurovisão da Canção: A História dos Fire Saga”. As restantes atuações foram feitas no telhado do Museu da Academia em Los Angeles, cuja abertura está marcada para setembro deste ano.

Quem também saiu a perder nesta edição foi Glenn Close, ela própria já a aceitando a sua derrota com normalidade. Nomeada pela 8ª vez à estatueta dourada, desta vez pelo seu desempenho em “Lamento de uma América em Ruínas“, Glenn Close continua a ter zero Óscares em casa, sendo uma das atrizes mais icónicas de sempre, com uma carreira que se estende por 40 anos e não se resume a uma faceta interpretativa. Neste momento, Glenn Close está empatada com Peter O’Toole, que morreu em 2013, como atores com mais nomeações aos Óscares de representação sem qualquer vitória (O’Toole ganhou o Óscar Honorário em 2003). A desgraça de Glenn Close nos Óscares é mais do que habitual.

Mesmo assim, apesar dos Óscares 2021 não terem celebrado Glenn Close, a atriz ofereceu o melhor momento da noite, uns segundos de pura alegria que não estava programado na produção da cerimónia. Tudo começou com um jogo, quando o multi-instrumentalista Questlove e o comediante Lil Rey Howery foram perguntando a atores se músicas ouvidas em fundo tinham sido nomeadas ou vencedoras de estatuetas ou haviam estado ausentes da corrida ao Óscar. Depois de Andra Day e Daniel Kaluuya, Lil Rey Howery quis fazer o jogo com Glenn Close, que aparentemente sabia tudo sobre “Da Butt”, canção do filme “School Daze” (Spike Lee, 1988) e ainda mexeu o corpo como ninguém aos 74 anos. O resultado foi um dos momentos mais maravilhosos da Academia que não só refletiu o porquê de ainda vermos os Óscares, como o talento e simpatia de Close, sempre disposta a alinhar numa brincadeira.

Assim terminamos o nosso post-mortem dos Óscares 2021 da melhor maneira e colocamos um ponto final na Awards Season 2020/2021. Para o ano há mais! Até lá viva o cinema e vejam filmes!

Partilha o nosso post-mortem dos Óscares 2021 nas tuas redes sociais e deixa o teu comentário abaixo. 

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *